Até metade da semana que vem, o Desfavor estará em programação especial de final de ano, o que torna este texto a última oportunidade do ano de comentar o caso do atentado contra a sede do Porta dos Fundos, em retaliação a um especial natalino do grupo na Netflix tirando sarro das crenças cristãs. O grupo integralista Comando de Insurgência Popular Nacionalista assumiu a autoria num vídeo distribuído pelas redes sociais. O que me leva à seguinte questão: é sério isso?

Eu não acredito em mais ninguém a essa altura do campeonato, as evidências parecem apontar para a veracidade do ataque, mas eu ainda lembro das “suásticas” que apareceram em muros e pessoas perto da última eleição e como tudo ficou muito mal explicado… mas a gente nem precisa entrar nesse mérito para chegar ao ponto que eu quero chegar com este texto.

As notícias e análises que vi até aqui parecem tratar o tema com gravidade: ou o Porta dos Fundos ofendeu profundamente a fé do brasileiro, ou são bastiões da liberdade brasileira sendo atacados por terroristas. E com os supostos autores na equação, a coisa ganha contornos ainda mais grandiosos, seja pelo senso de importância auto imposto pelo grupo, seja pela análise de quem os considera uma ameaça terrível à democracia.

Fica aqui minha singela sugestão para descrever o caso: grupo de comediantes que está fazendo a mesma piada há alguns anos decide que chamar o amigo imaginário de uma maioria semianalfabeta de gay é a solução para seus problemas de roteiro. Grupo de comediantes acerta no alvo: ninguém percebe que foi a história mais fraca deles até hoje, e o ângulo da homossexualidade de Jesus ganha todo o foco. A maioria semianalfabeta fica extremamente irritada sem ter visto o material, incitada por sacerdotes estelionatários à procura de uma maior arrecadação.

Grupo de homens frustrados com a falta de relação entre conhecer palavras de mais de 3 sílabas e sucesso na vida amorosa é radicalizado por influenciadores estelionatários à procura de uma maior arrecadação. Grupo de homens frustrados jogam garrafas pegando fogo durante a madrugada no local de trabalho dos comediantes e se fantasiam para fazer um vídeo de WhatsApp dizendo palavras que provavelmente não entendem o significado.

Questão é adotada pelo ciclo de notícias por jornalistas e colunistas estelionatários à procura de uma maior arrecadação. Pessoas com mais de dois neurônios são obrigadas a reagir à essa baboseira toda como se fosse algo extremamente importante. Não, não é sério isso. Pelo menos não para a gente que não tem interesse pessoal financeiro e político nessa história. Não aconteceu nada de tão terrível assim: as leis que já existem tratam dessa história toda. Pode fazer piada com amigo imaginário e não pode jogar coquetel Molotov no amiguinho. Peço encarecidamente para que todos que leiam este texto lembrem-se de mandar tomar bem no meio do cu qualquer um que pedir novas leis por causa disso.

A história toda é valiosa para a marca Porta dos Fundos e seus integrantes, pois valoriza a posição deles entre aqueles que tem maior potencial de consumir seus conteúdos, e aliena quem já não era seu público alvo. Dá para defender a liberdade de expressão, pregar a tolerância… não tem erro. Seria bem pior para eles se ninguém desse bola. E se você acha que isso pode causar algum maluco tentando matar algum dos integrantes, maluco é maluco. Não existe um mecanismo legal ou campanha de conscientização que controle maluco. O risco continua sendo o mesmo de antes.

O caso também vale uma nota para os evangélicos: nada motiva mais as pessoas que um inimigo comum. Tecnicamente os crentes já têm o presidente e boa parte do legislativo. O discurso de minoria oprimida estava ficando fraco, então vai muito bem uma polêmica que os permita se vitimizar. Se fizerem os miseráveis que ocupam suas igrejas acreditarem que o problema do Brasil são meia dúzia de playboys lacrando com seu messias, gera uma sensação bacana de união que por sua vez gera mais renda. O pastor que não vai reclamar de ter um tema novo para falar e ter um aumento no salário… difícil segurar brasileiro na igreja com esse papo de não poder beber e fazer sexo só depois de casar.

Para os influenciadores de ambos os lados da discussão, é mais um tema que pode ser extrapolado à milésima potência. Ou o Brasil é a nova Alemanha Nazista, ou é a Babilônia prestes a ser esmagada pela fúria divina. Sem meios termos, só pancadaria. E isso é uma delícia para quem vive de enfurecer sua base. Não precisa nem fazer o trabalho do pastor da igreja evangélica de abraçar pobre, dá para tocar o terror e pedir suas doações do quarto, direto da webcam. E ainda dá para fazer pose, falando de temas complexos como integralismo, liberdade de expressão, história… se eu estivesse nesse mercado, teria dado pulos de felicidade depois de saber do atentado.

E para a imprensa, mais um dia, mais uma notícia que dá para explorar. Todo mundo vai ficar curioso: um grupo terrorista brasileiro? Que usa um “E” estranho de símbolo? E melhor ainda: dá para cagar regra pra cima do assunto inteiro. Ou diz que seu deus não pode ser ofendido, ou diz que esse é o país do Bolsonaro… tudo nesse caso é perfeito para polarizar.

E eu aqui, ainda confuso como as pessoas parecem levar esse assunto a sério. A vida continua, as pessoas ainda têm que trabalhar para pagar as contas, ainda vão votar em quem der mais vantagens no curto prazo, ainda vão fingir que entendem um milésimo dos termos políticos utilizados… com aquela mentalidade bem brasileira de não querer abrir mão de ser cristão de dia e degenerado de noite. Movimento fascista no Brasil é uma piada, ditadura cristã ainda mais: ninguém tem saco para seguir as regras. E também não adianta achar que dá para mudar as coisas o suficiente para nos equipararmos com países mais liberais: falta proteína na infância para formar cérebros capazes disso.

No final das contas, foi só macaquice mesmo do país de pardos nazistas e riquinhos comunistas. O Brasil não é sério. Precisa de muito esforço para chegarmos no ponto onde um caso desses tenha algum significado maior, não fizemos o trabalho necessário para isso ainda. Não é sério isso não.

Infelizmente.

Para dizer que eu estou ficando amargo, para me chamar de fundamentalista religioso, ou mesmo para dizer que humor de verdade é falar palavrão berrando: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Geraldo Renato da Silva

    Como você mesmo disse, é muito estranho esse atentado, algo mal explicado.
    Pode ser que a barra tenha pesado (muitas pessoas cancelaram a assinatura no Netflix) e quando a grana fala, muitos perdem o bom senso e fazem de tudo para se vitimizarem e ganharem atenção.
    Temos que aprender a não dar atenção para esse tipo de gente que não tem talento algum e só vive de lacração.
    Se ficam sem plateia, logo voltam para a sua insignificância. Mas brasileiro não pode perder um barraco…

  • Eu gosto de acreditar que esse atentado partiu de ordem dos próprios integrantes do Porta dos Fundos, para receber aplausos, apoio e atenção.

    • Torcendo pra ser isso e ser descoberto.
      Ia ser um plot twist maior do que o Thanos entrando no cu do homem-formiga.

  • Sempre caguei por Porta dos Fundos. E eu achei esse caso todo uma bobagem tão grande que, honestamente, nem sequer me dei ao trabalho de dar muita atenção a esse assunto. É bem como você disse, Somir, a vida continua, ninguém de nenhum dos dois lados da questão está entendendo direito do que fala e a briga é comandada por cegos guiando cegos, todos calhordas o bastante pra tentar lucrar o máximo apontando inimigos para seus tapados seguidores.

  • Achei bem sm graça esse especial de naral. Só assisti por causa da polêmica e se matassem um humorista daqueles a comédia não perderia nada.
    É se Jesus fosse gay exolocaria muito sobre esse filho de Deus tão diferentão.

    • Estuprador Pedófilo Satânico Nazifascista

      Nem é a primeira vez a zoarem com a (homos)sexualidade de Jesus. Não sei se é fake ou se é coisa de floquinho de neve reaça.

  • Não dá pra negar que alguns dos integrantes da tribo pró liberdade de expressão e politicamente incorreto são, no mínimo, contraditórios…

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