Fama política.

Como gostamos de sofrer por antecipação, vamos começar a considerar um problema que ainda está alguns anos no futuro. Sally e Somir detestam a ideia de uma disputa entre uma celebridade e um político de carreira para a presidência do país, mas detestam mais uma das opções. Os impopulares votam como se fizesse diferença.

Tema de hoje: o que é pior para o país, um presidente celebridade inexperiente ou um presidente político de carreira?

SOMIR

O pior é continuar morando no Brasil… mas, tendo que responder à pergunta: eu ainda acho piores os políticos tradicionais brasileiro. É aquela história da definição da insanidade, fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Nós já sabemos o que acontece com presidentes forjados pela corruptocracia tupiniquim, agora nos resta ver como uma celebridade vai lidar com isso.

Não é questão de ter grandes esperanças, porque o sistema brasileiro é muito viciado em prol da incompetência e das vantagens pessoais para aqueles que detém o poder, mas temos algum semblante de ordem estabelecida: existem países ainda mais bagunçados que o nosso. O Estado não está completamente falido, ainda existem algumas consequências para o crime, a economia consegue evitar catástrofes humanitárias… a gente só reclama tanto aqui porque não se contenta com pouco. Mas, o Brasil tem sim esse pouco.

Por isso que ainda faz alguma diferença quem está no poder. Existe um espaço gigantesco para melhorias, e existe um tanto de ordem e progresso para serem destruídos. Por mais que não me anime o prospecto de uma pessoa cuja única habilidade comprovável é ser famosa tomar as rédeas da nação, me parece um desperdício de tempo ainda maior ter mais um político de carreira no cargo.

É mais um para dividir os espólios do poder com as mesmas pessoas de sempre, para descobrir e lucrar com os esquemas em vigência, para puxar os sacos certos e colocar nossos impostos em prol de um projeto de poder que domina esse país desde… bom, desde a República. Saiu a monarquia, entrou o oligopólio, e dele nunca mais nos afastamos.

Por mais que a celebridade vá sofrer e ser eventualmente cooptada por esse esquema nefasto de pilhagem de recursos públicos, ela pode colocar elementos novos nessa equação e no mínimo desestabilizar a classe corrupta. Quando o líder do país não foi treinado pelas pessoas de sempre, não reconhece os anéis que a classe política de carreira se acostumou a beijar. Sua reverência por líderes sombrios que conquistaram poder e influência longe dos olhos do cidadão médio não se dá da mesma forma de quem foi moldado pelo sistema político.

A celebridade pode pisar em calos que nenhum político experiente pisaria, e isso tem suas vantagens: muitas vezes o poder depende do hábito. Quem nunca é desafiado tende a se acomodar, mas se um distraído chega e causa problemas, pode ser que a pessoa com o poder não consiga mais reagir com a força que todos presumiam. Se uma celebridade ignora ou peita um político supostamente poderoso e esse político não consegue provar sua força, vai ser comido vivo pelo sistema. Tenho certeza de que temos vários queixos de vidro no meio do sistema corrupto brasileiro que só estão torcendo para não levar um golpe.

A celebridade pode realizar com mais eficiência o que eu chamo de revezamento de corruptos: a ideia de que nenhum partido ou grupo político pode passar muito tempo com grandes poderes, pois ficam eficientes demais. O PT ficou tão bom nisso que bateu os recordes mundiais históricos de corrupção com a Petrobrás. Bolsonaro é um imbecil, mas é um novo corrupto nesse esquema específico, não sabe como tirar dinheiro dali. A Petrobrás voltou a funcionar. Uma das únicas formas de manter o Brasil minimamente estável é trocar as sanguessugas de lugar de tempos em tempos, dando tempo para os corpos se recuperar. A celebridade traz muito sangue novo para a jogada. Não sabe onde os esquemas estão, e “erra” muito ao aparelhar a corrupção inicialmente.

E como diz o ditado: enquanto os políticos dormem, o país cresce. Eu aposto sim que a falta de habilidade política de um líder tenha resultados positivos num país como o Brasil. Nos EUA, onde as coisas já funcionavam mais ou menos bem, Trump enfia os pés pelas mãos e não muda muita coisa. Mas no Brasil, onde qualquer dificuldade do governo na verdade impede que o Estado faça mal ao cidadão, essa incompetência e ego inflado pode ser útil.

Porque por mais que um governante eficiente nem sempre vá fazer a vontade da maioria, um sistema democrático é literalmente um concurso de popularidade. Ganha quem conseguir agradar mais gente ao mesmo tempo, na eleição e na reeleição. Medidas populares costumam ser perigosas, mas às vezes é tudo o que o país precisa para ter ânimo para crescer. A celebridade tem no seu psicológico uma necessidade enorme de aprovação, ninguém fica famoso de verdade se não tiver isso. E nessa necessidade, é bem possível que coloque a vontade de ser herói do povo descamisado à frente dos desejos dos corruptos que normalmente ganham essas batalhas nas decisões de políticos experientes. Não dura muito, mas pode nos ajudar.

E, como provavelmente argumento principal: desde o voto no Bolsonaro, tive que aceitar minha vertente aceleracionista. Se não pode vencê-los, deixe eles se explodirem. Um presidente celebridade pode alcançar graus de inépcia nunca vistos! Se criar divisões e confusões suficientes na base, pode forçar o país a se reestruturar de outra forma. Às vezes você precisa de um time de demolição para arrumar uma casa, e não um de renovação. O político de carreira no máximo troca a cor de uma parede e faz um puxadinho, a celebridade pode ser tão maluca ao ponto de precisar derrubar a casa e construir de novo. O que no caso do Brasil é bem aceitável: o pouco que funciona se conquista de volta rapidamente.

Em qualquer um dos casos: é melhor tentar uma merda nova do que ficar cheirando a mesma por séculos.

Para dizer que não vale votar no Huck e sair do país, para dizer que é para colocar logo o Tiririca, ou mesmo para dizer que é rico e ambos te servem: somir@desfavor.com

SALLY

O que é pior na Presidência da República, para o Brasil: um político merda ou um famosinho sem experiência alguma?

Um famosinho me parece pior, por incrível que pareça. Político merda (pleonasmo) é um horror, mas ao menos é uma pessoa com uma mínima noção do funcionamento do sistema, seja para segui-lo, seja para quebrá-lo.

Vai ter romântico que acredite que um famosinho, por não estar moldado pelo sistema, possa fazer algo diferente dos políticos comuns. Não. Primeiro que para conseguir chegar a ser candidato (quem dirá para se eleger) a pessoa já tem que fazer coisas horrorosas que te inserem nesse sistema corrupto, mafioso e criminoso. Não tem exceção no Brasil, se não foi muito filho da puta, nem consegue ser candidato.

Além disso, no sistema brasileiro o Presidente da República não manda nada. Quem faz as leis é o Congresso e quem diz se as leis são válidas ou não é o STF. O Presidente acena e manda beijinho. De nada adiantaria ter um famosinho na presidência, ainda que, em um devaneio, ele fosse uma pessoa honesta e de boa vontade que caiu de paraquedas por ali. Não poderia fazer absolutamente nada para melhorar o país. Teria que começar a conversar do zero e se entender com mais de 500 congressistas, fazer alianças, trocas e favores até começar a, quem sabe, fazer a roda girar.

Um político qualquer não vale nada, mas ao menos conhece as pessoas, o sistema e consegue fazer a roda andar, de uma forma muito torta. Na base de interesses pessoais, troca de favores, chantagens ou coisa pior, ele aprova leis e algumas, ainda que raras, ajudam de verdade o povo.

É ruim que funcione assim? Sim. Mas hoje, é como as coisas são, uma única pessoa nova não é capaz de mudar isso. Se é para funcionar nesse esquema, que ao menos o barco seja conduzido por quem sabe o caminho. Quem sabe o caminho tem muito mais ferramentas para, quem sabe, cooptar mais pessoas e tentar mudar o sistema em algum momento. Se é que há alguma esperança de mudança, ela vem de quem é mestre no que faz. É preciso aprender a andar para correr.

Também me preocupa a carga de ego que costuma vir com uma pessoa famosa, que já é normalmente perigosa. Quando se soma a isso tamanha visibilidade, é muito difícil que a pessoa não se perca. Uma pessoa que está acostumada a holofotes, aplausos, idolatria, já entra com a mentalidade errada em um cargo onde tudo que ela deve fazer, deve fazer para atender ao povo.

Além disso, um famosinho é uma pessoa nem noção de realidade. Provavelmente não sabe o preço do quilo da carne ou de um pé de alface, não tem contato com a realidade básica do povo, os problemas inerentes ao dia a dia de pessoas comuns. Como pode uma pessoa que não vivencia isso tentar ajudar a resolver problemas que ela sequer sabe quais são?

Sim, políticos em sua maioria tem dinheiro, mas nem todos nasceram ricos, muitos conheceram as dificuldades do dia a dia. E mesmo os que não foram pobres, não eram venerados nem idolatrados. O brasileiro trata famoso de uma forma quase que doentia, dando-lhe a falsa sensação de que eles podem tudo. Isso deixa a cabeça da pessoa sem parâmetros, sem noção de limites e faz com que ela pense que ela é muito mais importante do que realmente é.

Um político, por mais que seja ruim, tem um desconfiômetro aguçado para questões de sua área. Já deve ter levado meia dúzia de rasteiras, aprendeu com os erros, sabe em que terreno está pisando. Um famosinho que sempre foi adulado vai ser presa fácil nesse meio e, cada vez que ele é ludibriado, quem paga a conta é o povo. Inexperiência tem seu preço, e é uma merda quando é você quem paga a conta da inexperiência alheia.

E, que fique claro, nem o político merda nem o famosinho são a solução para o país. Quando digo que o famosinho é pior, de forma alguma estou defendendo ou elogiando político merda, que também é a exata mesma porcaria, só que com experiência. Um vai fazer merda sendo comido vivo pelos colegas e pelo sistema, o outro vai fazer merda por opção. Prefiro quem faz merda por opção, ao menos tem o controle da situação para que não vire um grande pandemônio.

Tenho receios da reação de um famosinho de ego inchado levando sucessivas rasteiras, ficando de mãos atadas, sendo coagido e calado pelas raposas velhas. Não custa nada uma pessoa dessas surtar estilo “dois soldados e um tanque”. Acho desequilíbrio pior do que filhadaputez, pois o filho da puta ao menos tem a autopreservação de não cruzar certas linhas. Uma pessoa desequilibrada se fode toda e fode todo mundo junto com ela.

É importante ter maturidade ou ao menos uma armadura resistente para suportar os muitos baques que a função de Presidente da República demanda no Brasil. Uma pessoa famosinha, que a vida toda foi servida, adulada e aplaudida, não tem o que é preciso e vai surtar. E não sabemos para que lado vai esse breaking bad quando acontecer. Não, obrigada. Como eu disse, prefiro canalha a desequilibrado, ao menos o canalha tem discernimento e não vai fazer nada que o coloque em risco.

Eu entendo o desespero por mudar a atual realidade, mas não é mudando o status do Presidente da República que isso vai acontecer. Não tem qualquer chance de melhorar e ainda tem boas chances de piorar, e muito. Mudança a qualquer preço eu não topo. Mudar para pior eu não topo. Dar mais poder a um anencefálico deslumbrado que vem de um processo de idolatria que o mantém fora da realidade eu não topo.

Dá uma olhada no papel que famosinhos fizeram quando entraram na política nacional: Tiririca, Clodovil, Alexandre Frota, Romário… me diga que bom projeto de lei essas pessoas sugeriram ou aprovaram? Me diga o que fizeram de relevante para mudar o país? Famosinho no Brasil é um monstro egóico, deslumbrado e que vive para ser adulado. Não quero nem para síndico do meu prédio.

Para dizer que quem manda é o Congresso e pouca diferença faz quem seja o Presidente, para dizer que um famosinho rende Memes melhores ou ainda para dizer que o mais triste é que teremos que tomar essa decisão em 2022: sally@desfavor.com

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Comments (11)

  • Geraldo Renato da Silva

    Acredito que também seja melhor um político de carreira, pois o mesmo já tem certo conhecimento sobre o funcionamento do sistema; dos ruins, o menos pior.
    O que sempre achei ridículo é o chamado “poste”, aquele que é guindado ao poder usando o nome de outra pessoa (o eleitor que se deixa convencer por esse argumento, não pode ser levado a sério).

  • Famosinho com certeza é pior! Se o que já temos só faz merda, imagina pra quem não tem experiência e ainda vive nos holofotes? Dezulivre, é aí que a república cai de vez, o caos se instala total.

  • Anônimo leigo

    Ei, ei, ei! Peraí! Pra se candidatar à presidência não é preciso ter uns anos trabalhando num cargo político? Que história é essa do Huck poder ser candidato? Ele já foi político? De qualquer forma, não voto nele nem fodendo, ele faz parte dessa corja de ídolos progressistas cujas pautas se resumem a viadagem, feminismo, veganismo, globalismo, etc. (pros seus filhos, pros filhos deles não). A solução é juntar dinheiro pra emigrar ou comprar uns chumbinhos e torcer pra reencarnar num país decente.

    • Precisa estar filiado a um partido político e com as obrigações politicas (voto, ficha limpa) em dia, você trocou as bolas.

      • Mito dos Lacres

        Pra se filiar, se tem até 2021. Quanto a questão de “ficha limpa”, só te barram se você não conseguir apelar do recurso em segunda instância, se bem que a depender de como a situação desande, esse trecho pode inclusive ir pra vala da “inconstitucionalidade”. Quanto a questão de voto, é o mais fácil. O difícil é ter posição pra postular ao cargo em uma legenda que se disponha a te colocar encabeçando a chapa. Mesmo chapa de aluguel não torna as coisas tão fáceis assim.

  • Famosinho seria pior. Parece ridículo o argumento, mas o político rouba mas faz. O famosinho só vai querer lacrar, holofotes, além de obviamente roubar.
    Se estão pensando na eventual disputa Bozo X Huck, Bozo ganha de lavada, até porque o narigudo é rejeitado por quem odeia a #Globolixo.

    • Mito dos Lacres

      Lá vem o anômalo sem entender porra de nada, com odiozinho da Rede Bobo, como se Recó, Rede Bunda ou Errei de TV! fossem melhores que a breguíssima emissora Caraoca.
      Luciano Chuchy e Jão Dória, caso porventura postulem a presidência, arriscam de ir pior que o Alck na eleição passada. Pra eles nem é lá muito negócio apostar nessa canoa furada. Se duvidar, arriscam de colocar a múmia do Zé Serra só pra colocar que o PSDB tem candidato a presidência, jogando com Alck no senado.
      O golpe do Lula deu certo e o palerma do Hahahahaddad foi bem alavancado. Resta saber qual dos dois que vai entrar em campanha em 2022.

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