FAQ: Coronavírus – 2

Vocês gostaram, então, aqui vai outro FAQ com perguntas cabeludas sobre coronavírus.

Sempre lembrando que estamos diante de uma situação desconhecida e dinâmica, ou seja, o que vale para hoje pode ser desmentido amanhã. Caso você esteja lendo este texto algum tempo depois da data da sua publicação, prefira acreditar na informação mais recente.


6) “Quais são as chances do coronavírus ser uma arma biológica?”

Baixa. Não vou entrar no mérito de política internacional ou comércio, pois, convenhamos, o que nós sabemos sobre isso é basicamente nada. Só quem está nas internas tem as reais informações do panorama mundial. Seguimos firmes na nossa linha de pensamento: abraçamos a ciência, e é à luz da ciência que daremos a resposta.

Até agora, não há indícios científicos de que o coronavíus tenha sido criado pelo homem para ser utilizado como arma biológica. Sim, eu sei, existe um laboratório de virologia em Wuhan, a cidade chinesa onde surgiu o vírus e muitos outros dados que tornam plausível essa hipótese. Porém, até onde se pode provar (e isso serve para hoje, amanhã podem surgir informações novas), não há nada científico que indique ser uma arma biológica.

Vamos por partes. Existem três possíveis hipóteses para o surgimento do coronavirus: a) um vírus que circulava naturalmente entre animais e pulou para humanos; b) um organismo fabricado que escapou de um laboratório por acidente ou c) uma arma biológica espalhada de propósito.

Motivos pelos quais a maior parte dos cientistas (do mundo todo) estão descartando que seja uma arma biológica:

Fator 1: Vírus. Até hoje, as armas biológicas desenvolvidas são, predominantemente bactérias. Bactérias são mais fáceis de controlar, duram mais tempo no ambiente no qual se pretende espalhá-las (podem durar décadas se devidamente acondicionadas) e permitem que o país proteja a sua população com vacinas e antibióticos, que são muito mais fáceis de desenvolver para bactérias.

Manipular e espalhar um vírus é muito arriscado, eles mutam rápido e muitas vezes de forma imprevisível, a coisa pode sair do controle fácil e causar mais danos do que se esperava. Existe um único registro de tentativa de uso de vírus como arma biológica comprovada, vindo da União Soviética, através do vírus da varíola, e não deu muito certo.

2) Fator Vírus Desconhecido: Normalmente, para desenvolver armas biológicas se costumam usar organismos conhecidos, já estudados, por motivos óbvios: é a única garantia que a coisa não saia do controle e mate quem não deveria morrer. É altamente improdutivo espalhar um organismo que não se sabe muito bem como vai funcionar na prática (isso não é programável nem previsível, principalmente quando falamos em vírus, os reis da mutação).

Portanto, mesmo que fossem escolher um vírus para fazer uma arma biológica, o mais sensato seria a escolha de um vírus já conhecido, onde se sabe mais ou menos a letalidade, a forma de contágio e etc. Claro, pode ter um maluco que pense “não quero nem saber, vou jogar isso e o mundo que se exploda”, mas é o tipo de atitude lunática que demandaria um grupo de lunáticos com grande conhecimento científico se unindo para realizar. Possível, porém improvável.

Fator 3: Falta de evidências no vírus. Quando você manipula um vírus em laboratório, isso deixa uma “assinatura” no vírus, ou seja, uma parte dele destoa do normal por ter sido manipulada. Isso se verifica na estrutura do próprio vírus: a parte que foi mexida, manipulada, não sofre mutação, permanece fixa. Não há rastros disso no coronavírus em nenhum estudo feito em nenhuma parte do planeta.

É possível que tenham descoberto uma técnica totalmente nova e manipulado um vírus sem deixar qualquer rastro? Sim. Tudo é possível, porém, repito, é improvável. São três fatores improváveis juntos.

Então, para que este vírus tenha sido criado em laboratório, o país teria que ir na contramão de armas biológicas escolhendo um vírus e não uma bactéria, também iria na contramão por criar um novo tipo de coronavírus em vez de usar um tipo conhecido e teria que possuir uma tecnologia nunca antes vista para realizar esse tipo de manipulação sem deixar qualquer traço no próprio vírus. Impossível? Não é. Mas, aos olhos da ciência, é altamente improvável.


7) “Animais domésticos transmitem coronavírus?”

Depende.

Animais domésticos, como regra, não são infectados pelo coronavírus, ou seja, dificilmente seu cão vai pegar a covid-19. Ontem mesmo vimos o caso de um pastor alemão que estaria com covid-19 nos EUA, o que causou muito espanto em todo mundo, mas, o que se sabe até agora (e essa informação vale para hoje, amanhã podem descobrir algo novo) é que animais não são contaminados.

Existiram outros casos muito pontuais, geralmente envolvendo, em sua maioria, gatos. Mas, em todos os casos de animais contaminados estudados até aqui, se estimou que a carga viral era baixa demais para que seja transmitida ao ser humano.

Porém, animais domésticos que entram em contato com o vírus na rua ou em qualquer outro lugar podem sim transmiti-lo para humanos, da mesma forma que uma roupa ou uma sacola de supermercado: por contato. Se o seu cão sair na rua e pisar em um local infectado, ou pousar sobre ele um vírus que pairava no ar, ou de qualquer outra forma encostar em um local contaminado, ele trará o coronavírus para dentro de casa. Mesmo que você não encoste nele, ao se coçar ele pode jogar o vírus no ar, por exemplo.

Por isso, o mais seguro é não sair para passear com seus pets, uma vez que é impossível (e seria altamente nocivo para seu animal) dar um banho completo nele cada vez que ele chega em casa. Apenas limpar a pata não funciona, uma vez que ele pode ter encostado alguma parte do corpo em um local contaminado ou até ter servido de pista de pouso para coronas que estavam no ar.

Então, cuidado com as FAQs que afirmam que “animais de estimação não transmitem coronavírus”. Se um parente seu está com covid e você foi o contemplado para cuidar do pet dele enquanto a pessoa está internada, nem pense em passar a mão no bicho e levar para casa, ele pode conter o vírus em seus pelos e patas. Coloque máscara, face shield, luvas, e dê um banho bem esfregado no bicho. Pode usar o shampoo específico para animais que ele tem propriedades detergentes que acabam com o coronavírus.

Da mesma forma, não leve animais que não são seus para dentro de casa sem as devidas precauções. Nada de cuidar do gato do vizinho enquanto ele viaja, de recolher um cão abandonado na rua ou de hospedar o cachorro da sua amiga que precisou se ausentar… não entre em contato com bicho algum antes de dar um bom banho bem esfregado. E, cá entre nós, eu não confio em banho de pet shop, pois se o local ou o funcionário estiverem infectados (como saber?) mesmo de banho tomado o animal pode voltar carregando o vírus nos pelos e nas patas.

Posso ser bem sincera e antipática? Se possível, cuido do seu bicho da melhor forma e se mantenha distante dos demais. Estamos em guerra, é um vírus letal. Entendo a ânsia por resgatar um bichinho que está na rua, mas porra, não vale a sua vida. Sejam sensatos.


8) Quem já teve coronavírus pode ser infectado novamente?

Não sabemos. Ainda não deu tempo de entender se a pessoa que pega a doença fica de alguma forma imunizada. Não há nenhum estudo científico conclusivo sobre isso, portanto, prefiro responder “não sabemos” do que um achismo.

O que se sabe: a MERS, outro coronavírus, pode ser contraída mais de uma vez, geralmente o organismo fica imune apenas por um ou dois anos e depois volta a ficar vulnerável à doença, apesar de, via de regra, a pessoa reincidente pegar uma versão mais branda. Então, se o corona acompanhar os colegas, as pessoas não serão reinfectadas ou, se forem, será uma versão muito mais branda. Porém não há certeza que ele vá se comportar como seus colegas.

Porém, isso não quer dizer que uma vez que você teve o vírus pode sair na rua despreocupado, sem usar máscara. Nem por você, nem pelos outros. Não sentir mais os sintomas ou receber alta pode não ser a reta final. A pessoa pode estar aparentemente curada, até mesmo testar negativo e depois de uma semana ou duas ter uma elevação da carga viral no corpo.

Inicialmente se pensava que a pessoa que testava como curada e depois testava positivo novamente havia se recontagiado, mas, hoje a hipótese mais aceita é a de que a carga viral no corpo da pessoa nunca teria chegado a zero, apenas diminuído o bastante para não ser detectada em exames, porém continuava lá, subindo novamente depois.

E, por motivos que ainda não se tem certeza, ela eventualmente sobe novamente, ou seja, uma pessoa que se achava curada pode voltar a contagiar todo mundo. Essa é a hipótese mais provável, mas ainda há quem diga (uma minoria) que alguns casos são de recontágio. Certeza mesmo só vamos ter em alguns anos.

Então, se você teve covid-19, foi curado e testou negativo para a doença, não quer dizer que de fato ela tenha ido embora por completo. Pode ser que a carga viral apenas tenha reduzido muito, a ponto de não ser detectada em testes, mas não esteja verdadeiramente zerada. Portanto, pode ser que ela volte a subir. É preciso fazer um acompanhamento, pois se a carga viral voltar a subir, pode gerar contágio das pessoas que estão à sua volta.

Por hora, a recomendação é de cuidados nos 14 dias seguintes à data do último sintoma apresentado, quer dizer, se em você o coronavírus se manifestou apenas como febre, por exemplo, não basta que a febre passe, você deve esperar passarem 14 dias a contar do primeiro dia sem febre para pensar em retomar sua vida normal.


9) “O desenvolvimento de uma vacina não é rápido e o vírus sofre mutações, o que acontece se fizerem uma vacina para o coronavírus de hoje, mas, quando ela finalmente estiver testada e aprovada, o vírus tiver mutado? Todo o trabalho é perdido?”

O importante é encontrar o composto que seja letal para o vírus e não cause danos ao ser humano. Com este passo dado, já pode comemorar.

Pode sim acontecer do vírus mutar no meio do caminho, mas, simplificando de forma muito grosseira, isso não inviabiliza a vacina que já foi desenvolvida, basta fazer uma adaptação, “trocar o vírus” para o qual ela é direcionada, mas não é um bicho de sete cabeças. Não vai ter que começar tudo do zero.


10) Devo fazer um teste rápido de farmácia para covid-19?

Não. Esse tipo de teste nem deveria ser vendido em farmácia, pois confunde pessoas que já estão muito confusas. As informações que esses testes dão são muito boas para estudos epidemiológicos, mas para o indivíduo são informações inúteis. Sem contar que são muito caros. Se você quiser pagar caro para ter informação inútil, melhor assinar um jornal.

O resultado de testes de farmácia padrão se baseia nos anticorpos que a pessoa tem. Então, se você faz um teste de farmácia ele dá negativo, isso significa que você não tem anticorpos contra covid-19. Porém, a maior parte das pessoas não tem essa informação/mentalidade.

Testes comuns, como o de gravidez, induzem a outro tipo de pensamento. O que a pessoa pensa ao ver um resultado negativo é: “Que bom, não tenho coronavírus, posso sair tranquilo na rua”. E não é isso o que o resultado diz. O resultado diz que a pessoa não tem anticorpos para coronavírus, ou seja, está completamente exposta e pode pegar a doença.

Calma que piora. Mesmo para quem sabe interpretar os resultados do exame, ele costuma ser inútil. Na verdade a pessoa pode estar com o vírus sim, e não ter chegado ao ponto de produzir anticorpos suficientes para serem detectados pelo exame de farmácia. O fato de não ter anticorpos naquele momento não significa estar sem o vírus. Ele pode levar a um falso negativo muito perigoso para a sociedade.

Vamos falar sobre outro vírus, para que fique mais claro: HIV. Se a pessoa faz sexo desprotegido hoje e amanhã ela faz um teste para saber se tem HIV, é provável que o teste dê negativo, pois um organismo exposto ao vírus por poucos dias ainda não produziu a quantidade de anticorpos necessária para aparecer em um teste. Isso quer dizer que há certeza absoluta de que a pessoa não se contaminou? Não. Ela pode estar contaminada, mas isso só aparecer no teste mais para frente, quando a quantidade de anticorpos for maior.

Como regra, o teste de farmácia só é capaz de detectar o coronavírus entre 15 a 20 dias depois da data do contágio, ou seja, se você se expôs recentemente, ele não é a medida correta para dizer se você foi contaminado. E como o corona costuma dar sintomas nos 14 dias seguintes ao contágio, é provável que seu corpo te avise se você tem o vírus (apenas 20% das pessoas são completamente assintomáticas).

Ou seja, você vai pagar caro por algo incapaz de te dar a informação que você procura. Sem contar que nesse processo você coloca em risco todas as pessoas com as quais cruza para ir à farmácia comprar a porcaria do teste e ainda joga dinheiro fora.

Um plus: uma das características do coronavírus é provocar uma baixa oxigenação (papo técnico: hipóxia) extremamente penosa para o corpo, mas que, por algum motivo, não é percebida pela pessoa contaminada. Ao menos não é percebida como algo grave. Pessoas que em outras condições estariam arfantes e com muita falta de ar, se sentem normais, mesmo com a baixa oxigenação e não procuram ajuda médica, por experimentarem uma leve falta de ar, dificultando o tratamento posterior, pois quando chegam ao hospital a coisa já está crítica.

Essa hipóxia costuma acontecer, em média, uma semana após o contágio. Percebem a tempestade perfeita que se forma? A pessoa sente uma leve falta de ar, resolve fazer o teste de farmácia como indicador para ver se deve ou não procurar um hospital, afinal os sintomas não são tão graves e, quando o teste dá negativo (pois não deu tempo dela ter anticorpos suficientes), ela desiste de ir a um hospital. Quando os sintomas forem percebidos como graves, essa pessoa já estará com o pulmão muito comprometido e será muito mais difícil de tratar.

Nesse caso, é muito mais produtivo comprar um Oxímetro, aquele aparelho que você coloca no dedo e te diz a quantidade de oxigênio que seu sangue está transportando (papo técnico: saturação de oxigênio no organismo), ou seja, indica o quanto seu pulmão está funcionado. Um pulmão saudável promove uma oxigenação (em pessoas normais e ao nível do mar) entre 100 e 95%. Se a saturação for menor que 95%, procure ajuda. Bônus: o oxímetro costuma ser mais barato do que o teste de farmácia, pode ser usado quantas vezes você quiser e é vendido online.

O resultado positivo do teste de farmácia também é uma temeridade. Mesmo quando a pessoa entende que é um teste de anticorpos. Imaginem que uma pessoa faz o teste e tem resultado positivo e pensa “Beleza, já tenho anticorpos, estou protegido contra a doença, posso sair na rua”. Não, não pode. O resultado pode ser um falso positivo, fazendo a pessoa sair na rua feliz da vida, se sentindo imunizado, quando na verdade não está. Fora que ainda existe a discussão/dúvida se uma pessoa pode ser reinfectada, a hipótese ainda não foi completamente descartada.

Não se tem certeza se esses anticorpos serão de fato protetores, e, se o forem, por quanto tempo dura essa proteção. Por isso, um resultado positivo não te autoriza a nada, pode ser que esses anticorpos não protejam, pode ser que protejam pela vida toda ou pode ser que protejam apenas por um determinado período (ex: um ou dois anos). Enquanto essa informação não ficar clara, pessoas que testam positivo devem continuar tomando os mesmos cuidados do que as que testam negativo.

Então, não perca seu tempo com teste de farmácia. Você se protege muito mais adquirindo um Oxímetro e acompanhando a saturação de oxigênio de perto, assim pode perceber quando ela começa a ficar muito baixa, mesmo que seu corpo não dê sinais, permitindo um tratamento precoce e mais eficiente.


Para dizer que dois FAQs na semana é overdose, para dizer que pode fazer FAQ todo dia ou ainda para dizer que se alguma informação mudar nós deveríamos voltar no texto e corrigir: sally@desfavor.com

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