Doomsday Preppers.

Até onde pode chegar o ego humano? Longe, muito longe. Alguns chegam ao cúmulo de acreditar que o mundo vai acabar de forma trágica, violenta ou repentina e que eles, floquinhos de neve especial, precisam sobreviver a algo que vai extinguir toda a humanidade. Desfavor Explica: Doomsday Preppers.

Conhecidos como “Sobrevivencialistas”, ou “Doomsday Preppers” (algo como “preparados para o fim do mundo”) estas pessoas acreditam que o mundo vai acabar em breve e que sua continuidade no planeta é indispensável, por isso vivem suas vidas se preparando para o fim do mundo, criando abrigos e estratégias para que, quando uma grande tragédia varra a humanidade do planeta, eles sobrevivam. Sim, eles se acham assim, tão importantes e tão poderosos.

Sempre teve maluco achando que o mundo ia acabar a qualquer momento, mas o movimento se acentuou, ganhou forma, nome e fama, no ano de 2012, graças ao mito de que o mundo acabaria no dia 21 de dezembro daquele ano. Acabou? Não acabou. Mas, como deve ser bem humilhante admitir que se preparou todo para algo inexistente, os Doomsday Preppers não reconheceram o engano, apenas continuaram se preparando. O ser humano, esse bichinho bobo e com mania de controle, acha que pode se livrar do fim do mundo.

Obviamente, como todo modismo oriundo de pessoas com baixa autoestima, há muitos adeptos no Brasil, inclusive organizados em comunidades. A mais conhecida é a “Preppers Brasil”, que prega que não é só sobre o fim do mundo em si, eles têm a intenção de “estar preparados para tudo”. Vocês contam ou eu conto? Essa mania de controle somada a um medo extremo faz com que as pessoas achem que dá para estar preparado para aquilo que independe da gente.

Você deve estar se perguntando por qual motivo uma iniciativa tão lunática e descabida prosperou. Bem, eles podem ter um parafuso a menos, mas movimentam muito dinheiro. Construção de bunker, mantimentos e a compra de inúmeros materiais para “sobreviver ao fim do mundo” é uma brincadeira cara. Pode custa mais de cem mil dólares por ano manter essa paranoia egóica de se achar merecedor de viver enquanto bilhões morrem.

A maior concentração de Sobrevivencialistas que buscam escapar do fim do mundo está nos EUA. Não surpreende, um país de gente burra, sem cultura e que se acha muito especial. Estima-se que existam hoje cerca de 4 e 9 milhões de pessoas se preparando para o fim do mundo por lá, das quais entre 15% e 30% gastam em média US$ 1.850 em mantimentos e produtos para esse momento. Difícil resistir a tirar dinheiro desses idiotas, não é mesmo?

Sejamos sinceros, com um grupo tão grande de pessoas medrosas e egóicas, é óbvio que apareceriam empreendedores para explorar esse medo. Hoje existe uma verdadeira indústria dedicada a isso, com lojas como a The Ready Store, que vende produtos de sobrevivência online, a Emergency Essentials, uma grande varejista de comidas prontas e geradores solares, e a My Patriot Supply, que comercializa estoques de comida para seis meses. Os preços, claro, são altos, muito altos. Pessoas com medo metem a mão no bolso com mais facilidade.

Por mais que os dias, meses e anos passem e o fim do mundo nunca chegue, essa combinação tosca de ego frágil, medo, necessidade de controle e toneladas de informações falsas online faz com que os Doomsday Preppers não recuem e continuem gastando rios de dinheiro, certos de que eles são um grupo tão especial que podem se salvar do que quer que acabe com a humanidade. Isso faz com que se sintam especiais, privilegiados, dá pertinência a um grupo. É como um terraplanismo, só que ainda mais idiota, pois é pago – e custa caro.

Fóruns de conversa, blogs e qualquer outro meio online onde eles se aglomerem é um espetáculo digno de nota. As teorias conspiratórias (que só eles sabem, pois são muito inteligentes e especiais), as especulações sem qualquer respaldo científico e o medo que se alastra apontam para algo além de burrice. Não duvido que em alguns anos isso seja catalogado como doença mental. Algum tipo de transtorno paranoico.

Toda intempérie, todo fenômeno natural, todo vírus que aparece corrobora para a teoria de que o mundo vai acabar, e que eles, como são espertões, estarão preparados e vão sobreviver. Imagina o tamanho do devaneio de alguém que acha que controla as consequências do fim do mundo. SE o mundo de fato acabar, não há ação humana que mude o curso do que vai acontecer: quem tiver que morrer vai morrer, quem tiver que ficar, vai ficar. Sim, somos impotentes, mortais e irrelevantes. Pena de quem não tem a inteireza de fazer as pazes com isso.

Ao partir da premissa errada, eles defendem que é melhor ter estratégias de sobrevivência e não precisar delas, do que precisar e não tê-las. Como se fosse possível ter estratégias que te salvem de algo que varreu a humanidade. Existem coisas que estão além do nosso alcance, principalmente quando falamos do desconhecido. Não há manual nem regra para lidar com o desconhecido.

O ser humano não tem ideia do micróbio irrelevante, insignificante que é. Não lida bem com sua própria mortalidade, a ponto de topar se enfiar um um bunker para ficar vivo por alguns meses e depois ter que sair em um mundo devastado, putrefado, sem qualquer prestação de serviços. Só querem a medalha do “sobrevivi ao fim do mundo”, só querem se sentir especiais. Que triste gente que coloca o foco da sua vida no impossível.

Rejeitado pelas mulheres? Não importa, é foda, pois vai sobreviver ao fim do mundo! Emprego de merda, salário de merda e tratado feito merda pelo patrão? Não importa, é foda, pois vai sobreviver ao fim do mundo! Insatisfeito consigo mesmo, com seu corpo, sua aparência, sua personalidade e suas finanças? Não importa, é foda, pois vai sobreviver ao fim do mundo!

São pessoas que colocam sua autoestima em um evento futuro e incerto e vivem em função dele, para não ter que olhar para o presente, para suas próprias vidas e resolver suas questões. São pessoas que querem o fim do mundo, para estarem certas e se sentirem superiores. São pessoas que não conseguem controlar sua própria vida, por isso depositam uma necessidade de controle absurda em um evento que nunca irão vivenciar.

“Mas Sally, existem chances reais do mundo acabar, as mudanças climáticas e…” – Permita interromper. Não vai ser nos próximos cem anos que mudanças climáticas vão acabar com o mundo. Nem o mais alarmista dos ambientalistas tem coragem de afirmar uma coisa dessas. Portanto, o gordinho tetudo que estoca latas em um bunker para se sentir parte de uma elite, não vai presenciar o fim do mundo. Se quer ajuda, faça algo para evitá-lo. Se não, encare de frente a própria vida, sem usar recursos fantasiosos para se distrair da sua própria realidade.

O ser humano não controla porra nenhuma. Todo dia, toda hora, surgem fatos que surpreendem, que pegam o ser humano de calça arriada. Provavelmente o fim do mundo, se acontecer, vai acontecer por um motivo ou de uma forma que ninguém conseguiu prever. Não dá para controlar o desconhecido.

O mais curioso é que quando acontece algo considerado grave (uma quase guerra, um novo vírus, etc.) e o mundo não acaba, essas pessoas não fazem uma reflexão sobre o gasto de tempo, energia e dinheiro com seu próprio medo. Não. Eles percebem o evento como mais um indício de que o mundo vai acabar. Deve ser uma meda reger sua vida pelo medo e pelo individualismo de arquitetar a sua sobrevivência enquanto o resto do mundo morre. Mesmo que fosse possível fazer isso (não é), a ideia por si só é escrota.

Essa ilusão de controle e proteção deve dar alguma segurança fictícia a essas pessoas, e Deus me livre de remover esse escudo do qual elas precisam tanto, provavelmente surtariam se não tivessem essa ilusão para se apegar. Mas, cá entre nós, (fato, eles não vão ler este texto), mesmo que houvesse um fim do mundo próximo existe um limite para o qual alguém pode se preparar. Uma hora a comida acaba, uma hora a água acaba, uma hora o planeta se torna inabitável. Vai estocar água para 50 anos? Vai viver 50 anos trancado em um bunker sem energia elétrica, esgoto e água corrente?

Eles pregam que não se trata de sobreviver na floresta ou em uma enchente e sim estar preparado para sobreviver em qualquer ambiente que se esteja. Vejamos, se aconteceu algo terrível o suficiente para acabar com a raça humana no planeta (teria que ser grande, o ser humano é uma praga que sobrevive a tudo), não seria possível estar preparado para sobreviver em condições onde outros 8 bilhões não sobreviveram. A menos que você seja um floquinho de neve super especial que leu umas coisas na internet e viu uns vídeos no Youtube, aí sim você é fodástico e vai sobreviver ao que matou a humanidade toda. Haja paciência.

Se você olhar de perto, todos tem uma coisa em comum: a vida deles não está como eles gostariam que estivesse. Que ironia, preparadíssimos para o fim do mundo e despreparados para viver a vida real, aqui e agora.

É mais provável que essas pessoas morram de câncer ou de problemas cardíacos do que pelo “fim do mundo”, entretanto, você não vê nenhuma delas fazendo algo para cuidar de sua saúde. Existe um motivo pelo qual se preparam para algo que não vão presenciar: nunca vai acontecer do evento provar que, na verdade, elas não estavam preparadas porra nenhuma. A sensação elitista vai durar para sempre.

Se eu te falasse que um Sbrubles vai te matar dentro de um ano, o que você faria? Você não sabe o que é um Sbrubles. Qualquer preparação que você faça para algo desconhecido é mera perda de tempo, de energia e de dinheiro. Vai viver o ano que te resta da melhor forma possível, aproveitando ao máximo e sendo muito feliz, que você ganha mais. Os Doomsday Preppers alegam saber as possíveis causas para o fim do mundo, mas, convenhamos, ninguém sabe. Pode ser algo até então não conhecido ou cogitado.

E mesmo as causas cogitadas, continuam carregadas de uma imprevisibilidade enorme. Por exemplo, “Ataque Alienígena”. Como caralhos alguém se prepara para um “ataque” de uma criatura que desconhece? É de uma burrice infinita, daquelas que a gente só pratica quando está cego pelo medo e pelo desempoderamento, ávido por algum controle sobre a própria vida e por pertencer a algum grupo que te valoriza.

Que grande bosta precisar ter um bunker para se sentir seguro e acreditar que se um meteoro explodir todo o planeta só você, o floquinho de neve ultra-especial vai se salvar. Ninguém é tão importante, somos insignificantes e mortais. Existem milhares de coisas sobre as quais não temos e nunca teremos controle. Sugiro focar o controle para aquilo que de fato pode ser controlado, ou seja, aquilo que só depende de você: levar uma vida mais saudável, cultivar boas relações, trabalhar com aquilo que gosta e te gratifica e fazer o que está ao seu alcance para um mundo melhor. Se preparar para o desconhecido é impossível.

Vou além: nem deveria ser um desejo. O mundo vai acabar? Tá joinha, vamos todos juntos. Qual é a minha relevância neste planeta? Zero, talvez menos um. Por qual motivo eu vou lutar contra o que é, contra uma realidade devastadora? Chegou a minha hora? Vambora, sem espernear. Não contaminamos o planeta todo? Não cagamos tudo? Beleza, a coisa digna a fazer é não tentar fugir quando essa conta chegar. Se a mãe natureza se emputecer e resolver erradicar o ser humano, eu não vou resistir a isso, muito pelo contrário, vou achar merecido.

Qual o grande problema de morrer? Qual o medo? Quão horrível você acha que vai ficar um mundo onde você não existe? Spoiler: não muda nada. O que faz diferença não é a sua presença física e sim o legado que você deixou neste mundo: como mudou para melhor as pessoas, ambientes e a sociedade. Deixe um belo legado para o mundo e você estará mais preparado para morrer do que qualquer idiota com um bunker cheio de mantimentos.

A única coisa que muda com essa brincadeira idiota de prever o imprevisível e tentar burlar o fim do mundo é perder tempo da sua vida que poderia ser usado para fazer do mundo (enquanto existe) um lugar melhor para todos, em vez de pensar na sua sobrevivência quando uma merda grande acontecer. Pessoas com esse grau de individualismo devem ter algum transtorno psicológico, não é possível.

Sabe quem está realmente preparado para o fim do mundo? Pessoas que, assim como eu, vivem o aqui e o agora e estão de peito aberto para o que quer que aconteça. Sem medo, sem prejudicar sua vida atual, sem tentar controlar o incontrolável se apegando a uma ilusão de controle que não existe. Pessoas que encaram qualquer coisa que venha sem medo, pois não hipervalorizam sua existência.

Se o mundo tiver que acabar, não vai ser o seu esperneio que vai mudar alguma coisa. Você não é tão importante, poderoso ou relevante. Imagina que sensação e merda estar em seu leito de morte e perceber que o mundo não acabou e que você viveu com foco no medo e na defesa em vez de aproveitar a sua vida e mudar seu entorno para melhor… Isso sim é uma catástrofe.

Para torcer para que os Doomsday Preppers leiam este texto, para dizer que negadores negarão ou ainda para dizer que finalmente conheceu um grupo mais otário do que terraplanista: sally@desfavor.com

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Comments (34)

  • Desde que a pandemia começou, nenhum desses malucos voltou aqui tentando te jogar na cara um “não disse”?

  • Poxa, Sally, seria irônico se não fosse triste o fato de este texto ter sido publicado justamente UM MÊS antes de a PANDEMIA MUNDIAL do COVID-19 ter sido declarada, a mesma que impede que você e todos que aqui comentaram, inclusive eu, de ter nossas liberdades como eram antes. Hoje já faz mais de um ano que estamos nessa pandemia que mudou a vida de todos, de forma como só imaginaríamos nos mais loucos delírios conspiracionistas. Que coisa, não?

    • Impede quem? Temos que tomar alguns cuidados, mas definitivamente se enfiar em um bunker cheio de comida e armas não é um deles, a menos, é claro, que você tenha alguma deficiência mental. Na minha casa eu estou tão protegida contra covid quanto um anormal enfiado em um bunker.

  • “A maior concentração de Sobrevivencialistas que buscam escapar do fim do mundo está nos EUA. Não surpreende, um país de gente burra, sem cultura e que se acha muito especial”

    Com essas frases, pergunto-me: seria possível ressuscitar o “processa eu” tendo os EUA como tema?

      • Muita gente acha, vide nosso amado presidente e seus fieis minions boomers que fazem questão de chupar bola de americano na primeira oportunidade. Aquele país lá já não devia ser considerado “primeiro mundo” há muito tempo.

  • Fiquei curioso pra saber se eles realmente acreditam que um bunker ficaria absolutamente incólume em caso de um fim do mundo ao estilo do filme 2012


  • Bom, considerando que essas pessoas apesar de malucas gastam o próprio tempo e o próprio dinheiro nessa vibe deles, acho q isso nao e da nossa conta né? Ou sera que eles pedem dinheiro emprestado da Sally pra comprar os mantimentos, alugar o bunkers? Acho q não. Fico imaginando o vazio que é a vida de uma pessoa que perde algumas horas da sua vida para escrever um texto sobre pessoas que certamente nem sabem e também nao se importam com a sua existência.

    • Manolo, eu não perco tempo, eu informo. Acho importante que os leitores do Desfavor saibam que esse tipo de pessoa existe e que são bem fodidos da cabeça. Meu texto tem um propósito informativo, ao contrário desses homens flácidos e inseguros que precisam se trancar em bunker com arma para poder dormir à noite.

  • Mito dos Lacres

    Essa turma sobrevivencialista pode ser louca, mas perto da turminha da causa animal nem chega a ser incômoda, afinal, essa parada escatológica de fim do mundo existe pelo menos desde o advento do cristianismo.
    Pelo menos, o efeito em termos de consequências para o meio ambiente é bem menor por parte dos “sobrevivencialistas” do que por parte dessa turma que fica querendo dar comida e água pra cachorro de rua e deixar tais bichos se procriando sem controle.

  • Eu não sou nenhum ativista “afronazi” mas preciso dizer: isso é muito coisa de branco americano gordo maluco.

  • O Natgeo tinha um programa sobre isso onde o prepper mostrava suas armas, mantimentos e esconderijo.
    Ou seja, quando o mundo começasse a ir pra vala, as pessoas iam saber onde era o estoque deles (porque eles mesmo fizeram questão de mostrar) e seriam saqueados.

    Bônus: durante um programa desses o preparado foi mostrar suas habilidades com armas de fogo e atirou na própria mão.

  • Eles realmente possuem condições de arcarem com esses custos ou há endividados?
    Se houver, então são mais trouxas do que imaginamos.

    • Tem gente que assume dívidas para levar esse estilo de vida sim. E argumentam que sua sobrevivência não tem preço!

  • O melhor a fazer é se transformar em barata, à moda de Gregory Hamsa. O perigo é cair de barriga pra cima e não conseguir se virar.

  • “É mais provável que essas pessoas morram de câncer ou de problemas cardíacos do que pelo “fim do mundo”, entretanto, você não vê nenhuma delas fazendo algo para cuidar de sua saúde”.

    Epitáfio de um “Doomsday Prepper” que chegue mesmo a passar por isso: “I WASN’T READY FOR THIS”.

  • Que vontade de trollar uma meia dúzia desses “Doomsday Preppers”, inventando uma mentirinha qualquer que faça parecer pra eles que o mundo está mesmo acabando – alta liberação de radiação, talvez – e dizendo que não será seguro sair de seus bunkers pelos próximos mil anos. Queria ver se esses manés ficariam mesmo trancados lá sem sair pra mais nada. Seria divertido. E, se algo assim realmente acontecesse, pelo menos eles também não encheriam o saco de mais ninguém.

  • O ser humano está para o planeta Terra assim com as pulgas estão para um cachorro. No momento em que a humanidade incomodar demais, o planeta simplesmente “dará uma coçadela” para se livrar de nós. E quanto a isso, lamento informar aos “Doomsday Preppers”, não há nada que se possa fazer…

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