Na era da pós-verdade, a discussão não poderia ser mais apropriada: com tantas notícias falsas rodando por aí, Sally e Somir discordam sobre a verdadeira causa delas, especialmente no caso do brasileiro. Os impopulares falam a verdade, qualquer uma.

Tema de hoje: a divulgação de Fake News no Brasil é majoritariamente causada por más intenções ou burrice?

SOMIR

Me sinto até estranho de não chamar todo mundo de burro, mas eu enxergo algo além da incapacidade média do brasileiro nessa onda de Fake News: intenção. Tem uma motivação aí que vai além de estupidez, e ela parece ser o que tornou essas notícias falsas tão prevalentes. Estão de sacanagem mesmo.

“Mas, quer dizer que esse povo é inteligente no final das contas?”

Não, claro que não. A burrice ainda é o mar no qual as Fake News navegam, mas, mantendo a analogia marítima, a má intenção é o vento que as empurra de porto em porto. A indústria dessas notícias mentirosas não consegue existir se as pessoas não forem muito burras ao ponto de acreditar nelas, mas não é só porque as pessoas são burras que as notícias falsas precisam existir.

Historicamente, bastava algum grau de manipulação na mídia para governos corruptos e/ou totalitários controlarem a narrativa apresentada para a sociedade. Não precisava inventar uma asneira para chocar o povão, era mais uma questão de omitir alguns elementos e destacar outros para manter a coisa funcionando. Censura e culto à imagem eram as formas mais populares de trabalhar com a burrice do cidadão médio no passado. Mas, os tempos mudaram.

Hoje em dia, censura é muito menos eficaz por causa da internet. Tente esconder algo e aparecem mil cópias em outros lugares. É basicamente enxugar gelo. E ficar falando mil maravilhas de seu glorioso líder não tem mais a força que tinha no passado: essa ideia de culto à pessoa popularizou-se de tal forma que temos redes sociais inteiras baseadas apenas nisso. O Grande Líder não é mais tão grande assim se milhões de imbecis estão disputando a atenção no Instagram com as mesmas táticas.

As notícias falsas surgem como uma nova alternativa para manipulação de narrativa para os povos. É uma tecnologia do século XXI, mesmo que a mentira seja tão velha quanto à humanidade. A forma como funcionam as Fake News está diretamente relacionada com a explosão de comunicação causada pela internet. A ideia é sufocar o cidadão médio com tanta informação confusa que ele perde o parâmetro da realidade. De repente, ele se vê sem anticorpos contra a manipulação midiática, afinal, se tudo é mentira, nada é mentira.

Resumindo: estou dizendo que a burrice não é o fato novo nessa história. A burrice existe faz muito tempo, mas a indústria das notícias falsas não. Pelo menos não como a conhecemos agora. Existe um fator novo, e eu argumento que esse fator seja a intenção de enganar e/ou manipular o outro. O burro pode ser mal intencionado do mesmo jeito. Não ser capaz de entender que a terra é redonda, por exemplo, não evita que a pessoa queira enganar os outros. Fake News pode ser explicado como burros enganando burros. O que, aliás, poderia substituir o “Ordem e Progresso” na bandeira brasileira…

“Mas a pessoa não entende nada de nada, ela é incapaz de ter um plano na hora de repassar uma notícia falsa, ela acredita na notícia!”

Não é bem assim, e basta um simples teste para descobrir: manda uma notícia falsa sobre o Lula para um lacrador ou uma falsa sobre o Bolsonaro para um mitador e veja a reação. De repente, a pessoa recobra o senso crítico, nem que seja para te xingar. Se os grupos extremamente polarizados que temos atualmente replicassem Fake News negativas sobre aqueles que defendem, eu até consideraria pura estupidez como a Sally sugere, mas a parcialidade na hora de espalhar essas mentiras sugere que tem alguém tomando decisões ideológicas sobre o conteúdo que repassa.

Mesmo que a pessoa seja uma imbecil de acreditar em qualquer coisa que critique seus inimigos, existe um filtro interno na cabeça dela que evita o mesmo tratamento para seus amigos. Se você quiser chamar de “burrice com mais etapas”, tudo bem, mas para mim significa que há sim uma escolha sendo feita, o que coloca a má intenção na frente da subutilização de massa cinzenta. Até a burrice fica no banco de carona quando a pessoa quer fazer parte dessa rede de desinformação e manipulação.

Como é que ela tem defesas contra a notícia que acusa falsamente seus heróis e perde completamente a noção da realidade quando isso reforça suas crenças? Não dá para colocar só na conta da burrice. E considerando a natureza de muitas dessas notícias, fica mais clara ainda a intenção podre: o objetivo delas é destruir o adversário, fazer com que ele seja execrado socialmente, pintar a cena mais horripilante de seus comportamentos e fazê-lo se sentir mal por ter escolhido outro “time” que não o seu.

A Fake News é compartilhada com a esperança de estragar o dia de outra pessoa. Não é para educar ou oferecer um ponto de vista novo sobre um tema, são essencialmente bélicas, propaganda para desmoralizar a tropa adversária e radicalizar seus aliados. É também por isso que eu não posso aceitar que é apenas burrice: o burro não sabe o que está fazendo, ele pode ter comportamentos horríveis, mas eles não são tão bem direcionados assim. A pior coisa da vida do burro é a constatação que a falta de pensar causa problemas indiscriminadamente.

O burro não aponta os canhões para uma direção e se mantém focado nisso, muito pelo contrário. O burro não consegue manter uma lógica interna constante. As Fake News sim: elas são produzidas e multiplicadas por pessoas com objetivos claros de atacar um adversário. Se não fossem burras, não acreditariam nem na metade delas, mas se não fossem mal intencionadas (vulgo atacar outras pessoas) não teriam motivação para passá-las para frente.
Como eu queria que o problema fosse só burrice…

Para dizer que não acredita em nada, para dizer que acredita em tudo igualmente, ou mesmo para dizer que Fake News é Fake News: somir@desfavor.com

SALLY

A divulgação de Fake News no Brasil é, majoritariamente, causada por más intenções ou burrice?

Burrice. Tem uma “hipervalorização” do brasileiro, uma presunção de que sempre são muito espertos, sempre estão tramando algo para se dar bem, quando, na verdade, o grande problema é a burrice, a incompetência, a incapacidade.

Não que a má-índole não exista. E com existe! Povo corrompido, interesseiro e sem caráter, mas, até para ser filho da puta nessa vida é preciso um pouco de competência. Gente burra não consegue ir muito longe, nem mesmo na má-fé e na corrupção.

Espalhar Fake News movido por um interesse escuso, planejando algum desdobramento, buscando manipular, está muito acima da realidade brasileira. Fariam, claro que fariam, se tivessem capacidade. Mas não tem, são muito burros para premeditar as coisas nesse nível, são muito toscos para antever uma resposta favorável a seus interesses, são muito rudimentares para tentar manipular.

As pessoas de fato acreditam na mamadeira de piroca. Salvo uma meia dúzia de privilegiados que sabe ser uma mentira gritante e repassa mesmo assim para foder com o “inimigo”, a grande massa brasileira acredita em basicamente qualquer merda que receba pelo WhatsApp. É triste, é deprimente, mas é verdade.

Tem uma infinidade de notícias de pessoas que se foderam seriamente por dar ouvidos a Fake News, que comprovam o quanto as pessoas realmente acreditam. Basta abrir o Google e procurar. Desde mães que deram água sanitária para o filho autista beber até pessoas que deixaram de votar em um político por ter visto uma foto dele de calcinha. Sim, as pessoas são idiotas a esse ponto.

Você acha que as Tias do Zap que abrirem notícias falsas sobre o candidato que detestavam pensam “Tá na cara que é mentira, algo bolado para desacreditar este candidato, mas vou repassar para minar sua credibilidade”? Eu sinceramente acho que não, acho que repassam de coração, indignadas. Enviam essas merdas para toda sua lista de contatos na melhor das intenções, para “alertar” as pessoas sobre aquela atrocidade.

Os Tias e Tias do Zap são pessoas de um tempo onde quando se lia uma notícia, se tinha a certeza de que era algo verificado. Pessoas que cresceram confiando no Jornal Nacional, na Folha de São Paulo e em outros veículos que, por mais que nem sempre digam a verdade, não tinham quem os desminta na época pré-internet. São décadas desse condicionamento: se está escrito na notícia, se presume que é verdade.

Os tempos mudaram e hoje qualquer Zé Cu pode publicar uma notícia. Qualquer notícia. Pode criar uma imagem falsa, logo de um veículo de comunicação famoso, pode manipular como quiser o conteúdo e a imagem. Quem cria uma Fake News sem dúvida está mal-intencionado, mas o infeliz que a passa adiante? Lamento informar, mas em sua grande maioria são apenas retardados anencefálicos que não tem o hábito de se questionar o que estão lendo.

Está escrito que aquela notícia é da Folha de São Paulo? Está com logo do jornal Folha de São Paulo no topo? Então só pode ser verdade! São pessoas que não tem “anticorpos” para ficar o tempo todo perguntando, desconfiando, questionando, pois viveram a maior parte de suas vidas sem a possibilidade de falsificar ou forjar notícias com esse grau de precisão.

Isso pode ser observado pelo número de desavisados que caem em e-mails falsos enviados por grandes empresas, clicam e perdem dinheiro. Se está escrito “Lojas Americanas”, deve ser real, vou entrar e comprar nessa maravilhosa promoção de iPhone por 99 reais! São pessoas sem discernimento, sem a maldade virtual que nós temos e sem a inteligência necessária para saber que um iPhone nunca pode custar 99 reais.

Semana passada vimos um belíssimo exemplo disso. Um Deputado do PT divulgando uma cena de um videogame como se fosse a execução que matou Soleimani. Não era nem ao menos uma cena real, era uma cena extraída de um game! Foi uma mentira sem qualquer benefício, uma vez que era fato indiscutível que o infeliz foi explodido na frente de um monte de gente. Maldade ou burrice? Burrice.

Bem como a burrice dos que replicaram. Além de se tratar de uma imagem de um game, que não era real, a grafia do nome de Soleimani estava escrita de forma incorreta. Qual a credibilidade que tem alguém que não acerta nem o nome da vítima? Nenhuma, mas vê se o brasileiro médio sabe a grafia correta de Qasem Soleimani. As pessoas saem replicando qualquer merda sem fazer uma mínima análise de verossimilhança, parecem símios com coceira no dedo, só querem clicar, clicar, clicar.

Para ter má-intenção, é preciso ter alguma intenção naquilo. O brasileiro não tem, ele apenas acredita (ou caga e anda para o fato de ser verdade ou não) e replica. Não tem essa noção de responsabilidade do que divulga, por isso de tempos em tempos vemos uma pessoa sendo linchada na rua ao enfrentar acusações levianas de satanismo e outras imbecilidades. A pessoa replica. Mesmo que a Fake News venha de um famoso, de uma pessoa popular e já tenha sido vista à exaustão por todo mundo, o brasileiro vai lá e replica, se for impactante. Um símio emocionado que reage apertando um botão.

Se ele acha interessante, se ele acha impactante, ele replica, e foda-se se você já viu isso duzentas vezes, vai ver duzentas e uma, pelas mãos dele, pois é uma ameba que acredita que o que ele acha interessante é interessante para todas as pessoas do universo. É um grau de burrice, de falta de percepção do outro e de tosqueira sem precedentes. Seres rudimentares como esses não são movidos por estratégias, por interesses secundários, ocultos. São movidos por um primitivismo que sequer comporta má-intenção, não por serem corretos, mas por serem incapazes de algo tão elaborado.

É triste, é deprimente, é desanimador, mas é verdadeiro: os grandes divulgadores de Fake News, os Tios e Tias do Zap, realmente acreditam em qualquer merda que recebam e realmente acreditam que o que é interessante para eles é interessante para os outros, por isso divulgam tanta bosta.

Para dizer que vê isso na sua família, para dizer que nem pra filho da puta brasileiro tem capacidade ou ainda para dizer que este texto te deprimiu: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Geraldo Renato da Silva

    Para mim é a junção dos dois fatores: existe gente mal intencionada, seja de direita ou de esquerda, que espalha fake news, mesmo sabendo do estrago que isso pode causar; também existem os “analfabetos funcionais” que não possuem capacidade cognitiva de avaliar o que leem e compartilham. As redes sociais apenas escancararam a nossa péssima educação.

  • Pessoal, vocês estão sabendo dos casos pesados de intoxicação por dietilenoglicol causado, potencialmente, pela contaminação da cerveja Belorizontina, da Backer, em BH? 17 pessoas em estado grave, um óbito. Tenho um amigo em estado grave. Se quiserem conversar sobre o caso, me mandem um email. Abraços

    • Estuprador Pedófilo Satânico Nazifascista

      O maior desfavor é a cervejaria ralando peito por conta do composto tóxico. Vai que cola.

  • Existe um componente de intenção nas fake news. Mas na parte de quem as concebe. A parte que compartilha é só burra mesmo. Não é de hoje que brasileiro é conhecido por ler apenas as manchetes e compartilhar conteúdo antes de abrir, ler e entender

  • Enquanto o Somir fala dos cabeças por trás disso, que são os “influencers”, a Sally fala da ralé crédula da boiada. Duas faces da mesma moeda.
    O retrato mais próximo da realidade está no meio do caminho.

  • Meu consolo real, de verdade mesmo é saber q toda essa loucura, essa histeria coletiva significa que logo logo veremos a morte dessa sociedade doente.

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