Escolha inteligente.

Aproveitando a quarentena, nada melhor do que discutir séries que merecem uma maratona. Somir defende um traficante, Sally defende um viciado, os impopulares escolhem seu barato…

Tema de hoje: qual a melhor série já exibida até hoje?

SOMIR

Breaking Bad. A série que mostra a espiral de insanidade da transformação do pacato Walter White no aterrorizante Heisenberg é tão boa que eu nem preciso bater muito na escolha da Sally. House é uma série excelente, com certeza. Mas não tem lugar para dois no topo do pódio…

A série do produtor executivo Vince Gilligan estreou sem muito alarde, num canal à cabo americano que nem tinha muita audiência, a AMC. Quando terminou, o canal estava vivendo sua fase de ouro com grandes audiências e extremo alarde na mídia. A AMC lançou Mad Men um ano antes, mas por mais que eu seja fã da série dos publicitários, era e ainda é algo mais de nicho. Foi Breaking Bad que deu tamanho para a emissora, lembrando que The Walking Dead só nasce dois anos depois da estreia de Breaking Bad. House já tem um caminho mais tradicional: era uma série da Fox (exibida pela Universal no Brasil por motivos de insanidade nos contratos de distribuição internacional).

Breaking Bad teve o poder de estabelecer um novo grande player no concorrido mercado televisivo americano por não ser mais do mesmo: de uma certa forma, é a pioneira da subida de nível de qualidade das séries americanas. Repito, House é muito boa, mas é de uma geração anterior onde se corria menos riscos com uma fórmula padronizada de capítulos. Pode-se argumentar que a era das séries-filme começa com Os Sopranos na HBO, mas o canal era ainda mais de nicho no começo no fim da década retrasada. Breaking Bad pega essa ideia de uma série com um arco longo sem resolução dentro de um só episódio e a torna imensamente popular.

House talvez seja a melhor série já exibida no formato antigo, episódico, mas desde Breaking Bad, o patamar mudou. Quase todas as séries que gostamos hoje em dia, com histórias complexas avançando por anos dentro de arcos de temporada, são muito inspiradas por Breaking Bad, não só pelas ideias, mas por provar que elas eram viáveis. Desconfiava-se que dava para trabalhar nesse esquema antes, mas faltava alguém explodir em popularidade para o mercado seguir. Isso aconteceu. Quase todas as séries de streaming que consumimos atualmente devem muito ao caminho aberto por Gillingan e cia.

Eu já tinha feito uma análise de Breaking Bad antes, não custa relembrar os pontos mais importantes: uma série com zero de glamour, com personagens detestáveis, moralmente ambígua e por muitas vezes lenta no desenvolvimento da trama… caindo no gosto de milhões de pessoas ao redor do mundo? Tem algo especial aí. O ator principal é excelente, só de lembrar que ele era o pai do Malcolm dá para ter noção de quanto Brian Cranston consegue se transformar, mas o ator principal é só o fio condutor, a série é baseada num clima de tensão crescente onde tudo tem consequências. Breaking Bad te dá a certeza que todas as escolhas geram resultados, e você vai tentando prever como as coisas vão piorar no próximo episódio.

House também tem um excelente ator que se muda do humor para o drama com imensa destreza, mas fica preso dentro das limitações do formato: não importa o que Hugh Laurie faça com sua personagem num episódio, é como se o universo fosse resetado a cada semana. Num ambiente realista, House teria sido demitido ou perdido sua licença de médico antes mesmo de acabar uma temporada. Eu aceito que é para não pensar demais nisso, mas se é para ranquear as séries, isso joga contra. House com certeza é uma pessoa mais divertida que Walter White, mas depende muito mais de “poderes mágicos de roteiro” para funcionar. Walter White/Heisenberg tem seus momentos de gênio também, mas são mais espaçados e dramáticos. House faz mágica todo episódio, porque a série é basicamente só isso. Nesse contexto, mais apelativo e genérico que o protagonista de Breaking Bad.

E, francamente, House é fantasia de poder intelectual. Um Rambo de diagnósticos, acertando todos os tiros nos inimigos sem levar nenhuma bala de volta para demonstrar um poder que nenhum de nós tem. Breaking Bad usa o mesmo arquétipo, afinal, especialmente no caso de Heisenberg, são os momentos de “science, bitch!” que avançam a história, mas tudo tem peso. Não vou mentir que não tem esse aspecto de super poderes da inteligência também, mas as coisas dão muito errado também. Arrogância cobra um preço muito mais alto em Breaking Bad do que em House.

E como já mencionado antes, ao utilizar essa estrutura mais moderna de arcos de temporada ao invés de por episódio, podemos ver o desenrolar das situações em Breaking Bad com muito mais detalhes. House se esforça para dar alguma noção de “danos colaterais” ao redor do seu protagonista, mas no episódio seguinte tudo tem que recomeçar mais ou menos do mesmo ponto. Em Breaking Bad, o próximo episódio é sempre a consequência do anterior. Walter White não para até destruir tudo ao seu redor, porque é isso que o show se propôs a fazer: não te dar um herói, e sim uma pessoa.

E quando falamos das personagens secundárias, por mais que nos afeiçoemos aos estagiários, Wilson e Cuddy com o passar dos anos, eles estão lá basicamente para fazer House parecer mais excêntrico em comparação. Ficam presos a uma certa normalidade que nunca pode ser verdadeiramente quebrada. Já em Breaking Bad, as personagens secundárias mereceram outra série excelente e até um filme que foi muito melhor do que eu esperava. Jesse e Skylar são irritantes, mas cumprem esse papel de equilíbrio da normalidade sem perder suas personalidades. Saul e Mike carregam outra série sozinhos! Os antagonistas? Gus, Tuco, Hank… um mais divertido que o outro. O mundo de Breaking Bad é muito mais interessante.

E, por fim, quase que literalmente: Breaking Bad soube acabar. House durou muito além do que deveria, está na hora de admitirmos que só aguentamos tantas temporadas por fidelidade ao protagonista, eventualmente os estagiários tinham que sair, e os substitutos nunca tiveram tanta química assim, e o resto dos fixos já não tinha muito mais o que dar depois de tantos anos sendo apenas o contraponto de House. Walter White, por sua vez, queimou tudo o que tinha num caminho alucinante até o fim da série. A tensão chegou no seu limite e era a hora de ir embora, o que os produtores só enrolaram por uma temporada a mais do que o plano original no final das contas. Como as personagens secundárias eram muito boas, acabou mantendo a qualidade.

Breaking Bad é um divisor de águas, House é o aperfeiçoamento de um formato datado. Gosto de ambas, mas só uma merece o título de melhor de todas…

Para dizer que queria o spin-off do Wilson sendo um amor com seus pacientes, para dizer que a temporada 8 não foi verdade e escolher GoT, ou mesmo para dizer que quem gosta de gente feia é cirurgião plástico: somir@desfavor.com

SALLY

Qual foi o melhor seriado já exibido até hoje?

Dificilmente as respostas vão coincidir, então, melhor perguntando, entre Breaking Bad e House, qual é o melhor?

House. Mas olha, de longe. Desde a cenografia, a complexidade de roteiro até a construção dos personagens.

Começa pelo formato: um seriado onde cada episódio tem começo, meio e fim. Esse é o formato padrão para seriados “de personagem”, onde o ponto central é ver o personagem principal e não a trama. Quem assistia House estava lá para ver o que House ia falar, o que House ia fazer. O mesmo vale para Dexter e tantos outros seriados “de personagem”, que também o caso de Breaking Bad. O espectador não queria ver o universo das drogas e sim saber qual seria a próxima armação que Heisenberg faria.

Quando você coloca um seriado de personagem sem começo, meio e fim em cada episódio fica maçante, o que também era o caso de Breaking Bad. Aquela sensação de que os problemas nunca se resolvem, sempre surge algo novo. As tramas paralelas se acumulam. A sensação bacana de resolução só vem ao final de uma temporada. Não, obrigada. Eu gosto da sensação de resolução a cada capítulo, ainda que exista um fio condutor maior que só se resolve no final da temporada.

O tema também me parece mais interessante: mistérios médicos é mais legal do que essa fórmula batida da Jornada do Herói (homem bom com câncer vai para o crime para não deixar a família desamparada). Fora o trabalho grandioso que era adaptar cada doença misteriosa do paciente do episódio ao que House estava passando naquele momento de sua vida. Cada diagnóstico errado, cada sintoma novo, cada peça do quebra-cabeça foi meticulosamente pensada. Enquanto isso, Walter White gasta quase uma hora para matar uma mosca que entrou no laboratório.

House era um seriado agradável, com cenário agradável e pessoas agradáveis. Não era seriado estrelado por modelinhos, vide o protagonista, mas também não era aquele colapso estético insalubre, aquele aterro sanitário visual que era Breaking Bad, onde não só todas as pessoas eram horrendas, mas os cenários e as interações também. Gente vomitando, umas prostitutas muito acabadas, uns trailers White Trash, um troço horroroso e desnecessário. Se eu quiser ver pobreza, eu me olho no espelho.

Um fator importante: em nenhum momento eu consegui torcer para Walter White ao longo de Breaking Bad. Para mim era um ególatra, um deslumbrado, um desempoderado que, quando teve algum poder, fez merda, magoou a família e se cagou todo. Aliás, eu não conseguia torcer por ninguém; Skyler neurótica e pentelha, Hank incompetente bundão, Jesse merdeiro irresponsável, aquele filho de muletas chato pra caralho… O único que talvez pudesse ganhar a minha simpatia, Gus, durou pouco e era o vilão.

Eu conseguia torcer por House. Cada vez que ele desacreditava da existência de Deus para um paciente com fé, cada vez que ele ridicularizava alguma instituição sagrada para a sociedade, eu vibrava, ria, me divertia. House é um personagem tão rico que consegue ser ele mesmo a fonte do conflito e o alívio cômico do seriado. Poucas vezes vi isso.

Mais um ponto para House: nunca foi um seriado focado em romance, que costuma ser o pilar de sustentação de quase todas as séries. Não era sobre romance, nunca foi sobre romance. Breaking Bad era uma constante DR e malabarismos da dinâmica de casamento de Walter e Skyler, era namorico de Jesse… Se eu quisesse ver DR, seria terapeuta de casal e cobraria bem caro a minha hora. Pagar para ver DR? Não, obrigada.

House nunca precisou apelar para conseguir público. Primeiro nunca se valeu da Jornada do Herói, o personagem principal sempre foi um cuzão e nunca mudou ou se redimiu. Arrisco dizer que ele nunca sequer evoluiu. Segundo nunca precisou de cenas de romance, violência ou sexo. House era ambiente estéril, medicina pura e conflitos psicológicos. Não cabia tiro, porrada e bomba. Não cabia peito de fora. Era um roteiro robusto que se sustentava por si mesmo. Já Breaking Bad era um faroeste moderno, cheio de explosão, pirotecnia e o empoderamento do desempoderado. Não, obrigada.

Eu não sei que bicho mordeu o roteirista de Breaking Bad, mas todas as mulheres do seriado eram insuportáveis. Skyler, que eu já citei, sua irmã igualmente chata pra caralho e dodói da cabeça, a namorada drogada de Jesse… todas chatas. Em House havia personagens interessantes, como a Thirteen ou Lisa Cudy. Mulheres que saem de estereótipos, de padrões, de mimimi. Se eu quisesse ver mulher chata e neurótica eu fazia um Instagram. Não, obrigada.

E, por fim, o grande ponto forte de House: metia o cacete em tudo. Se você se propuser a rever o seriado hoje, vai ficar abismado, se perguntando como certas piadas foram ao ar sem que o público faça um escândalo. Piada racista, piada sexista, piada com judeu, piada com morte, piada com gay… tinha de um tudo, e sempre muito pesado e ofensivo. Breaking Bad não. Mesmo nos momentos em que era politicamente incorreta se levava a sério de uma forma muito chata.

Breaking Bad é orgasmo de desempoderado, vendo um fodido ganhar poder e se realizando por terceiros. House é a realização de quem preza pela liberdade de expressão, de quem sente vontade/necessidade de falar certas coisas, mas não pode por causa do politicamente correto, de quem abraça a ciência como resposta. Acredito eu que o mundo precisa mais de liberdade de expressão do que de desempoderados ganhando poder.

House foi um seriado que conquistou seu espaço entre as maiores audiências da TV no braço, na marra. Nunca virou modismo, nunca teve fã-clube, nunca teve todo esse frenesi fanático dando respaldo. Se fosse nos dias de hoje, House seria censurado, pelo menos uns dez minutos por episódio. Já Breaking Bad, seria a mesma coisa, desempoderados continuariam batendo palmas. Ou não… considerando a audiência merda dos seriados derivados.

Para dizer que bom mesmo é Dark, para dizer que você gostou é de Lost e nós é que não entendemos o final ou ainda para dizer que está grato por ninguém ter escolhido Friends: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • “Aquela sensação de que os problemas nunca se resolvem, sempre surge algo novo. ” Fiel descrição da minha vida… kkkkk

    As duas séries com certeza são sensacionais, mas tenho uma leve tendência a Breaking Bad.

    Por curiosidade, alguem ai conhece Person of Interest ? Com certeza é umas das minhas preferidas.

  • Nunca consigo fazer essa lista de meus preferidos, parece que estou esquecendo algum já exibido e superestimando os primeiros colocados huhahaha No momento meu xodozinho é Ozark.

  • O Doutor Halls é um personagem bem mais divertido e sempre acontece alguma coisa interessante em todo episódio, mas essa “plot armor” que ele tem combinada com a estrutura de status quo imutável acaba cansando. Breaking Bad também ter tido um final digno antes de entrar naquele estado “respirando por aparelhos” também conta muito a seu favor.

    Voto no careca.

  • Gosto das duas mas deixo #1 com Breaking Bad pelo lado podre do ser humano mostrado ao longo da série. A figura do não ter nada a perder é mais fiel ali, House age como se não ligasse mas no fim das contas é só amargurado com a vida.
    Aproveitando: adoraria um texto Desfavor sobre Peaky Blinders.

  • thainá da amazônia

    house é uma das minhas séries favoritas – que eu particularmente acho melhor que breaking bad – e o texto do somir quase me convenceu do contrário, e olha que não é nem ele o advogado.

  • Total simpatia pelo House. Até porque, de certa forma, a vida imita a arte: o pai de Hugh Laurie era tão ou mais facetado que o House: foi medalhista olímpico no remo (Laurie só soube disso tarde na vida) e formou-se médico depois dos 40.

  • Gosto muito mesmo de ambas as séries, mas pra mim, o que desempata a favor de Breaking Bad é o fato de que todos os episódios de House tem a mesma mecânica – paciente é internado, saraivada de exames, paciente piora, mais exames, paciente quase morre, House tem um insight, paciente melhora. A gente fica lá pra ver os detalhes em paralelo, e pela personalidade controversa do protagonista, e como a série nos faz gostar de um cara com o qual seria impraticável trabalhar na vida real. E Breaking Bad, por ser uma série em arco, adiciona esse fator imprevisível a cada episódio.

    E quanto ao verdadeiro colapso estético de Breaking Bad, eu não esperava outra coisa: uma série sobre traficantes latinos oleosos vendendo (e consumindo) uma droga que acaba com o usuário. Não tem como manter estética nessa fodelança

  • House, nos tempos de hoje, não passaria da primeira temporada.
    Os criadores de caso a sufocariam.
    Coisas que eu gostaria que ainda existissem:
    – House;
    – Alborga;
    – Costinha…
    Tem mais, mas não me vêm ao coração.

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