Covid-19, 2020, 2021, 2029, 2038, 2050

Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.

Covid-19, 2020, 2021, 2029, 2038, 2050

A partir do pressuposto que os leitores daqui estejam em uma posição privilegiada se considerarmos o restante da população, devemos agora reservar tempo para estratégias e planos de resiliência a fim de nos preparar para os potenciais impactos prolongados do novo coronavírus, a fim de que sirva como aprendizado para uma segunda onda de contaminações ou mesmo uma pandemia nova.

Isso não será novidade para a humanidade, nem deveria ser, como podemos ver no que ocorreu depois da gripe espanhola:

  • Gripe Asiática (1957): 2 milhões de mortos
  • Gripe de Hong Kong (1968): 1 milhões de mortos
  • SARS (2003): 810 mortos apenas, mas nem mesmo o prejuízo estimado de 40 bilhões de dólares em prejuízos animaram investimentos em busca de uma vacina que poderia estar pronta ou quase agora.

O impacto dessa epidemia nos forçará a desacelerar o ritmo, e aprender a se tornar autossuficiente e consciente. O pensamento de projetos futuros se torna vago, à medida em que a cada dia questionamos cada aspecto de nossa vida que conhecemos desde o nascimento e somos obrigados a considerar sua possível morte.
Mas a psique humana é resistente e espera se as coisas vão se dissipar por si mesmas, enquanto mantemos nossos hábitos e compromissos regulares. Só que agora a parada súbita em tudo isso pelo vírus tira as decisões fora de nossas mãos e só vai apressar uma definição em um ritmo assustador.

De qualquer forma, entendemos que medidas objetivas possam ser tomadas enquanto nos encontramos em adaptação para essa pandemia e para as próximas que vierem, que podem nos atingir lá na frente quando estivermos mais vulneráveis.

Familiares: gerenciar os familiares será crucial.

Além da questão de adoecer, você ou as pessoas ao seu redor poderão ter que sair de casa para evitar passar doenças para os demais familiares em virtude do seu trabalho.

Nesse sentido, planejamento para quaisquer ausências, particularmente em papéis críticos, será importante: (a) Instruir as pessoas de casa para realizar a função de qualquer um que tenha que se ausentar, por opção ou por conta da doença; (b) Abrir uma conta corrente conjunta ou deixar as senhas necessárias para realizar pagamentos, saques e transferências é uma alternativa; e (c) fazer uma lista de pessoas com as quais possa contar e o que cada um poderá oferecer de ajuda. E pegue o contato dessas pessoas e, na eventual falta dessas pessoas, de outras como back-up.

Como disse anteriormente, um colega da minha equipe caiu doente de Covid-19 e a esposa também desconfiava estar doente. Como a família toda de ambos era do Rio, em desespero o colega chamou a irmã para cuidar do filho pequeno do casal aqui em São Paulo. Contudo, a irmã se recusou a vir e correr o risco de ficar doente também.

No limite, me ofereci para cuidar do menino, mas a esposa do colega preferiu esperar a cura do marido. Um dia depois da alta do colega, a esposa foi internada com Covid-19. Por sorte, não precisou ir para a UTI. Caso ambos tivessem ido para a UTI ao mesmo tempo, não teria ficado sabendo o que teria se passado, e o filho pequeno do casal poderia ter passado por apuros. É algo que me deixou sem sono por alguns dias.

Prevenção: Prepare-se para lidar com todo tipo de interrupção

Não dá para enumerar todas as perturbações decorrentes de pandemia para cada família. Fiquemos com duas situações: ser desprovido de meios para dar conta das necessidades e ter que se preparar para lidar com um aumento repentino de suas responsabilidades.

No caso de ser desprovido, monte uma reserva financeira não só para passar de um trimestre a um ano sem renda como também para fazer frente a despesas tais como as funerárias suas e/ou de seus familiares eventualmente vítimas dessa pandemia, para que você ou outra pessoa possa fazer frente aos pagamentos sem passar por ainda mais desgastes e problemas futuros. Um seguro de vida e/ou um VGBL ou PGBL para os dependentes que preveja pecúlio e/ou pagamentos mensais também não faria mal.

Isso deve ser incutido em cada um independente de ser adolescente ou jovem, pois o jovem de hoje pode ser o mais velho a ter passado por essa situação numa próxima pandemia. Ou o único, e experiência prévia vai ajudar os outros.

Por outro lado, terá que aprender a dar conta do aumento repentino de suas responsabilidades. Qualquer um poderá ser ver obrigado a assumir as responsabilidades delegadas para a diarista, a empregada, a escola em tempo integral, e/ou por ter sido alijado da ajuda dos pais ou do cônjuge de forma temporária ou permanente. E ter que conciliar essas responsabilidades com o teletrabalho (ou não) pelo tempo que a pandemia determinar.

Saia do grupo de risco

Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estimou que mais da metade da população adulta brasileira está no grupo de risco da Covid-19. São 86 milhões de pessoas que apresentariam ao menos um dos fatores que pode aumentar o risco de complicações, caso haja contaminação pelo coronavírus, dos quais 9% teriam até três fatores de risco.

Se considerarmos como grupos de risco idosos (acima de 65 anos), portadores de doenças crônicas (doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão, doenças respiratórias crônicas (em particular doença pulmonar obstrutiva crônica), câncer e doenças cerebrovasculares (acidente vascular cerebral – AVC), obesidade, asma, tabagismo, doença renal crônica, quase todos podem ser debelados ou mitigados com hábitos saudáveis antes, durante ou depois da pandemia. Antes, não ligar para a saúde poderia matar sua mãe, seu parceiro ou você mesmo de vergonha. Agora pode mata-los.

Incorpore hábitos

Outro dia, assisti uma reportagem em que agentes públicos da saúde haviam detectado traços do coronavírus no esgoto em Niterói. Diante disso, o que já é provavelmente feito por conta do Covid-19 deve se tornar uma medida permanente: deixar os sapatos do lado de fora de casa.

Afinal, não há nada mais anti-higiênico do que chegar em casa e pisar no tapete com o mesmo sapato de que veio da rua. E, nesses tempos de pandemia, mesmo sentar-se no sofá com a roupa de que veio da rua (Nesse ponto, ainda não consegui pensar em alguma solução socialmente aceitável para lidar quando for permitido receber visitas. Capa lavável no sofá?).

Outra coisa interessante para esses tempos de isolamento, caso eles voltem, é algo familiar aos descendentes de japoneses: Radio Taiso. É uma rotina matinal composta por uma série de exercícios de alongamento, feito em empresas e escolas em todo o país antes de começar as atividades. Tem vários exemplos de exercícios no YouTube.

Animais e cidades combinam?

A hipótese mais forte é que o Covid-19 seja uma zoonose surgida de um mercado em Wuhan, onde vende carne de pangolins (um bicho horroroso que lembra um tamanduá). Afinal, pesquisadores na China encontraram um vírus em pangolins cujo sequenciamento genético é 99% idêntico ao do coronavírus atual. A suspeita principal é de que o vírus, originalmente, estava hospedado em morcegos e depois chegou aos pangolins.

Diante disso, o bom senso manda banir a prática de ir a um mercado, ou uma feira, escolher o animal para ser abatido e levado fresco para casa. Pensava que isso era uma prática dos tempos da minha mãe. Ou que, se ainda houvesse, estaria relegada às periferias e cidades menores do interior. Mas lembro que, uns cinco anos atrás, havia uma loja em que você poderia escolher a galinha caipira de sua preferência ou ovos ainda sujos de bosta perto da Estação Marechal Deodoro do metrô, no bairro de Santa Cecília.

Mas não se trata apenas de separar o público dos animais vivos e as pessoas que vendem e abatem esses animais. Muito menos pregar o veganismo. Por conta das zoonoses se mostrarem cada vez mais perigosas, temos que admitir a possibilidade de que animais e cidades simplesmente não combinam. Ainda mais cidades densamente populosas como São Paulo e Rio. Moramos cada vez mais apinhados, em moradias cada vez menores no geral, e muita gente cria bicho em casa (até gato e cachorro).

Nessas horas, fico pensando se uma combinação de animais exóticos, consumidos ou tratados como gente da família, com uma população urbana cada vez mais densa, poderia nos jogar em cima de um barril de pólvora, independente da origem do problema ser uma cidade lá nos confins da China ou não.

Viagens

Com o dólar prestes a passar de R$ 6, viagens internacionais ficarão fora dos planos da maioria das pessoas. Será mais barato viajar localmente e mais seguro, se considerarmos o risco de outro surto de Covid-19 e/ou de um outro vírus nos deixar presos no exterior porque os voos foram cancelados. E também caso nos tornemos de fato o epicentro da Covid-19, ser brasileiro acabar sendo motivo para quarentenas forçadas para onde quer que você queira passear.

Viajar localmente não implicará necessariamente em ganhos para empresas de ônibus, se levarmos em conta o medo de se contaminar dentro do veículo até chegar no destino final tanto quanto a desconfiança de pegar um voo pelos mesmos motivos. Sobretudo se considerarmos que os ônibus agora têm janelas vedadas por conta do ar-condicionado. E em um espaço mais confinado do que um avião. Resta o carro. Pode ser mais apertado do que um ônibus, mas ao menos as janelas podem ainda ser abaixadas e podemos ter um maior controle de quem anda nele.

Quanto a cruzeiros, sinceramente, nesse curto prazo, falta coragem depois do que aconteceu com o navio Diamond Princess, que se tornou uma colônia de férias do coronavírus ao chegar ao Japão para realizar quarentena.

Por outro lado, viagens a trabalho poderão perder muito do seu sentido com a disseminação das tecnologias de que muitos já desfrutam para realizar o teletrabalho, por conta dos custos que envolvem organizar e participar de reuniões e outros eventos presencialmente, sobretudo no período de recuperação econômica após a pandemia. Nesse sentido, verifica-se o benefício adicional dos webinars e cursos online, muitos dos quais permanecem disponíveis para quem não pôde assisti-los.

Por fim, conselhos oficiais de viagem podem mudar à medida que uma pandemia se espalha, o que significa que planos de viagens precisarão ser ajustados rapidamente. Nesse sentido, deve-se também considerar os riscos potenciais relacionados a quaisquer visitantes que chegam de áreas infectadas, o que pode fazer com que, por exemplo, parentes que moram em outros países serem forçados a passar mais tempo na sua casa impedidos de voltar para lá por um bom tempo devido à suspensão de voos.

Transporte urbano: considere a bicicleta

No Japão, um número crescente de trabalhadores tem utilizado a bicicleta para evitar ambientes fechados e, consequentemente, a propagação do novo coronavírus no país. Se olharmos a foto ao lado, dá para entender o motivo. Não há higiene que resista. E ainda queriam realizar as Olimpíadas nesse ano.

Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas nessa semana implantou o rodízio alternando os carros com letra par e os com letra ímpar para tentar impedir o maior fluxo de veículos. Só que se esqueceu de consultar o secretário estadual de transportes. Resultado: tal qual ocorreu em Tóquio, houve um aumento de demanda suficiente para colocar em dúvida a efetividade da medida já no primeiro dia, pois as companhias de transportes não disponibilizaram o nível de serviço de tempos normais para diluir o número de passageiros por viagem.

Dificuldades à parte, entendo que aqui haveria dois benefícios: (a) profissionais da área de saúde afirmam que um nível adequado de exercício é essencial para otimizar o sistema imunológico e (b) sendo uma maneira de locomoção solitária, andar de bicicleta seria uma ótima opção para evitar contato próximo com outras pessoas, a fim de diminuir o risco de trazer doenças para os colegas de trabalho e do caminho do trabalho para dentro de casa.

Assim como o teletrabalho se mostrou algo para ser continuado no futuro, caso houver uma adoção maior, fica a esperança de as empresas oferecerem condições para quem optar por vir de bicicleta, seja oferecendo uma ajuda de custo para quem alugar bicicleta para vir trabalhar, seja oferecendo mesmo duchas para quem chegar poder tomar banho e livrar-se dos germes e vírus que eventualmente trouxer do trajeto (algumas já oferecem). Fora a criação de empregos diretos e indiretos a partir da prestação de serviços a esse público.

Conclusão: Pandemias s(er)ão nossa realidade, se já não deveriam ser.

Sendo otimista por natureza, resta esperar que, enquanto tomamos as medidas que pudermos tomar, as prioridades mudem e, quem sabe, daqui a uns 10, 20 anos, apareça alguma (s) vacina(s) que nos livre(m) da Covid-19, da gripe aviária, da gripe suína, do(s) coronavírus, o que for, assim como conseguimos nos livrar da varíola, da pólio, do sarampo.

Mas a vacina pode nunca sair, seja por mutações do vírus tornarem a tentativa inviável (um laboratório do governo americano na cidade de Los Alamos já detectou 14 mutações do coronavírus), seja pelo fato dos protótipos de vacina não sanarem o problema do excesso de resposta do sistema imunológico (como ocorreu na desistência de achar uma vacina para a dengue).

Diante desse quadro, é preciso agir e se comportar como se tivesse pegado a Covid-19 e como se fosse obrigado a conviver com essa condição para sempre. Você poderá ter que lidar com essa situação novamente não se sabe por quantos meses ainda, e novamente daqui a uns meses, um ano, dez, ou mesmo trinta, quarenta anos. Ou nunca mais. Mas, pelo menos, a situação agora certamente lhe trará resiliência e criatividade para lidar com outros problemas ‘menores’.

Não é uma questão de ter medo da morte, mas sim temer matar alguém. Ou várias pessoas. Afinal, meu colega estima ter contaminado pelo menos 10 pessoas, dentre familiares, colegas de trabalho, a doméstica e a diarista que trabalhavam em suas casas, bem com familiares das duas.

Por: Suellen

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (7)

  • A real é que, se o Andrade tivesse ganhado a eleição, o governo não estaria esse caos, estaria rodando liso(na aparência), pq ele estaria comendo totalmente na mão do Establishment.
    A impressão que eu tenho é que o povo quer isso mesmo, quer aparência de estar tudo certo, mesmo que esteja tudo errado por trás.

    • Se fosse o Andrade, porque se fosse o Lula a história seria outra. Arriscava de rodar tão caótico quanto com o Bolsonaro.
      A bicicleta não é uma opção exatamente ruim, se bem que tem muito BM que na preguiça de enfrentar a subida enfia um motor pra evitar de pedalar ou mesmo se segura na rabeta do busão. Se é pra ser assim, melhor já pegar logo uma motocicleta com capacete e coisa e tal.
      Vontade de enforcar o ecologista de zona urbana que estava com a ideia chucra de enfiar uma ciclovia numa avenida que é pura ladeira. Não bastasse o fato que geralmente colocam a merda da ciclovia no canteiro central pra efeitos de economia porca, me colocam uma pistinha pequena que se você cai pode bater não se sabe no que tem nas adjacências, que pode ser uma árvore, mato, uma calçadinha ou até mesmo a pista de rolamento da faixa adjacente)

  • Frase apócrifa que circula há tempos pelas redes sociais mas que cabe bem neste momento: “Quando a gente acha que já sabe todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”

Deixe um comentário para Tem.mobi Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: