O canal iraquiano Al-Ahad TV divulgou hoje um suposto vídeo do ataque de drone que matou Qasem Soleimani, o chefe da Força Revolucionária da Guarda Quds do Irã, considerado um dos homens mais importantes do país. (…) O Pentágono confirmou que o ataque aconteceu “sob ordens do presidente” Donald Trump. “Os militares dos EUA tomaram medidas defensivas decisivas para proteger o pessoal dos EUA no exterior, matando Qasem Soleimani”, afirmou em nota. LINK


A ação teve a sutileza de um rinoceronte, os motivos estranhos e principalmente, a reação do brasileiro foi bizarra. Desfavor da semana.

SALLY

Aeroporto Internacional de Bagdá. Um comboio de veículos se aproxima, trazendo e escoltando um dos homens mais poderosos do Irã, Qassem Soleimani, e sua comitiva. Do nada surgem mísseis americanos, disparados por um drone, que explodem, matando ao menos sete pessoas, entre eles Soleimani. A internet vai à loucura. Bem-vindos ao Desfavor da Semana.

Poderíamos fazer dez textos esmiuçando a vida de Qassem Soleimani e seus feitos, mas não é necessário. Tudo que você precisa saber é que ele era um general muito importante, muito influente e muito estrategista que estava à frente de tropas de elite iranianas, um dos homens mais importantes do país. Mataram a estrela deles, o queridinho, o pilar de sustentação.

Não pretendo fazer juízo de valor sobre os motivos, pois os motivos, ao certo, ninguém sabe. Até parece que a inteligência americana deixaria vazar tudo que está acontecendo e a complicada e emaranhada trama de conflitos e interesses internacionais. Se você quer respostas exatas e previsões, vá para as redes sociais, que é onde estão os donos da verdade.

Sobre o que podemos falar: sobre o que é público e notório. Os EUA explodiram pessoas importantes, em um local público, com plateia, de forma afrontosa. Foi uma “morte-ostentação”. Não posso opinar sobre a morte, mas posso opinar sobre a forma da morte: desnecessário, cafona e pirotécnico demais. Demonstração de poder barata, que no geral, acaba indicando problemas mentais e custando caro. Para piorar, a Casa Branca anunciou oficialmente que a motivação do ataque foi preventiva. Sabe como é, just in case.

Não que eu achasse que Trump pudesse ter a finesse de matar discretamente, envenenando, mas não esperava um ato de tamanha brutalidade (com ou sem motivos que o justifiquem). Muito se fala sobre a real motivação deste ato (se reeleger, evitar impeachment, interesse em nova fonte de petróleo etc.) mas não temos informações nem para começar a especular isso. O desfavor apontável é: precisava ser nesse nível de barbárie? Precisava divulgar uma motivação tão tosca?

E não, não estamos preocupados com os direitos humanos de Soleimani. Estamos um pouco abismados com o que os EUA enxergam como aceitável ou como inaceitável atualmente. Pelo visto, a linha está muito depois do local onde se imaginava e é ok explodir pessoas chaves, importantes, de outro país em um ambiente civil por “prevenção”. Inverta o fato e pense em algum líder europeu sendo explodido da mesma forma por outro país e veja a carinha de terrorismo que isso ganha.

Talvez estejam acontecendo desgraçamentos que a gente nem sonha e talvez, se eu tivesse a big picture eu até concordaria em sacrificar algumas vidas humanas. Mas certamente eu daria ao público uma justificativa melhor do que um “ataque preventivo”, pois sentiria que isso não é aceitável. Faltou um pouco de noção. Faltou perceber que esse chapéu de “Xerife do Mundo” não cabe mais na cabeça. Desagradou quem tem algum juízo e ligou uma luz de alerta para quem não tem, como por exemplo, a Rússia.

Talvez esse circo se mostre justificado no futuro, mas, por hora, parece uma atitude de gente louca, fora da realidade. E sempre preocupa quando gente louca e fora da realidade tem armas nucleares. Outros atos virão e gente louca e fora da realidade terá que decidir o que fazer. Esse é um grande problema.

E aqui é sobre o ato em si. Se você acha condenável explodirem algum chefe de estado do qual você desgoste, algum líder, alguma pessoa desta forma, você não é diferente dos EUA nem do Trump, só está do outro lado da mesma moeda de desempoderado que precisa demonstrar força. Vejo muita gente criticando, mas que comemoraria se Trump ou Bolsonaro fosse explodido assim. Civilidade seletiva é algo que me enoja bastante e anda em alta no Brasil.

E, por falar em Brasil, é claro, o brasileiro não poderia deixar de ser parte da decepção. Assim que surgiu a notícia da morte de Soleimani, a vergonha começou. Pessoas sem qualquer noção de política internacional afirmando previsões, explicando motivações e espalhando o medo, dando como certa uma terceira guerra mundial inundaram a internet. Elas não parecem ter consciência da vergonha que estão protagonizando, é o momento do excluído brilhar: se de dia o patrão grita com ele, esculacha, chama de burro e manda calar a boca, à noite ele é o dono da verdade em sua rede social com 37 seguidores e brilha explicando tudo que está acontecendo. Haja saco.

Pessoas dizendo que vamos todos morrer, pessoas dizendo que eleitores do Bolsonaro serão convocados para lutar na guerra, pessoas propagando as mais diversas teorias conspiratórias. Parece que, por mais apocalíptico que seja o cenário pintado, nada assusta mais do que não saber. As pessoas preferem acreditar em qualquer bosta dita por qualquer youtuber do que respirar fundo e simplesmente admitir que não sabem o que vem a seguir. Venham para o grande vácuo do não saber, gente. É legal, eu juro. Venham abertos para aceitar o que quer que aconteça em situações que não dependem de vocês e se livrem desse peso todo. A vida melhora, eu juro.

Teve até emocionado achando que Bolsonaro falaria alguma bosta e o Brasil seria bombardeado. Sem querer enfiar o dedo na ferida, mas o brasileiro é um sand monkey, ninguém se importa, ninguém nem sabe que existe. Você não é tão importante. Ninguém vai gastar uma bomba com o Brasil mesmo que o Bolsonaro se fantasie de Maomé e se filme cantando “Olha a cabeleira do Zé Zé / será que ele é bossa nova, será que ele é Maomé”.

Essa é a reação padrão do brasileiro agora, para tudo: cai no medo, cai no alarmismo, começa a apontar culpados, a brigar. Em supostos tempos difíceis (ainda que ficcionais), o correto para tentar assegurar a sobrevivência e bem-estar de um povo é se unir. Se depender do brasileiro, vão morrer xingando uns aos outros em uma jornada certa de dizimação. Seria bem merecido.

Obviamente, em momento algum ninguém decidiu olhar para a questão pela ótica do que cada um pode fazer daqui pra frente para ajudar de alguma forma ou melhorar a situação. O olhar é sempre para o que pode dar errado no futuro, em um medo que gera previsões catastróficas que angustiam a pessoa ou para apontar culpados, quem votou em quem, quem fez o quê para gerar aquele resultado. Uma perda completa de tempo e energia. Parecem símios berrando em bando, deprimente.

O que aconteceu foi grave e grotesco e pode ou não virar uma guerra, mas uma certeza eu tenho: não é sobre o brasileiro. É vergonhoso que o brasileiro faça tudo que acontece no mundo sobre ele. É insano criar infinitos links até conseguir especular como esse ataque pode afetar Jenival, formado em artes cênicas, morador de Bauru, fã de The Witcher. Parem e aceitem: vocês são irrelevantes.

O que vai acontecer? Não sabemos. E não importa, se você estiver com a cabeça no lugar. Basta não se deixar tomar pelo medo e pela histeria coletiva que nos cerca. Vai ter guerra? Vai acabar a humanidade? Vai morrer todo mundo? Tá joinha. Que aconteça o que tiver que acontecer, nós não podemos intervir (spoiler: esbravejar em redes sociais não muda a realidade), portanto, o melhor que você faz é aceitar de bom grado o que vier e se divertir no processo, fazendo Memes e rindo dessas pessoas bobas que acham que podem controlar tudo e fazer a diferença online.

Para dizer que agora todo brasileiro é analista político, para dizer que este promete ser um ano explosivo ou ainda para começar a fazer Memes: sally@desfavor.com

SOMIR

Quanto mais o tempo passa, mais eu me pego tentando ler as coisas pelas entrelinhas. Talvez depois de acompanhar o ciclo de notícias por algumas décadas, o meu cérebro não ache mais tanta graça na estimulação barata das manchetes e esteja procurando algo para apimentar essa relação com a realidade… há alguns anos, eu provavelmente estaria tirando algum prazer mental de imaginar uma possível guerra e suas repercussões, mas hoje em dia chama mais atenção o quanto as pessoas parecem estar querendo ver uma guerra…

Desde que o mundo é mundo tem gente que só quer ver o circo pegar fogo, e me parece óbvio que isso é um fator relevante para essa percepção. É mais forte que a maioria de nós essa curiosidade mórbida por grandes confrontos militares. Imagino que ninguém goste de bombas explodindo na sua cidade, mas se o terror estiver sendo transmitido ao vivo por alguma tela, pouca gente vai negar que é uma espécie eficiente de entretenimento.

Mas parece que tem mais coisa ainda nessa história. É impressão minha ou a humanidade está com abstinência de um confronto real e direto? O mundo não anda pacífico, longe disso, mas as inúmeras guerras e confrontos recentes na grande mídia carecem de uma narrativa tradicional de batalha. Não tem uma guerra “simples” de acompanhar desde a última década do século passado, quando os EUA invadiram o Iraque pela primeira vez para derrubar Saddam Hussein. E mesmo aquela foi um massacre.

Depois disso, praticamente tudo foi uma grande bagunça de batalhas assimétricas com inúmeros participantes fazendo o máximo para não estar “oficialmente” em guerra. Tudo muito enroscado, com grupos terroristas financiados por diversos países brigando entre si numa confusão de territórios e bandeiras que se terríveis para os locais, não entregaram muito de resolução para os espectadores ao redor do mundo.

Eu sei que soa terrivelmente egoísta e insensível fazer uma espécie de crítica ao fator de entretenimento de guerras onde morrem milhares de pessoas, mas isso não sou eu pedindo por guerras “melhores”, e sim constatando que mais ou menos assim como a sociedade atual funciona em tempos de polarização de rede social, até mesmo os conflitos armados parecem confusos sobre como explicitar agressão. É a cara do século XXI as coisas serem complicadas ao ponto de ninguém saber exatamente quem é o inimigo. Só sabem que o inimigo existe. O ressurgimento da disputa entre esquerda e direita – depois de algumas décadas fora de moda – é um excelente exemplo disso: dualidade confusa, cheia de brigas internas e fogo amigo. A pessoa acredita que tem inimigos do outro lado, mas não sabe muito bem quem são eles e muito menos o que estão fazendo na prática para serem considerados inimigos.

Vejo muita gente entrando nessa guerra cultural sem conhecimento básico de história, política ou economia, mas cheios de certeza mesmo assim. A vantagem dessas disputas confusas é que pouca gente vai te apontar os seus erros primários de lógica e fontes contaminadas de informação, primeiro porque as pessoas capazes disso tem tempo e dedicação limitados, e depois porque com tanta gente disposta a chafurdar nesse lamaçal intelectual, não falta gente para concordar com você independentemente da merda que disser. A confusão das disputas deste século ajuda a esconder imbecis à plena vista, e com certeza os imbecis estão fazendo uso disso.

Só que essa possibilidade não vem de graça: junto com a cortina de fumaça dessa dualidade confusa vem a sensação de estagnação. Eu argumento que as pessoas parecem mais ansiosas e até mesmo agressivas atualmente porque os conflitos não encontram resolução. Essa bagunça não permite que as coisas fiquem claras ao ponto de definirmos vencedores e perdedores. Lacradores, mitadores e afins vivem comemorando vitórias que no final das contas não mudam nada. Calorias políticas vazias, por assim dizer.

Quando os EUA explodem um general de um regime claramente hostil, é como se as coisas estivessem “certas” com o mundo de novo. Não é uma bagunça de grupos terroristas financiados por um país atacando os financiados por outro, são pessoas com nome e sobrenome e uma disputa clara. Mesmo que isso não resolva em nada a confusão no resto dos frontes culturais de hoje, pelo menos é algo que cabe na cabeça de todo mundo. A guerra tradicional com exércitos enfrentando exércitos, mesmo que seja mais um massacre americano, pelo menos colocam ordem nas coisas de novo. Avião contra avião, bomba contra bomba, tanque contra tanque.

E com todas as memes sobre a 3ª Guerra Mundial se aproximando (spoiler: não vai acontecer) podemos notar uma necessidade quase que inconsciente das pessoas de pelo menos ver alguma resolução para sua agressividade. Somos uma espécie violenta, o instinto de “colocar no mundo” nossa putez é muito forte. E como a maioria das pessoas não tem capacidade alguma de resolver seus sentimentos sem grandes chiliques, uma grande guerra seria uma forma de extravasar a fúria do cidadão médio do século XXI de uma forma clara, mesmo que por tabela. E não, não é um endosso a uma guerra mundial: soltar seus sentimentos pelo meio da violência é só um caminho, e um dos piores. Se as pessoas aprenderem a lidar com eles de forma mais serena e se livrarem dessa pressão toda pela boa e velha arte de não se importar tanto com o que não merece importância, não precisamos de nenhuma explosão para ficarmos mais calmos.

Mas até lá, vamos continuar vendo um mundo cada vez mais sedento por uma grande guerra, ao mesmo tempo que toda a conjuntura global joga contra isso. Depois da globalização, a chance de uma guerra mundial é praticamente nula, posso até fazer um texto sobre isso semana que vem, mas esse bonde já passou… e na falta dessa via de escape, vamos continuar vendo mais da mesma dualidade confusa tomando conta da sociedade. O ser humano não tem maturidade ainda para o que está vivenciando, e a via da porrada está, no mínimo, temporariamente bloqueada. Se vier, tomara que a guerra do Irã acalme um pouco os ânimos, mas eu não apostaria muito nisso.

Para dizer que vai continuar torcendo para o circo pegar fogo, para dizer que Trump sabe tornar a coisa divertida, ou mesmo para dizer que quer mais é que uma teocracia se exploda (justo): somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Sabe que eu pensei a mesma coisa, Somir? Parece que esse ataque “gratuito” foi algo do tipo, “ahh o mundo tá muito parado, muito tédio, vamos dar uma agitada nisso aqui…”. Curioso pensar, também, em sentido amplo de psicologia social, como que o ser humano tem essa sede de conflito de tempos em tempos.

  • Sobre o Bostil: eu não merecia começar o ano com flood de bostolescente histérico e em pânico por uma guerra inexistente. Pior que isso só os “memes” da guerra. O bostileiro meteu na cabeça que é o mais engraçadão da internet rei dos memes e não tem o que tire isso deles.

    Sobre o Trump: Isso que é HOMEM! Esse macho me deixa ovulando. Esse gostoso é uma delícia de daddy

  • Na abordagem alarmista, teve gente que lembrou o que bouve com a Argentina (dois atentados, centenas de mortes) poderia acontecer com o Brasil se o País declarasse apoio ao Trump.

    Só se esqueceram de mencionar que o Menem topara receber financiamento do Hezbollah para sua campanha presidencial, valendo-se da origem síria da sua família. E tolo o suficiente para achar que não cumprir qualquer acordo com eles não traria maiores conseqüências.

  • Mas o formato das redes sociais é isso mesmo: comentar coisas sem nem saber do que está falando, adquirir engajamento, ficar a maior quantidade de horas possíveis online… pra algumas pessoas é literalmente uma profissão. Tenho conta no Facebook e no Twitter, ainda dá pra encontrar coisas engraçadas e interessantes se procurar bem, e não fico abalado com postagem merda pegando 30.000 curtidas, por exemplo, porque me lembro que o bairro onde eu moro tem mais gente que isso.

    Sobre o Irã: foda-se.

    • Vai se reeleger, independentemente do nível da cagada. E isso não é por sua força política (bem solidificada entre os rednecks americanos) e sim pela fraqueza das posições na oposição.
      Apenas caiu o véu da farsa que ainda permeava a “pax” estaduniense, sendo que o ataque está bem dentro da linha política americana, com a única diferença que na era da sobreinformação, logicamente essa não foi deixada passar, sendo na prática uma distensão numa “nova guerra fria”.
      Não podemos nos esquecer que o presidente lá é eleito por um colégio eleitoral quase ao estilo da eleição do Tancredo, sendo na prática um modelo de eleição indireta.

  • Eu nem vou comentar nada sobre as motivações do Trump e desses conflitos que sempre rolam no Oriente Médio porque eu realmente não sei o que dizer e não sei nada sobre isso. Mas posso concluir que se tem uma coisa pior que o brasileiro médio, é o brasileiro médio JOVEM (e se for digital influencer, eleva a desgraça à enésima potência). Não sei o que foi pior nisso tudo: Felipe Dejeto biscoitando nervosamente a ponto de querer passar sermão pro Ted Cruz; bobolescente chorando no Twitter dizendo que “num queria ir pra guerrra” (a mesma turma que diz que “vai pegar em armas” pra matar os fascistas, racistas, machistas, dentistas rsrsrs) ou um bando de mongolóide levantando tag #BrazilLovePalestina (como se não soubessem o que fazem com os gays e outras minorias por lá).

    E ainda estamos bem no começo de Janeiro…

    • Israel é o ponto-chave, sendo na prática o fiel da balança na política dos EUA no que diz respeito ao Oriente Médio. O restante dos eventuais “aliados” são de ocasião.

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