Arrependam-se!

Povo da Terra,

A Terra foi criada por Deus, não Baatz’he. No começo, não havia nada, e Ele criou a luz, a terra, os mares, os céus e todos nós. E num gesto de amor incomensurável, Ele nos deu a liberdade. Deveríamos crescer e multiplicar, e entender pela beleza da Criação que Ele queria nos salvar. Livres, vários de nós aceitamos Seu amor, mas algumas pobres almas continuaram em negação de seu propósito, buscando as sombras. E foram das sombras que surgiu esse falso deus. Arrependam-se! Arrependam-se agora!

A escuridão enganou todos vocês com suas naves brilhantes. Quando o povo de Baatz’he desceu dos céus, seus líderes e cientistas cederam à tentação e se renderam covardemente. Muitos devotos duvidaram de sua fé diante do grande poder do exército das trevas, com sua promessa de bonança infinita. Venderam sua alma pelos prazeres proporcionados pela tecnologia. Deus nunca nos negou as benesses eternas de seu reino, só nos pediu em troca uma vida de retidão e devoção. Mas vocês queriam tudo agora, não?

Queriam as máquinas velozes, as ilusões de seus computadores, a saciedade de seus alimentos artificiais… pois bem, vocês tiveram tudo isso. Mas a que preço? O que nós vemos do nosso exílio é um povo degenerado, sem força de caráter, constantemente anestesiados por prazeres terrenos. Todos os dias eu recebo mensagens da Terra de pessoas que não sentem mais nada e precisam de um motivo para viver. Jovens que nunca aprenderam sobre Deus, que vagam sem sentido por um planeta viciado. Deus os toca e eles vem para cá.

O povo de Baatz’he controla vocês. São pastores levando ovelhas para o abismo da vida eterna sem Deus. Vocês acham que vale a pena? Trezentos anos de prazeres em troca de uma eternidade de sofrimento? Arrependam-se! Deus os perdoará se seus corações estiverem dispostos. Vençam os pecados e voltem para a nossa família. Aceitem seu papel como filhos Dele. A vida nas Colônias Divinas é honesta, conquistada com suor e dedicação. Nosso povo é modesto, justo e acolhedor. Vocês não sabem mais o que é ter uma família, e a cada um dos nossos novos colonos vão te dizer como pertencer ao povo de Deus é o que faltava em suas vidas.

Arrependam-se! Pois um dia a Terra voltará a ser nossa. E nesse dia, apenas Deus poderá salvá-los. Não é tarde agora, mas um dia… será.

Izaquias Melquior III,
Glorificado Pleno do 7º Halo

Caros fanáticos,

Nada é perfeito. Com certeza a vida no planeta melhorou horrores depois da chegada dos nuvizianos, mas não vamos mentir que não tem que o que melhorar: semana passada um chinês foi condenado a ficar 24 horas sem acesso à rede geral por fazer uma animação considerada ofensiva com Baatz’he. Apesar do código nuviziano prever uma boa quantidade de liberdade de expressão em relação à sua religião oficial, animar um avatar de Baatz’he fazendo sexo com uma girafa passava dos limites. Muita gente achou exagerado, eu incluso. Que tipo de deus supremo é esse que não aguenta uma piadinha? Mas, lembrando de como vocês e seus amigos de outras religiões costumavam lidar com isso antigamente, sobreviveremos.

Quando os nuvizianos chegaram à Terra com uma gigantesca armada de naves de todos os tamanhos, muitos temeram pelo pior. Mas, no final das contas, esse povo alienígena só queria fazer o primeiro contato. Grandes olhos e peles esverdeadas como nas nossas imaginações, mas bem menos assustadores. Já temos todos os registros liberados da época, inclusive os do exército percebendo que não tínhamos a menor condição de lutar contra eles caso fossem agressivos. Graças à Baatz’he esse não era o caso!

Sim, eles vieram nos catequizar, milhares de anos-luz de distância de sua terra natal. Queriam que aprendêssemos sobre seu deus supremo e todas as benesses relacionadas. Mas ao contrário do que vocês faziam com os “infiéis” deste planeta, eles escolheram o caminho da simpatia. Compraram terrenos, construíram seus templos, fizeram ações de caridade imensas sem nenhum precedente na nossa história… a fome tinha praticamente acabado no planeta meros 2 anos depois da chegada deles.

Vocês ficaram enciumados. Os pobres, sua maior fonte de renda e poder, estavam todos fazendo os rituais nuvizianos em troca da salvação em vida. Esse sim um conceito inovador. A mitologia maluca e as inconsistências lógicas de Baatz’he não incomodavam nem mesmo os ateus, afinal, mesmo com os nuvizianos assumindo o controle do planeta de forma não oficial, as coisas estavam mais tranquilas do que nunca. Ninguém nunca foi obrigado a acreditar em Baatz’he. Incentivados? Com certeza. Mas nunca nos foi negado acesso à tecnologia deles com base na fé.

E quando vocês e os muçulmanos começaram a usar a força para defender suas frágeis crenças, ficou bem claro para a humanidade que seja lá os defeitos da religião nuviziana, era algo bem melhor do que já tínhamos. Queria estar vivo na época para ver a humilhação dos fanáticos violentos ao lidar com um adversário que conseguia ganhar uma guerra em questão de horas sem derramar sangue! Eles pacificaram o Oriente Médio em um mês, coisa que vocês não conseguiram em milênios. Então, era óbvio de que lado o suporte popular estaria.

E como vivemos em relativa liberdade, pude ver vários relatos de como o banimento dos cristãos e muçulmanos para as novas colônias no cinturão de asteroides e Marte não foi um processo tão limpo assim. Tivemos abusos sim. Mas por mais de 50 anos, foram os nuvizianos que construíram toda a infraestrutura que vocês usam até hoje, e foram eles que forneceram todos os suprimentos necessários como água, comida e remédios. Lembrando que foram vocês que atacaram covardemente os trabalhadores deles e declaram independência. As notícias daí chegam aqui, sabia? Seu povo está sofrendo com a falta de recursos por má administração e a antiga mania de explorar os mais pobres.

Vocês estão atraindo gente para o sofrimento, para trabalharem até a morte para sustentar os luxos dos “glorificados”. Mas eu acho que até os nuvizianos cansaram de vocês. Enquanto vocês continuarem sem nenhum avanço científico, são tão perigosos como uma mosca para a Terra. Lembrando também que temos que buscar recursos muito mais longe no Sistema Solar por causa de vocês e a área de exclusão criada ao redor de suas colônias.

Então, eu agradeço o convite, mas vou negar. Sim, temos muita gente aqui na Terra que não sabe o que fazer com tanta abundância e tempo livre. Acho que começo a entender por que os nuvizianos decidiram fazer isso de espalhar sua religião pela galáxia: para ter o que fazer, um propósito maior. Às vezes eu acho que nem eles acreditam tanto assim em Baatz’he… mas, que seja, eles vão nos passar a tecnologia de viagem interestelar daqui a 100 anos, pelo acordo que fizemos ao passar o controle do planeta para eles. Eu ainda vou estar bem saudável, graças à medicina deles. Quero conhecer os planetas de diamantes e aquele com três sóis! Aposto que você nunca ouviu falar. E nunca vai.

Agora, com licença que eu tenho o ritual de Boo’hurtaz das 19:00 e depois, um encontro virtual bem quente! Que a paz de Baatz’he te encontre nesse universo escuro.

Joaquim Pereira,
Desempregado

Para dizer que se está no inferno, abraça o Baatz’he, para dizer que pelo menos os cristãos ainda fazem sexo real, ou mesmo para dizer que quer que os nuvizianos cheguem logo: somir@desfavor.com

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Comments (7)

  • O que não gosto dos textos do Somir é que não sei o que comentar depois que leio, se dependesse da minha mente seria sempre um comentário do tipo “muito legal, amei” aí eu não comento nada e aposto que muita gente se sente assim, aí os textos recebem poucos comentários e o Somir pode acabar sendo levado ao erro achando que ninguém está gostando do que ele escreve e que a maior demanda é textos falando de cu, sexo, violência e criticando os lacradores pela milésima vez, pois estes são os que recebem mais comentários.

    • Já me preocupou no começo, mas hoje em dia não. Eu já percebi que comentários dependem muito do que a pessoa tem para dizer sobre aquele tema do que sobre o grau de satisfação dela com o que leu.

      A gente combina o seguinte: quem não sabe o que comentar depois de um texto meu, comenta com a primeira palavra que vier à cabeça. Assim eu posso fazer um experimento científico.

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