O conceito de maioridade no Brasil varia de acordo com a situação, mas em média considera o final da adolescência como a linha divisora. Sally e Somir tem posições bem diferentes sobre onde redesenhar essa linha. Os impopulares crescem e aparecem.

Tema de hoje: a maioridade no Brasil deve ser reduzida ou aumentada?

SOMIR

Aumentada consideravelmente. Quem acompanha meus textos há mais tempo deve estar surpreso: eu sempre fui do time para diminuir regulações e dar mais responsabilidade pessoal para a população. Estranho que a mesma pessoa que escreveu várias vezes contra censura etária, por exemplo, dizendo que se deve aumentar maioridade no Brasil. Pois bem, estamos falando de Brasil. Não existe mundo ideal aqui.

Num mundo ideal poderíamos contar com os pais e guardiões legais para proteger os mais jovens. Poderíamos contar também com jovens bem informados e um sistema planejado para deixá-los errarem um pouco num ambiente controlado. Num mundo ideal, basta colocar todas as linhas na faixa dos 13, 14 anos (para garantir pelo menos a puberdade) e fazer com que adolescentes sejam expostos à vida adulta de forma segura e gradual.

Mas vivemos na terra da macaquice. E na terra da macaquice é outro fator biológico que deve ser contabilizado: o desenvolvimento do córtex frontal. Responsável por muito do que consideramos ser humano, essa área do cérebro nos ajuda muito a perceber relações de causa e consequência no longo prazo, algo que obviamente falta na maioria dos adolescentes. Uma sociedade bem organizada pode treinar seus jovens para serem adultos a partir da puberdade, uma sociedade bagunçada precisa de toda ajuda que puder.

Estudos colocam essa maturidade cerebral entre os 25 e os 30 anos de idade. E esses números soam bem realistas quando vemos que a maior parte dos comportamentos perigosos da humanidade costumam acontecer na faixa etária entre 18-24 anos. Mortes violentas, especialmente. Não à toa, é a faixa entre a presunção social e a biológica de maturidade. A pessoa é arremessada no mundo adulto sem as proteções do grupo e sem a proteção interna da mente. É claro que são mais propensos a correr riscos desnecessários.

E isso vai muito além de situações de risco óbvio como violência urbana e direção perigosa, mais comuns entre homens. A maioria absoluta das mulheres que entram para a prostituição e pornografia também o fazem nessa faixa entre 18 e 24 anos. Antes disso existem barreiras legais (que não impedem todo mundo, mas um número suficiente) e depois disso a mulher já pensa duas ou três vezes antes de colocar esse estigma na vida. É sobre violência, mas é sobre exploração também.

Como não dá para contar com uma rede de proteção social decente para a maioria das pessoas no Brasil, pode ser útil criar entraves legais que forcem menores de 25 a se esforçar mais do que o normal para se colocarem em situações de risco. Menores de 16 já dirigem no Brasil, menores de 25 também vão, mas isso não quer dizer que a lei é inútil: a pessoa fica sob risco constante de ter o carro apreendido, nenhuma viagem é segura. E, francamente, se conseguir dirigir por anos sem chamar atenção de nenhuma autoridade, temos o menor dos problemas nas mãos. Quer fazer pornografia antes dos 25? Vai fazer como já fazem hoje em dia com a idade sendo 18, mas quem for pego com ela vai para a cadeia, o que impede que se forme uma indústria grande ao redor disso. Quer abrir uma empresa, votar, casar? Boa sorte, suborno e jeitinho não funcionam direito nesses casos. Eu nem vou entrar no mérito de idade de consentimento para sexo porque essas leis já são ignoradas solenemente na maior parte do mundo, continuaria a mesma coisa. Pelo menos seria bem mais fácil ferrar com o Zé Droguinha que sua filha imatura resolveu namorar…

Sim, tem um elefante na sala: maioridade penal. Já não funciona direito hoje, continuaria bizarro depois. Mas, o que pouca gente percebe é que o problema da violência urbana brasileira não é resultado direto de menores cumprindo pena só até os 18 anos, e sim as condições nas quais a imensa maioria dos presos cumpre suas penas. Dos 8 aos 80, as cadeias nacionais são fábricas de bandidos. E as penas nem são tão longas assim em geral. Para cada Maníaco do Parque, são 1.000 ladrões pequenos que sairiam em 2 ou 3 anos mesmo. Ter uma cadeia para pessoas até 25 provavelmente nem impactaria tanto assim a saída antecipada da maioria dos presos, e ainda teria a vantagem de colocar mais 8 anos possíveis na pena de alguém que hoje comete crime aos 17 para abusar do sistema. A nova idade “ideal” para crimes seria aos 24 anos, e esses 7 anos a mais fazem toda diferença na mente de uma pessoa. O crime organizado não tem a mesma facilidade de cooptar alguém de 24 em relação a alguém de 17.

Qualquer alteração na legislação de maioridade é complicada de aplicar e vai gerar muita reclamação. Não é realista esperar que a maioria concorde em algo assim, especialmente entre os quem subitamente voltariam a ser menores de idade, mas o nosso modelo atual não é eficiente. Eu até preferiria lei da selva quase total com maioridade aos 12 ao sistema que temos agora (menos leis têm suas vantagens), mas já que é para considerar uma mudança, que se considere uma que atualize a humanidade para seu estado atual: quanto mais nos desenvolvemos e maior se torna a expectativa de vida, é natural que utilizemos mais tempo para formar adultos. Ninguém mais precisa ter 3 filhos antes dos 18 para aumentar as chances de sobrevivência da espécie.

Temos tempo para deixar as pessoas chegarem aos 25 antes de considerarmo-las adultas, até mesmo no Brasil a expectativa de vida passa dos 70. É razoável alongar a adolescência, porque no estágio atual da nossa espécie, precisamos de muito mais que nossos antepassados para entender e agir de forma eficiente no mundo. Leis devem evoluir junto com a humanidade. Se você vive numa sociedade bem organizada com adultos responsáveis que cuidem direito de você, vá lá reduzir a maioridade para treinar o jovem para o mundo, mas se você vive no Brasil, você precisa de toda a ajuda que puder vinda de dentro da sua cabeça para não fazer bobagens, se colocar em risco ou mesmo ser explorado. E para isso não existe atalho: precisa esperar o cérebro amadurecer de vez.

Para revogar minha carteirinha de libertário, para dizer que tem menos de 25 e é responsável o suficiente para querer jogar todos os outros na linha de fogo, ou mesmo para dizer que por motivos de pornografia é contra: somir@desfavor.com

SALLY

A maioridade no Brasil deve ser reduzida ou aumentada?

Reduzida. Por mim, a partir do momento que compreende as consequencias dos seus atos, tem que ser responsabilizado. Sendo muito legal, com 14 anos estava de bom tamanho ser considerado maior de idade. Quando mais cedo se responsabilizar essa gentalha pelo que fazem, melhor. Deixa casar, deixa dirigir, deixa votar, mas se fizer merda, vai ser preso e/ou condenado a pagar indenização às pessoas que prejudicar.

Esse papo de que a pessoa não tem maturidade antes de 18 anos é furada. O brasileiro médio não tem maturidade nunca, não é uma questão de anos vividos, é mentalidade, é cultural, é educacional. Então, pode colocar a maioridade a qualquer idade, que jamais teremos uma postura madura e responsável por parte da grande massa. Chega a infantilizar se recusar a responsabilizar um marmanjo de 16, 17 anos. A menos que tenham algum problema mental, sabem muito bem o que está fazendo.

Elevar a maturidade gera o que? Apenas uma coisa: não responsabilização. Vamos fazer um exercício imaginário. Vamos jogar a maioridade lá pra cima, por exemplo, 30 anos de idade. Só após completar 30 anos a pessoa poderia votar, dirigir e casar. Vocês acham que o brasileiro votaria certo? Dirigiria com responsabilidade? Casaria de forma responsável? Óbvio que não. Não é questão de anos vividos, é questão de mentalidade e educação.

A única coisa que conseguiríamos aumentando a maioridade penal é que essas pessoas não pudessem ser responsabilizadas por seus atos, tendo quase que uma carta branca para cometer crimes. Não seriam punidas criminalmente. Imagina a festa! O povo não funciona na base da consciência, funciona (quando funciona) na base do medo.

Um rapaz de 14 anos que pega numa arma e mata alguém não sabe o que faz? Sabe sim. E tem que responder por isso. Um rapaz de 14 anos que espanca a namoradinha não sabe o que faz? Sabe sim, e tem que responder por isso. Maioridade elevada serve para países civilizados, onde as pessoas realmente amadurecem com o tempo. No Brasil, a pessoa deveria ser responsabilizada a partir do momento em que tem forças para empunhar uma arma.

E, vejam bem, nem estou tentando empurrar aquele discurso de que tem que prender todo mundo. Prisão no Brasil não adianta para nada, não importa a idade, pois não ressocializa, apenas piora a pessoa. Ser responsabilizado é que conste no histórico da pessoa as transgressões que ela cometeu. Não é apenas sobre cadeia, é sobre inúmeras restrições que um processo ou uma condenação geram na vida de uma pessoa. Pergunte a quem já foi processado.

Chega de passar a mão na cabeça: “Ah, mas é só uma criança”. Não, não é. Em 1920 é possível que fosse, hoje, com a sociedade atual, com a internet e com o mundo como está, a menos que tenham criado o moleque feito um debilóide hiper protegido, com 14 anos não é mais uma criança. Se compreende quais são as consequências dos seus atos (“se eu puxar esse gatilho, a pessoa para a qual eu estou apontando a arma pode morrer”) tem que ser responsabilizado sim.

Presumir uma evolução de responsabilidade e bom senso à medida que a pessoa fica mais velha é ótimo para Alemanha, França ou Noruega. Para o Brasil? Devaneio. Não é sobre idade, no Brasil vemos pais que conseguem ser mais irresponsáveis que os próprios filhos.

Se já está como está, imagina se marmanjão de 18 anos souber que não vai mais ser considerado responsável por seus atos graças a um aumento da maioridade? É apenas isso que vai mudar, a falta de reprimenda. Vão continuar dirigindo mesmo sem poder, vão continuar fazendo filho e não pagarão pensão, vão continuar cometendo crimes se assim o desejarem. E chegarão aos 21 anos, aos 23 ou aos 25 com a mesma cabeça de merda, fazendo as mesmas besteiras.

Brasileiro não faz merda por falta de amadurecimento etário. Brasileiro faz merda por um mix muito cagado de falta de educação, falta de noção da realidade e falta de consciência. E isso, infelizmente, não se adquire com o passar dos anos. Então, se querem melhorar como sociedade, tem que investir em educação, em ciência, em conscientização. Mexer na maioridade não muda absolutamente nada em termos de melhora, apenas em termos de piora, trazendo ainda mais impunidade e irresponsabilidade.

Cabeça de merda não tem idade. Vejo muito leitor novinho que dirige com mais responsabilidade, vota com mais responsabilidade e conduz sua vida com mais responsabilidade que muito marmanjo que eu conheço. Não sei se vocês repararam, mas a sociedade brasileira está falida justamente por cada um fazer o que quer. Parece ser o momento de dar mais liberdade a alguém? Parece ser o momento de aliviar, de afrouxar, de dar menos responsabilização a essa geração nova, mimada e mimizenta?

Uma premissa básica: quando se trata de fazer merdas graves, entenda-se, crimes, quanto mais restrições o brasileiro tiver melhor. Quanto mais tempo da sua vida ela passar com restrições, melhor. Nem me atrevo a tentar argumentar usando psicologia ou antropologia, é bem mais simples e cru do que isso: quanto mais amarras no brasileiro, melhor. Essa pandemia está provando isso, nem quando a vida está em jogo esse povo cu toma consciência de alguma coisa e faz um sacrifício.

“Mas Sally, reduzindo a menoridade vão votar mais cedo, casar mais cedo, dirigir mais cedo”. Não muda nada. Hoje, brasileiro vota mal, casa pelos motivos errados com a pessoa errada e dirige de forma irresponsável, em todas as idades. Meu foco é conter a barbárie de crimes na qual o Brasil está afundado: compreendia o que estava fazendo? Vai ser responsabilizado.

É muito lindo ter leis similares a países civilizados, mas simplesmente não dá certo. Tem que ser que nem bicho mesmo, estilo polícia indiana dando surra de vara em quem sai de casa durante a quarentena e coloca em risco a vida alheia. Quando falamos de atos graves, como é o caso de crimes, tem que endurecer o máximo possível, pois a coisa saiu do controle faz tempo.

São muitos anos de “não encosta em mim que eu sou de menor”, de impunidade por idade, de uma desconexão entre a idade com a qual a pessoa já tem potencial de causar um mal social enorme X a idade em que ela é responsabilizada. Eu já pensei diferente, mas justamente por trabalhar muito tempo na área, eu digo convicta que quando lidamos com pessoas com esse grau de brutalização, só punição escancarada e medo servem como freio.

Para dizer que a partir dos dez anos já deveria ser responsável, para dizer que vota na opção que mais restringir direitos desse povo cu ou ainda para dizer que essa discussão é inócua pois em breve não vai ter mais nem Brasil: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • Concordo com a Sally nessa. Brasileiro é o tipo de bicho que se não colocar rédeas curtas, se não domesticá-lo, não rola! Então tem mais é que diminuir a maioridade mesmo e esse povo aprender na marra a lidar com as consequências de seus atos.

    • Também acho que brasileiro, em geral, tem que ser tratado na rédea curta, Ge. Infelizmente, porém, tem uns que nem assim aprendem. E pros que reclamarem, eu digo: “Se não quer ser tratado feito bicho, PARE de se comportar feito bicho”.

  • Somir, eu adorei o seu texto. Vc é muito comedido e moderado. Se eu fizesse um mestrado em direito penal, o seu texto seria uma inspiração. Gosto muito dessa ideia de maioridade gradual, acho razoável. Ser menor de idade não significa ficar impune, mas ganhar a sanção cabível.
    Sally, vc também é excelente na escrita, bastante visceral, puro fígado. rs. Foucault se revira na tumba com o seu texto dando adeus ao Vigiar e Punir.

    • Melhor maneira que tem de punir só o pessoal pobre que é obrigado a cair no mundo cedo pra não ser engolido.

      Homem rico branco ia ser inimputável até os 75

  • Se não estiver enganado, essa coisa de manter o filho sob a asa até depois de grande é cultural em países latinos no geral, latino é meio grudento mesmo (o que pode ser bom ou ruim dependendo do caso). Mas voto em manter a maioridade como está porque não vai mudar muita coisa nem se aumentar, nem se reduzir. Até pensei em fazer uma zoação sobre a redução da idade de voto causar uma explosão de políticos youtubers, mas já existe um político youtuber atualmente, o tal do Mamãe Falei.

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