Discussão dolorosa.

“Este tema só existe porque a Sally é hipocondríaca.” – Somir

“Este tema só existe porque o Somir é uma criança.” – Sally

Tema de hoje: a partir de qual momento procurar um médico quando você sente uma dor?

SOMIR

Simples: quando você não consegue fazer mais nada além de procurar um médico. O nosso corpo nos avisa quando é hora de parar e procurar ajuda. Enquanto você ainda consegue cumprir suas funções em sociedade, quer dizer que não está na hora de pedir ajuda para um profissional da saúde.

Dor é um fato da vida. Existem milhares de motivos para seu corpo mandar esse sinal para o cérebro, e nem todos exigem tratamento. Somos equipados de fábrica com mecanismos para lidar com a imensa maioria dos problemas cujos sintomas são apenas dor. Normalmente é algo que vai passar entre algumas horas e alguns dias, a chance de uma dor que não te impede de trabalhar ser uma doença grave que vai te matar é pequena, tanto que… a humanidade ainda existe.

Durante 99,9999% da existência humana, a medicina simplesmente não existia. Não por falta de pessoas dedicadas a cuidar dos enfermos, mas por incapacidade mesmo de fazer alguma coisa prática contra os males que sempre nos assolaram. Tanto que o aumento da expectativa de vida do ser humano médio para além dos 50 anos de idade é um fenômeno bem recente até mesmo dentro da história registrada da humanidade.

Isso quer dizer que a maioria absoluta dos seres humanos que já viveram nesse mundo sequer tinha a chance de procurar um médico. E não foram dores com as quais se podia conviver que acabaram com a nossa espécie. Não tem muito para onde correr: muitas das coisas que fazemos no nosso dia a dia causam dores, e quanto mais o tempo passa, mais coisas entram nessa lista. A idade é implacável nesse sentido. Você vai começar a sentir mais e mais dores a cada ano vivido, até mesmo pelo compreensível desgaste de um corpo que não foi desenvolvido para se renovar indefinidamente.

Como nossa genética dita que temos que morrer, uma hora ou outra as coisas se acumulam e nervos começam a reclamar de coisas que não reclamavam antes. Não é agradável, mas é a realidade. Ou você aceita que vai viver com cada vez mais dores, ou morre cedo para evitar o problema. Não vai ser um médico que vai reverter seu envelhecimento, não com a tecnologia atual. Então, aceitando que a dor é inescapável e que seja como for, nosso corpo segue em frente até onde conseguir, me parece lógico que deixemos a visita ao médico para o momento onde nosso corpo diz que não dá mais.

Isso é usar a vantagem da medicina do século XXI. Nossos antepassados não tinham para onde correr, nós temos. Percebam que eu escrevo este texto sobre não ir ao médico por qualquer dor não para fazer pouco dos médicos, mas para valorizar o trabalho deles. A medicina não existe para substituir a capacidade do corpo humano de se regenerar e proteger, mas para complementar. Tanto que hoje em dia muita gente morre no hospital: quando o corpo não consegue mais fazer seu trabalho e reagir, não adianta o cuidado nem mesmo da melhor equipe de medicina do mundo. O corpo vai até onde pode, luta bravamente contra um ambiente hostil até a última célula. Medicina complementa nossa capacidade natural.

Se você ainda consegue lidar com uma dor, seu corpo está demonstrando que tem condições de lutar. Não estou advogando aqui que é para ficar fingindo que está tudo bem quando claramente não está, como muita gente infelizmente faz: dar uma de machão ou durona contra uma dor que te torna incapaz de funcionar corretamente na vida social ou no trabalho é masoquismo, mas se está só te enchendo a paciência em períodos intermitentes, provavelmente é algo que vai passar. Se não passar, sim, vá ao médico.

Tem gente que entra em pânico por uma dorzinha e vai para o pronto-socorro ou marca consulta por algo que o médico vai te mandar tomar um analgésico e voltar pra casa; assim como tem gente que é maluca e precisa desmaiar na rua e chegar no hospital de ambulância antes de ser tratada. Nenhum dos casos é ideal. O corpo avisa: se você só come quando tem fome, só toma água quando tem sede e só dorme quando tem sono, pode ter certeza que não vai morrer de nenhuma privação. Está tudo muito bem programado no organismo para te avisar a hora de fazer as coisas, e com dores não é diferente. Se você levar seu corpo a sério, vai ficar claro o momento de ir procurar ajuda para uma dor.

Eu tenho minha medida na hora em que uma dor torna minha vida inaceitável. Isso é muito pessoal, a sua medida pode ser diferente, mais ou menos tolerante, mas é importante que você saiba sua medida. Pode parecer irresponsabilidade esperar até esse ponto, mas é só você ter uma boa noção de que ponto é esse: eu sei que se meu trabalho essencialmente sedentário ficar comprometido pela dor, é hora de procurar o médico. Não sou do tipo que só entra em hospital de ambulância, eu só defendo ter um gatilho mais resistente para procurar um médico do que apenas sentir uma dor. O corpo vai te dizer quando não dá mais.

A sua medida pode ser diferente. Se você tem um histórico de mais problemas de saúde ou já foi avisado que deve tomar cuidado especial com um tipo de dor independentemente de sua intensidade, é desse ponto que você parte. No sentido oposto, se você goza de saúde estável e não tem muitos motivos para acreditar que está sob risco iminente, pode ser mais resistente à ajuda profissional. Não é o fato de ter dor que define o momento de procurar o médico, é o contexto dela.

O médico não existe para tornar seu corpo imune à dor. Muita gente volta do consultório com uma prescrição de remédios que só tratam o incômodo, porque eles sabem que o corpo resolve a maioria dos problemas. Vou mais longe: tanto médico fala “virose” e te manda embora justamente porque gente desesperada vive marcando consulta para se tratar de torcicolo ou gases. Você vai sentir dor, é inescapável. Não dá para ficar pentelhando o médico por qualquer coisa, até porque muitos deles acabam de saco cheio de quem quer remédio para qualquer coisa e começam a tratar mal quem está com algo mais sério. Sim, a culpa é do médico quando ele não presta atenção no paciente, mas é um ser humano ali, passível de cometer erros, especialmente quando aguenta uma torrente de gente que não admite sentir uma dorzinha todos os dias. Não existe mundo ideal onde o médico consegue simplesmente ignorar tudo o que acontece ao seu redor e analisar perfeitamente cada caso: os que vieram antes influenciam demais.

Incômodo é inerente à vida. Não é toda dor que merece tratamento externo, e não é seu direito viver sem dor alguma. Use a medicina com sabedoria.

Para dizer que é muita ginástica mental para dizer que tem medo de médico, para dizer que é virose, ou mesmo para dizer que com essa atitude, eu não passo da metade deste ano: somir@desfavor.com

SALLY

A partir do momento em que você começa a sentir uma dor, qual é a hora de procurar um médico?

Quando a dor se torna um incômodo. A dor é um aviso do corpo, um alerta de que algo não está certo. Quando ela se torna um desconforto, é hora de escutar e investigar o que está acontecendo, antes de que a coisa evolua para um quadro mais grave.

O corpo é gentil. Ele começa enviando pequenos sinais. Se o ignoramos, ele envia sinais mais fortes. Se, ainda assim, o ignoramos, ele nos nocauteia, no desespero por se fazer escutar e tentar nos manter vivos, impedindo que funcionemos socialmente, para que sejamos obrigados a olhar para o problema por total incapacidade de fazer outra coisa. Sério que você vai sujeitar seu corpo a esse grau de agressão? Seu corpo vai precisar gritar com você para ser escutado? Revê aí as prioridades da sua vida, pois isso é uma péssima escolha.

Qualquer que seja o problema, é certo que ele terá mais chances de ser tratado, resolvido ou curado se for pego no começo, e não em um estágio avançado. Por isso quando seu corpo emana um sinal de dor que te gera um claro desconforto, não é inteligente ignorar. Pode ser que o corpo acabe resolvendo tudo sozinho, pode ser que não. Pra que correr esse risco?

Se o corpo não conseguir resolver o que quer que seja sozinho, fatalmente a situação vai se agravar com o passar do tempo, portanto, será mais trabalhoso, caro e complicado de resolver. Por qual motivo se arriscar a que algo que pode ser solucionado com um comprimido vire uma cirurgia? Por qual motivo se arriscar a que algo que pode ser solucionado com fisioterapia vire um problema crônico?

Sinceramente, não é nada de mais agendar uma consulta com um médico e perder uma horinha da sua semana para atender a um chamado do seu corpo, que teve a competência de te avisar que pode ter algo errado. Não se vai ao médico apenas em casos de certeza absoluta de que existe um problema (fosse assim o checkup não existiria), se vai ao médico quando se tem dúvidas sobre a existência de um problema.

São as pessoas que procuram o médico no início de qualquer desconforto que sobrevivem quando tem uma doença grave e/ou de rápida progressão. São as pessoas que procuram o médico no início de qualquer desconforto que evitam danos irreversíveis a seu corpo, escapando de amputações, cadeira de rodas, fraldas para o resto da vida. Quer aumentar as chances de não morrer nem ficar baqueado? Não espere seu corpo ter que gritar com você, escute enquanto ele ainda está falando.

Não existe não ter tempo para ir ao médico. Sem a sua saúde, você não é nada, você não faz nada. Por isso ela deve ser prioridade absoluta. Não escutar os sinais do corpo até que ele tenha que gritar e te incapacitar é gostar muito pouco de si mesmo, é ser muito negador, é brincar com o próprio bem-estar. Você espera seu filho urrar de dor para levá-lo a um médico? Você espera seus pais desmaiarem de dor para procurar ajuda? Você espera seu pet gritar de dor para tomar uma providência? Então por qual motivo você faz isso com você mesmo?

“Mas Sally, pode não ser nada”. Sim. Mas pode ser também. Se não for nada e você for ao médico, apenas escuta que não era nada e abre mão de uma hora na sua semana. Se for algo e você não for ao médico, coisas graves podem acontecer. Qual dos dois riscos você prefere correr?

Dor não é algo normal, inerente à vida. É um alarme que o corpo dispara para te avisar de algo. Achar normal viver com dor e desconforto é se gostar muito pouco. Geralmente é sintoma de pessoas com baixa autoestima que inconscientemente acreditam que não são merecedoras de bem-estar e que são dignas de algum tipo de punição. Não seja essa pessoa.

E, por mais que você seja partidário de esperar o corpo te nocautear para procurar ajuda e nunca tenha acontecido nada de grave com você, saiba que um dia essa conta chega. Não seremos jovens para sempre e todos os maus tratos aos quais você submete seu corpo estão se acumulando e renderão frutos no futuro. O corpo que você tem hoje é como é em função da sua genética, o corpo que você terá aos 60 anos será como será em função das suas escolhas.

É no seu corpo que você vai morar até o final da vida. Cabe a você cuidar desse “imóvel” ao longo dos anos não permitindo que ele se deteriore e sofra danos irreversíveis. Quem não cuida da própria saúde vai viver metade da sua vida em uma casa caindo aos pedaços, o que não deve ser muito agradável.

O ser humano tem muita dificuldade em prospectar a longo prazo. Achamos que as coisas nunca vão mudar, que nada de muito grave vai acontecer. Somos ruins para prever consequências negativas, tanto é que 90% das mortes por câncer, uma das doenças que mais matam no mundo, poderiam ser evitadas se a pessoa tivesse adotado outro estilo de vida. Então, essa negação de não pensar no assunto ou essa falsa certeza de que vai ficar tudo bem é um bug contra o qual temos que lutar.

Fora que é desagradável demais ter que viver com um incômodo constante, né? Não é bravo, não é valente, não é glorioso viver com dor ou desconforto, é apenas idiota. Não seja essa pessoa. Se seu corpo falar com você, escute, antes que ele precise gritar e te tirar de circulação.

Para dizer que o problema só existe se o médico diagnosticar, para dizer que se sente muito macho suportando dor ou ainda para dizer que é preciso deixar Dawin agir e levar os relapsos: sally@desfavor.com

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Comments (6)

  • Nessa questão, acho eu que fico num meio-termo. Como o Somir, não sou hipocondríaco e não vou ao médico enquanto a dor não for incapacitante; mas, como a Sally, também prefiro descobrir logo o que eu tenho para resolver tudo o quando antes e evitar problemas mais graves no futuro.

  • Será que o Somir finalmente conseguiu transferir seu cérebro pra uma máquina e seu corpo biológico já morreu? Fica a questão…
    Mas concordo com ele sobre esperar a dor estar insuportável. Não sou muito adepta de me entupir de remédio por qualquer coisa. E, se me permitem o argumento anedota, minha saúde sempre foi bem perfeitinha e nunca dei trabalho aos meus pais nesse tema.

    • Mas fazer exames não significa se entupir de remédios, e sim verificar o que está acontecendo.

      Quantos anos você tem? Essa conta chega depois dos 40…

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