Máscara torta.

Mais uma semana coronotemática. Enquanto a pandemia se espalha no país, o brasileiro começa a procurar culpados. Governo, oposição, mídia, estrangeiros… mas nunca olha para dentro. Desfavor da Semana.

SALLY

Eu costumo comparar os problemas a peidos, e não vai ser desta vez que vou poupá-los desta desagradável narrativa. Sabe quando você sente vontade de peidar, vai soltando devagarinho, mas, do nada, sente um leve peso e um quentinho? Pois é, é nessa fase que estamos quando falamos de Coronavírus.

A gente sabe que a merda está lá, mas ela ainda não é muito visível. O pior está por vir, que é o momento no qual abaixamos as calças e percebemos a grande cagalança, a sujeira que transborda e não pode mais ser escondida no conforto da sua cueca ou calcinha. Esse é o próximo estágio, e o brasileiro parece estar apavorado de abaixar as calças e perceber o tamanho da merda que vazou no peido.

Só que quanto mais você demora para lidar com a situação, pior ela fica, mais incontrolável ela fica, mais irremediável ela fica. E existem muitas formas de não olhar para a situação, não é apenas ir para a praia e ficar batucando feito um símio e dizendo que o calor mata o vírus. Existem formas mais sutis.

Qualquer discurso que te isente de responsabilidade pelo que está acontecendo é não querer abaixar as calças para ver o tamanho de vazamento de merda que aconteceu. Sim, está certo que o Bolsonaro é do tipo que peida, percebe que está vazando merda, faz ainda mais força, se caga todo e depois bate palminhas, mas todos nós, em algum grau, também nos cagamos. O quanto antes abaixarmos as calças e nos limparmos melhor, para nós e para o país.

Culpar apenas o Bolsonaro é apontar o dedo para um espelho. Se você votou no Bolsonaro, acho que fica clara a parcela de culpa. Se você votou na oposição também, afinal, os principais cabos eleitorais do Poket sempre foram essa oposição sem noção, sem critérios e sem vergonha na cara. Todo mundo contribuiu para que as coisas cheguem no ponto onde chegaram.

A culpa não é só do Bolsonaro, do Congresso, da Globo ou de quem você tenha antipatia e escolha culpar. A culpa é de todo mundo. Ponha a mão na consciência e me diga se você dispensou sua diarista mantendo o salário dela, se você colocou todos os seus empregados de home office, se você não saiu nem uma única vez de forma desnecessária, se você não disseminou nenhuma informação que tenha contribuído para que os símios entendam que tudo isso é histeria e que a situação não é tão grave… Todos nós erramos em algum ponto, nem que seja por omissão.

Se você, assim como eu, votou no Bolsonaro por aceleracionismo, ou seja, por acreditar que ele destruiria o país e isso permitiria o nascimento de algo novo, diferente e, quem sabe, um pouco melhor, não deveria estar irritado com ele. Bolsonaro está fazendo exatamente o esperado: vai matar boa parte da população, contaminar a maior parte dela, gerar um caos na economia e colapsar o país de tal forma que mudanças serão inevitáveis.

Não dá para dizer que o que está acontecendo seja agradável, é irritante ver Bolsonaro dando entrevista com a máscara no meio da testa e falando bosta sem parar, porém, não é justo se dizer surpreso, traído ou sacaneado. Sempre foi claro e evidente que ele veio para destruir tudo. Se você votou no Bolsonaro achando que ele melhoraria o país, meu amigo, faça um favor a si mesmo e não fique se dizendo traído por aí, pois você vai passar um atestado de idiota por ter acreditado que ele faria algo de bom. Criticar o Bolsonaro? Claro. Se sentir traído? Não.

Peidamos molhado, assim como boa parte o mundo. Só que estamos relutando em abaixar as calças e olhar para a merda, seja lá o que isso signifique. Você pode decidir se não quer viver nessa merda e sair do país ou da cidade na qual vive, você pode se isolar em uma casa de campo, você pode mandar um foda-se e se quarentenar (não deve existir essa expressão…) e pedir tudo online e só sair de casa em agosto, você pode tentar fortalecer seu sistema imunológico, você pode fazer qualquer coisa, desde que olhe para a questão e se posicione, trace uma estratégia bem pensada.

Não é isso o que se vê na prática. O brasileiro é mestre em ficar paquerando o problema, jogando todos os holofotes na merda, procurando culpados em vez de soluções. No didático exemplo do peido, um país eficiente abaixaria as calças o mais rápido possível e tentaria limpar da forma que estivesse ao seu alcance. Um país criativo limparia e amarraria um casaco na cintura para cobrir a mancha de merda. O Brasil… Bem, o Brasil abaixa as calças, fica olhando, apontando para a merda, gritando e culpando terceiros enquanto a merda fede e se espalha.

Se você está totalmente focado no problema, pare, respire fundo, e comece a focar na solução. Não para o Coronavírus, pois já lhes adiando que não tem, tá todo mundo muito fodido, vem um período de contágio, doença e privação. Me refiro a soluções para você e para sua família: dentro das suas possibilidades, qual é a melhor solução que você pode dar para o problema e como pretende cuidar da sua família?

Eu mesma liguei para um amigo impopular esta semana para fazer uma consulta técnica sobre a atual situação, para tomar a decisão que eu acreditava ser a mais acertada. Se informe com fontes de confiança, reflita, converse com a sua família sobre como lidar com o problema. E se tiver idosos em casa, compre silver tape, pois eles não são capazes de respeitar quarentena nem se o Godzila invadir a cidade pisoteando prédios. É hora de inverter a situação e dos filhos cuidarem dos pais.

Estamos todos cagados, tentando fingir que não estamos, ou olhando para a merda e berrando. Nada disso melhora a vida de ninguém. Hora de assumir responsabilidades, hora de traçar estratégias para reduzir os danos a você, à sua família e à sociedade. Chega de botar a culpa em político, em país, em emissora de TV.

Para dizer que pior do que o Coronavírus são as crianças em férias escolares, para dizer que Bolsonaro exagerou no projeto de cagar o país ou ainda para dizer que a culpa é sua e você bota em quem você quiser: sally@desfavor.com

SOMIR

Mais uma semana, mais um avanço no caminho esperado para a pandemia. Com o aumento do número de casos e a pressão cada vez maior sobre as autoridades, até mesmo a Inglaterra já cedeu e vai entrar no esquema de distanciamento social. Em tese era bom ter um comparativo das formas de lidar com o vírus, mas na prática é muito complicado remar contra a maré quando boa parte da população mundial está tão focada num tema.

A China relata estar com as coisas sob controle, a Itália bate todos os recordes de mortes, e são raros os países ainda não infectados. A maioria no meio da África, o que gera uma certa desconfiança que é mais questão de falta de relatos que propriamente ausência da doença. Março de 2020 foi o mês do Coronavírus: termina com o mundo monotemático.

E por incrível que pareça, as coisas ainda parecem civilizadas. Há uma certa unidade entre pessoas dos mais diferentes países na ideia de que todo mundo tem que fazer sua parte. Povos mais e menos disciplinados vão fazendo o que tem condição de fazer. A Alemanha tem um dos maiores números de infectados do mundo, mas pouquíssimas mortes em comparação, por exemplo. No Brasil, para quem tem expectativas corretas sobre o quanto esse povo é capaz de fazer, estamos indo até que bem.

Mas é importante perceber que ainda não estamos diante do pior da crise do ponto de vista do sistema de saúde, e nem do grosso dos problemas econômicos e sociais decorrentes disso. Eu gostaria de estar errado, mas eu estou sentindo a calma antes da tempestade. A doença até aqui estava confinada a um público que fazia viagens internacionais, mas vai começar a atingir com força a população mais carente em questão de semanas.

Todo mundo aguenta umas duas ou três semanas de perrengue, mas para o funcionamento correto da estratégia de “achatar a curva” (isso é, evitar um número muito grande de contágios ao mesmo tempo), esse povo vai ter que se segurar por bem mais tempo do que isso. E é aqui que começa a me preocupar a tendência exagerada do brasileiro de culpar o outro pelos próprios problemas. Não se enganem, no mundo inteiro as pessoas fazem isso, mas em alguns países isso é mais prevalente. Estamos num deles.

Em pouco tempo, os canhões começam a se voltar para o governo de Bolsonaro. O que é um mau sinal tão cedo na história desta pandemia. Sinal de que o brasileiro provavelmente não tinha a menor ideia do que estava fazendo ao eleger esse senhor. Se votou nele para melhorar o país, claramente não sabia quem era Bolsonaro, o deputado sem noção que passava mais tempo no SuperPop do que trabalhando. Se votou nele para deixar os lacradores putos, esqueceu que mora no mesmo país que eles e sofreria junto. Se votou nele para tirar o PT e agora está achando ruim o que ele faz, claramente não estava prestando atenção no que o PT estava fazendo com o país. E se votou nele para ver o circo pegar fogo e agora está com medo do circo pegar fogo… bom, você não é muito esperto, não?

Como cada vez mais me vejo como aceleracionista, isso é, alguém que torce para uma quebra do nosso sistema de organização social para que possamos desenvolver algo melhor depois, não vejo Bolsonaro escapando muito do script desejado: cabeça-dura, dono da verdade, mesmo sem ter a menor ideia do que está acontecendo. Some-se a isso o festival de asneiras ditas e feitas por seus ministros e filhos, e temos o cenário onde Bolsonaro contribui lindamente para reduzir ainda mais a esperança do brasileiro em seus políticos e ter que tomar decisões na marra.

O Coronavírus aparece como um acelerador do processo, e se por um lado pode ajudar a derrubar a ordem podre que define o Brasil, por outro pode fazer isso rápido demais e colocar algo ainda pior no lugar. Em tempos de medo, o povo fica muito conservador. Bolsonaro não tem capacidade mental para assumir o posto de líder absoluto do país, mas pode ser justamente a pessoa que cai para alguém do tipo tomar o poder. Como aceleracionista, a ideia não me agrada, pois autoritarismo é mais do mesmo, um enorme pé no freio de qualquer mudança considerável.

Mas quem faz a aposta tem que estar disposto a perder. Eu apostei em Bolsonaro como o começo do fim, infelizmente ele pode ser tão bom nisso que perca o controle do país cedo demais para ter alguma alternativa válida. E a ideia de uma ditadura é só um cenário possível, provavelmente nem o mais provável: o país está tão acostumado aos seus esquemas de corrupção e negociatas que é bem provável que Bolsonaro acabe só como um fantoche de deputados, senadores, famílias influentes e grandes empresários como tantos outros antes dele. Isso se já não for agora.

O timing do vírus não foi dos melhores. Mas, seja obra da natureza ou intencional, quem quer que tenha feito isso não está nem aí para o cenário político do “anão diplomático” brasileiro. Nos resta agora aceitar que fomos nós que criamos esse país, e tudo o que vier da nossa incapacidade coletiva não pode ser colocado na conta dos outros. Eu tenho a nítida impressão que mesmo mantendo que o Coronavírus não vai ser uma catástrofe sem fim, ainda não vimos o seu pior. Ninguém sabe como isso vai se desenrolar quando alcançar as grandes favelas do mundo, e muitas delas estão aqui no Brasil.

E como tenho certeza que a mania de ficar apontando um para o outro não vai parar, vai demorar bastante para termos uma resposta decente para a pandemia. Mas, se der para dar algo para pensar pelo menos para o nosso público aqui, já é um começo: se você elegeu o Bolsonaro diretamente pelo voto ou indiretamente por defender o governo desastroso do PT ou forçar uma mudança cultural que a maioria do humanidade obviamente não queria, você é parte do problema. Não é o fim do mundo ser parte do problema, o pior é fugir da responsabilidade na hora que a coisa mais apertar.

Não vai resolver nada ficar reclamando de americano, chinês, petista ou bolsonarista agora. O problema é nosso.

Para dizer que se arrependeu de ter nascido no Brasil, para dizer que a natureza agradece, ou mesmo para dizer que estamos mudando de ideia por manter uma coerência com o que dizemos há mais de 10 anos: somir@desfavor.com

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Comments (22)

  • Na minha cidade e proximidades tem donos de hotel falando que é ok mentir para o turista não cancelar a vinda. Tem gente indo ao mercado pra comprar pão todo dia, concordo que histeria não é boa mas a verdade é que o povo não está com medo suficiente pra fazer algo. Querem soluções mas não querem ajudar.
    O que esperar do país onde em meio a pandemia os assuntos mais comentados no twitter eram: BBB, Lista de fetiche e pintoawards??

  • Resumo do texto: tentativa ridícula de equiparar responsabilidades calcada em uma defesa irresponsável de ruína institucional sob um rótulo pretensamente sofisticado de “aceleracionismo”, proveniente de quem acha que vai escapar das consequências deletérias por ter dinheiro. Continuem achando que enganam.

    • Gostei de ver, engoliu um dicionário!

      Mas você basicamente passou batom no porco: não adianta enfeitar a apresentação de uma opinião genérica de um dos lados da polarização. Se você quer viver sua vida culpando os outros pelas coisas que faz errado, divirta-se, mas aqui a gente prefere pensar a ser papagaio de ativista de Twitter.

      • Pensam tanto que tentam igualar a responsabilidade de quem não votou na catástrofe que é o Presidente com quem foi estúpido o bastante para fazê-lo, especialmente quando tentam disfarçar o dislate.

        • O Bolsonaro não é resultado dos fãs do Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito pela teimosia do Lula em destruir qualquer chance de unificação da esquerda, pela falta completa de tato de uma suposta elite intelectual progressista colocando lacração acima de negociação e enfurecendo os pobres que em sua maioria são conservadores cristãos (de mentirinha).

          E muito também por gente mala que nem você que gasta o tempo brigando com a gente que é de centro, porque só a gente tem neurônios suficientes para sequer entender o que diabos vocês falam. Seu discurso é de mais radicalização, eu me recuso a fazer parte do seu culto.

          Vai fingir que não é com você lá com a sua turma, porque aqui nunca vai colar.

        • Eu não costumo ligar para discussões desse tipo. Só começo a bloquear quando fica claro que o disco do outro lado está riscado.

          Veremos.

  • Ao lembrar de kkkk gripe suína, aqui estou de volta…Fuck Bush.

    E lá vamos nós com mais uma enganação, uma gripezinha mequetrefe.

    Um pé no saco…

  • Sobre essa questão do “coronga”… eu estou completamente indiferente. Mas a minha indiferença nem é com o coronga em si, mas sim com a hipocrisia do povo, da grande mídia, dos políticos e etc. Porque aqui no Brasil sempre teve 70 mil homicídios por ano, milhares morrendo em fila de hospitais, no transito, no carnaval e etc. E ninguém nunca fez esse alarde todo, nunca demonstraram um pingo de medo… mas agora, por causa de um “coronga”, agora vamos parar o mundo, salvem-se quem puder!… Essa pandemia desse vírus só me fez enxergar o quanto o povo é gado manipulado que nunca deixarão de serem os escravos que são.

  • Eu ando perdendo a fé no tal do aceleracionismo, parece que tudo vai ser assim eternamente. Veja, há quase uma década tivemos manifestações gigantescas, ocuparam o congresso e tudo, e o que mudou?
    Daqui a alguns meses o pico da epidemia do corona passa e tudo volta ao normal. Tudo precário, povão NPC só pensando em celular e festa, os mesmos velhos na política roubando dinheiro, a mesma elite nojenta e narcisista, os mesmos bandidos psicopatas assaltando a gente na rua, implentação de ideologias demoníacas… O mundo atual não permite revoluções gigantescas que detonam estruturas, já era. Essa época passou.

  • às vezes me pergunto se a corrida pelo papel higiênico é realmente pelo produto em si ou pela emoção, tipo aniversário guanabara.

    • Esse é um tema que merecia ser estudado a fundo. O conforto que gera ao brasileiro o estoque de papel higiênico. Choveu muito e alagou? Compra papel higiênico. Pandemia? Compra papel higiênico. Quarentena? Compra papel higiênico. Porra, se a pessoa está de quarentena o mais lógico seria investir em comida, né? Quem tá preso em casa pode se dar ao luxo de vive na base do “uma cagada = um banho”

      • Sally, acho que é um fator psicológico que indica medo da perda do controle. É constrangedor perder o controle da função excretora, tornamo-nos reféns da natureza biológica e dependentes dos outros. No primeiro caso, é como se fôssemos animais, no segundo, bebês.

  • Uma coisa bacana de fazer pelo coletivo: comprar coisas em lojas e mercearias pequenas. Carrefours e Extras da vida vão superar essa crise, mas o seu Zé da esquina, que sua pra pagar as despesas, talvez não.

    • No país onde estou morando o Governo proibiu a compra em grandes supermercados, para proteger os pequenos investidores. Achei muito bacana, só compra em supermercado grande quem mora perto deles, o resto tem que comprar em pequenos mercados.

  • “para dizer que Bolsonaro exagerou no projeto de cagar o país”

    Isso…

    “Para dizer que se arrependeu de ter nascido no Brasil”

    ISSO TAMBÉM!!!!!

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