Comorbidade.

Em meio à pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro demitiu nesta quinta-feira (16) o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A informação foi divulgada pelo próprio ministro em uma rede social. LINK


Presume-se que não é uma boa ideia trocar de ministro da Saúde durante uma pandemia… mas nenhuma ideia é boa o suficiente quando o presidente é a cara do Brasil. Desfavor da semana.

SOMIR

Considerando o grau de instrução e a classe social média dos leitores do desfavor (os habituais, não os que vem atrás dos textos sobre cus), aposto que a maioria está acompanhando bastante as notícias por estar praticando a quarentena e o isolamento social. Por isso, é meio chover no molhado explicar os detalhes da demissão de Mandetta: uma bizarra briga entre um ministro que fazia o óbvio durante a crise e um presidente cada vez mais isolado na sua teimosia. E nem era uma desavença técnica, tanto que o substituto não sinalizou uma mudança clara na política sobre o isolamento.

Foi algo bem pessoal. Embora seja compreensível não querer na sua equipe uma pessoa que você não gosta, estamos falando de uma escala completamente diferente das coisas: no ministério da Saúde, organiza-se a estratégia de defesa de centenas de milhões de brasileiros contra uma doença que assola o mundo ao mesmo tempo que se cuida de todas as responsabilidades habituais da área. É o tipo de trabalho que exige conhecimento aprofundado das engrenagens do sistema, algo que só se faz com um misto de conhecimento técnico e experiência. O novo ministro não é um político aleatório, parece ter estatura para lidar com o cargo, mas vai ter que começar praticamente do zero no meio de uma das maiores batalhas da história do setor.

Não estamos falando de demitir um estoquista que irrita o dono da loja, estamos falando de uma função de difícil substituição durante uma crise. Se tem uma hora onde você não pode colocar incômodo pessoal acima do trabalho, é essa. Mandetta não fazia o jogo político que Bolsonaro queria, e talvez seu maior crime: estava recendo mais atenção e aprovação do que ele. Não que o agora ex-ministro seja insubstituível ou tenha resolvido os problemas do Brasil, mas na prática não estava fazendo nada de errado ao ponto de merecer uma demissão, seu trabalho estava dentro do aceitável diante da pandemia.

Se o Brasil fosse governado por um adulto, Mandetta ainda estaria no cargo. A experiência já acumulada no cargo e a aparente boa relação com a rede técnica do ministério eram suficientes para nenhum presidente considerar sua substituição. Mas para o representante do povo brasileiro, o incômodo pessoal passa por cima de qualquer outra questão. Bolsonaro já demonstrou que só demite ministros por dois motivos: falta de bajulação e produção de vídeos imitando nazistas famosos. Mandetta, por sorte, não resolveu homenagear Mengele, mas falhou em massagear o ego do chefe. Crime imperdoável.

Bolsonaro foi eleito sob a ilusão de ser um “homem macho” para governar o país, alguém capaz de tomar decisões difíceis e segurar o tranco nas piores horas. Na prática, vem se mostrando um menininho inseguro que se descabela por qualquer crítica ou mesmo discordância civilizada. É a cara do brasileiro médio, cujo desenvolvimento intelectual parece estacionado na pré-adolescência de forma generalizada. Depois de algum tempo de mandato, começa a ficar mais claro o que o povo viu nele: alguém que valida sua própria infantilidade.

Não gostavam da suposta coragem dele de defender suas posições, não admiravam a visão conservadora, o que o brasileiro médio viu mesmo nele foram os ataques de teimosia e a falta de filtros sociais básicos. Durante algum tempo eu achei que era uma valorização da sua honestidade, mesmo quando proferia os maiores absurdos. Mas não, não era sobre a honestidade, era sobre a falta total de vergonha de ser um desajustado com atitudes infantilóide entre os adultos. Essa era a liberdade que o brasileiro queria, a de ser um crianção egoísta imune às regras da sociedade, não a de ser verdadeiro a qualquer custo.

Mas como todo psicólogo de valor pode te dizer, a diferença entre o que você acha que quer e o que realmente precisa pode ser gigantesca. Agora as pessoas estão vendo o lado negativo de alguém sem nenhuma maturidade emocional na presidência da república. Muita gente achou que a eleição de um pré-adolescente geriátrico era o que realmente queriam, mas quando isso nos faz passar vergonha internacionalmente e pior, muito pior, começa a tornar o país ainda mais inseguro no meio de uma pandemia, a graça de ter um espelho no poder acaba. E aí, só resta bater panelas.

Podia ser libertador ter outra criança como presidente, mas quando um problema de adulto apareceu no caminho, o cobertor ficou curto na hora. Assim como em diversos outros países pobres e pouco educados, ter um representante exato no poder é uma péssima ideia. Some-se a isso essa latinidade passional da região e temos uma receita de desastre. A criança adora liberdade de ser criança, mas quando a coisa aperta ela corre para debaixo da saia da mãe. É um instinto natural de proteção. Quando se elege o Bolsonaro, não tem para onde correr.

Eu acredito que a crise do coronavírus ainda vai aumentar bastante antes de melhorar, existe uma chance do brasileiro ficar assustado o suficiente para aprender alguma lição com isso, mas sinto dizer que não é das maiores. Até este momento, Bolsonaro só agrada os membros do seu culto e parcialmente os aceleracionistas (podia ser mais incompetente).

A demissão de Mandetta não vai acabar com o país, provavelmente nem o Bolsonaro vai, mas se o brasileiro médio não conseguir perceber que ele não é indicado para mandar em nada, ele mesmo vai.

Para dizer que somos os bolsominions mais estranhos que já viu, para dizer que se botar um capuz preto no novo ministro ele vira a Morte, ou mesmo para dizer que eu sou feio, bobo e chato: somir@desfavor.com

SALLY

Quando eu soube da demissão do Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a primeira coisa que pensei foi “É agora que o brasileiro rasga o cu com o dedo”. O “Salvador da Pátria” da vez se foi, e o brazuca não vive sem um salvador da pátria, alguém em quem depositar todas as responsabilidades para que, ele mesmo, não precise fazer nada além de receber ordens e instruções de cima. E, se der errado, ainda tem quem culpar. O brasileiro, assim como o Bolsonaro, é basicamente uma criança mimada.

Como toda criança mimada, o brasileiro fez o que se esperava: barulho. Quando uma criança mimada não consegue o que quer, grita, chora, joga coisas no chão. No caso, o brasileiro tem essa tara por ir bater panela na janela. Adianta de porríssima nenhuma, mas, de alguma forma parece aplacar o medo, a angústia e dar a falsa sensação de estar fazendo alguma coisa. O brasileiro não se sente acomodado, ele bate panela e reclama em redes sociais.

O que não entra na cabeça desse povo é que essa raiva toda que sentem do Bolsonaro é raiva de si mesmos. Todo brasileiro é um pouco Bolsonaro: quando dirige com a carteira vencida ou depois de tomar um chopinho, quando recebe o troco a mais e não avisa, quando diz que está doente para não ir trabalhar, quando faz qualquer coisa que contraria a ética, e retidão, a moral, mas principalmente quando teima que está certo e insiste no erro. Tudo isso é relativizado com muita facilidade no Brasil, as pessoas fazem sem sequer perceber.

O brasileiro é capaz de contestar a Fiocruz e dizer que pesquisadores estão errados. É capaz de contestar a NASA e dizer verdades sobre o espaço. O brasileiro tem uma opinião, na verdade, uma certeza sobre tudo, mesmo que nunca tenha lido uma linha a esse respeito. E insiste. E afirma. E bate boca. Mais ou menos o que Bolsonaro está fazendo. Ele não quer destruir o país, ele de fato acha que é uma gripezinha e faz o que entende ser melhor dentro dessa premissa. Ignorância + convicção são uma combinação perigosa.

Você pode jurar que não faz nada disso, mas te garanto que se for morar por alguns meses na Suíça, vai perceber o tanto de jeitinho maroto, o tanto de malemolência, o tanto de vergonha que passa, o tanto de Brasil que tem em você. E esse é o grande problema: o brasileiro é alheio a seus defeitos e, tal qual o Meme do Homem Aranha, aponta para o Bolsonaro acusando-o de algo que a pessoa também faz.

Óbvio que Bolsonaro é uma versão extrema, caricata, exponencial de todas essas… peculiaridades do brasileiro. E ele está aí exatamente para isso: para mostrar às pessoas como é feio ser assim. Infelizmente falta sutileza e o povo acha que se não for tão grotesco quanto o Bolsonaro, tá tudo bem. Pode usar seu jeitinho brasileiro se for em menor escala, em menor intensidade, com um verniza social. Não tá. É tudo a mesma merda.

Em vez de aprender, em vez de olhar e falar “puta merda é muito feio ser assim, vou mudar”, o brasileiro nega o espelho cruel que lhe foi colocado à sua frente, que, nada mais é do que uma oportunidade de aprendizado. E quando a gente não aprende no amor, meus queridos, a gente aprende na dor.

“Não, Sally, você está enganada, eu não sou igual ao Bolsonaro!”. Não, pois você não tem o mesmo poder que ele e também não tem jornalistas na sua cola divulgando tudo que você faz e fala 24h por dia. Mas, em menor proporção, os brasileiros fazem as mesmas coisas.

Achou ruim a gestão de crise dele? Acho ruim ele negar um problema que existe e deixar criar um efeito bola de neve? Acho ruim ele empurrar com a barriga um Ministro com o qual não tem mais afinidade? Achou ruim a forma como ele rompeu com o Ministro?

Olha pra sua vida. Quantas pessoas não estão em casamentos ou relacionamentos falidos, gerindo isso da pior forma possível (brigando direto, sem dialogar ou até falando mal do parceiro), não olham para o problema (simplesmente se recusam a perceber que a relação acabou ou fazer algo a respeito, negando ou protelando a necessidade de ação) e o relacionamento acaba da pior forma possível (traição, agressão física, agressão verbal, etc.). No dia a dia, todo brasileiro é um pouco Bolsonaro. É por isso que surge esse ódio enorme quando ele faz cagada, a pessoa se reconhece ali e surta.

Essa lógica de se portar como uma criança que não encara os problemas de frente, que os nega, que protela, de insistir em ficar perto de quem não tem afinidade e ficar falando mal da pessoa, que gera uma ruptura da pior forma possível pode ser utilizada para inúmeras situações da vida do brasileiro. Quantos não odeiam o chefe ou o trabalho e, em vez de sair ou resolver, ficam falando mal até resultar em um evento traumático? Quantos não tem desavenças com a família, com os pais, com os filhos, nesse mesmo modelo?

Bolsonaro é sim um velho teimoso que está conduzindo essa pandemia da pior forma possível, mas, basicamente, é mais do mesmo: uma pessoa que acha que está fazendo o que é certo, o que é melhor, quando não está. Merece todas as críticas do mundo, todas as que vocês quiserem fazer a mais um pouco. Porém, além de criticar o Bolsonaro, aproveite a oportunidade para olhar para dentro e pensar se você não está repetindo algum desses comportamentos tão odiosos, em menor escala, na sua vida, pois talvez essas Bolso-bizarrices só estejam acontecendo como oportunidade de aprendizado e reflexão.

Assim como é muito fácil depositar as esperanças de tudo em um Salvador da Pátria, temos o outro lado da moeda: é muito fácil depositar tudo de ruim em um vilão. Falar mal sem parar desse vilão, apontar seus erros, felipenetar. Aí, em comparação, você fica sendo o nobre e glorioso ser humano que repudia o malfeitor da vez. Pode ser Lula, Bolsonaro, o ex-BBB acusado de estupro ou quem for, o fato é que o brasileiro precisa sempre de um vilão para se sentir superior apontando o dedo para ele.

Trago novidades: essa dinâmica VAI TER QUE mudar. Se não mudar, o Brasil não vai passar na melhor de suas formas por essa pandemia. Se as pessoas não romperem com isso de ficar apontando o dedo e condenando (Minion idiota! Esquerdista filho da puta! Gado se fodeu! Comunista tomou no cu!) o estrago vai ser enorme.

É hora de deixar esse comportamento bélico de criancinha de terceira série de lado e se unir, pois é a única forma de passar por essa pandemia sem que aconteça um genocídio brasileiro. É hora de procurar por aquilo que os una, não que os separe. Estou falando sério, ou o brasileiro para com isso de tentar o tempo todo se separar, se segregar, brigar, ou vai acontecer um massacre.

Acabou. A infância do brasileiro acabou. Tiveram tempo de sobra para brincar, para brigar, para fazer coisas irresponsáveis. Agora os tempos pedem adultos, ou crescem, ou vão morrer. Estamos presenciando uma mudança de tempos bem na frente dos nossos olhos. Quem não se adaptar não vai para a próxima fase. ACABOU. CRESÇAM. E sugiro que o façam rápido.

Para dizer que não paga o plano premium desfavor para ficar levando tapa na cara, para dizer que gosta mais de mim quando é um texto com humor ou ainda para dizer que depois dessa vai ficar um tempo sem falar comigo: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Estou esperando a abertura das fronteiras com Arg ou Uru para picar a mula daqui com a trupe… Arg de preferência. Uru parece estar limpando a bunda com as orientações da OMS.

  • Se for pesquisar o histórico do Mandetta vai achar muitas denúncias e sujeira. Ele é do DEM, não devia nem ter entrado.

    • Ninguém defende que ele seja boa pessoa ou exemplo de nada, apenas que sua condução de uma pandemia era mais acertada do que a do atual presidente.

  • Vocês estão inspirados esta semana, hein? Adorei os termos “pré-adolescente geriátrico” e “felipenetar”. Tanto que vou incorporá-los ao meu vocabulário. A “Fábrica de Novas Palavras” do Desfavor continua a todo vapor… Falando sério agora: é desalentador, mas eu acho que o possível “genocídio brasileiro” mencionado pela Sally infelizmente VAI acontecer mesmo. E, mais infelizmente ainda, eu também temo que a BMzada em geral no final das contas não só NÃO VAI crescer e amadurecer como também NÃO VAI aprender absolutamente nada com toda esta crise que estamos vivendo. Porque BM que é BM jamais se manca.

  • É verdade que estão acobertando o verdadeiro número de casos? Porque pelo que vejo parece mais é que estão promovendo pânico e usando os corpos das vítimas pra ganhar views, feito abutres.

    • Há, no mínimo, dez vezes mais casos do que o divulgado. Não sei se você vai acreditar em mim ou não, mas em breve a realidade vai se encarregar de mostrar.
      Não dá para confiar em numeros oficiais pois o Brasil mente e testa pouco. Mas tem um indício que não falha: funerária, coveiro, cemitério. Esse aí não tem como esconder. E estão começando a transbordar.

  • Ah, nem me fale nesse panelaço… saco. Toda semana essa bosta que não adianta nada. Se ao menos fosse em Brasília, para ver se os políticos iam ouvir. Mas a centenas de km de distância é favelaço mesmo. Porque aqui o que acontece é o seguinte: um chato (não sabemos quem é) começa a bater panelas, o que incomoda todo mundo e vão para a janela ver o que está acontecendo. Aí os fãs do Burronaro se irritam e começam a gritar mito, colocar músicas a favor dele (nem sabia que existiam) com letras do tipo “prefiro um filho sem vergonha do que um morde fronha” (tenho que rir). Um xingando o outro de brasileiro de merda (ele é o que?) o outro tocando o hino nacional. Aí botam o PT no meio. Teve um dia que resolveram gritar pela liberação do Ronaldinho. Enquanto não tiver tiro não vai resolver.

    Acho que nem o Lula, que não terminou a escola, faria uma dessas. Doria vai ganhar em 2022.

  • A pessoa critica a infantilidade alheia e defende “união” sem perceber o tamanho da ingenuidade da propugnação. Não há “união” possível com quem ignora a ciência e se esforça para impor a própria estupidez.

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