Animais mentem.

Durante muito tempo se criou essa imagem pura e imaculada relacionada a animais, mas eles não são inocentes e desprovidos de maldade como muitos pensam. Animais mentem, enganam, passam a perna. Fazem coisas que nós consideraríamos monstruosas se feitas pelo nosso vizinho.

Não estamos falando de um bichinho que simula ser outro para conseguir pegar sua presa, isso é mera questão de sobrevivência. Estamos falando de animais que, deliberadamente simulam algo que sabem não ser verdadeiro para tirar um proveito pessoal, que nem sempre está relacionado à sua sobrevivência. Muitos tem a consciência de estar enganando o outro quando o fazem.

Mentira, manipulação e fraude não são exclusividade do ser humano, está no mundo animal também. Os animais que não o fazem, não é por bondade, mas por falta de capacidade para pensamentos tão complexos. Todo animal com um cérebro um pouquinho mais eficiente tem, dentro do grupo no qual vive, malandragem, mentira e aproveitadores.

Um grupo de primatologistas ingleses estudou diferentes macacos e contabilizou mais de 250 mentiras, armações e golpes durante um curto período de tempo. As mentiras são bem sujas, não tem como dizer que foi coincidência ou brincadeira. Nas palavras deles, os símios são “criaturas maquiavélicas, que têm a chance de ser honestos, mas insistem em enganar os próprios companheiros”.

Um exemplo desse estudo envolve babuínos. Um babuíno, ainda pequeno, se especializou em aplicar o seguinte golpe: mesmo de barriga cheia, bem alimentado, quando percebia que um macaco adulto havia conseguido qualquer petisco que lhe apeteça, se jogava no chão e começava a gritar, como se estivesse apanhando. Imediatamente sua mãe aparecia, enfiava o cacete no coitado que estava fazendo seu lanchinho e o enxotava dali. Aí o filhote pegava o lanchinho para si.

Chocados com a quantidade de trapaças entre os primatas, os cientistas aprofundaram o estudo e concluíram que quanto mais mentiroso era o primata, maior era seu cérebro. Isso quer dizer: quanto mais capacidade de mentir o animal tem, mais e melhor ele mente. Quem não mente só não o faz por falta de capacidade. Em qualquer grupo de animais com um mínimo de capacidade cerebral, sempre tem um desonesto.

Animais com cérebro menos complexo também mentem conscientemente, ainda que sejam mentiras menos complexas. Algumas espécies de raposa se fingem de mortas, ficam imóveis com a língua para fora, até que pássaros oportunistas se aproximam para bicar sua “carcaça” e acabam comidos pela raposa, mais viva do que nunca. O curioso é que elas fazem isso mesmo quando estão de barriga cheia: mesmo assim, pegam os pássaros, matam e cospem se não estiverem com fome.

Animais domésticos também trapaceiam. Existem cães que fingem mancar ou tossir para conseguir algo de seus donos (colo, que o dono não saia, atenção, etc.). Filmagens de pessoas que deixam câmeras dentro de casa para controlar seus pets mostram que quando o dono está saindo o cachorro manca, não consegue andar e, assim que o dono bate a porta, ele corre, pula e se locomove normalmente. Quem tem pets certamente já presenciou algum tipo de manipulação ou chantagem. Se você não cede, eles param.

Algumas baleias e golfinhos aprendem o “sotaque” de grupos rivais, para falar como eles e emitem mensagens erradas, trollando a concorrência. Eles se comunicam por certos tipos de “assovio” (pela falta de termo melhor) e muitas vezes emulam a “fala” dos outros para benefício próprio.

Pode ser para mandar um sinal de alerta para que o grupo rival vá na direção oposta, de encontro a predadores ou pode ser até dentro do próprio grupo: não raro emulam o som do filhote para atrair a mãe e depois vários machos a cercam e tentam copular sem o seu consentimento. Não é uma cena bonita, é visível que a fêmea está acuada e sofrendo agressões. Eventualmente atraem os filhotes de outros machos emulando o chamado da mãe e os matam de uma forma cruel, para que a fêmea volte a entrar no cio.

Mesmo bichos pequenos e aparentemente sem inteligência dão seus golpes. Um passarinho chamado Drongo, por exemplo, costuma emitir sinais de alerta para seus pares quando avista um predador. Esse sinal é aproveitado por outros animais, como o Suricato: se o pássaro emitiu um alerta, todos correm. Porém, quando o Drongo percebe que os Suricatos estão comendo algo interessante, emite um alerta falso, assim todos os outros pássaros e os Suricatos saem correndo e ele fica com a comida só para ele.

O mais curioso é que estudos observaram que, depois de um tempo, essa tática do Drongo parou de funcionar. Ele perdeu a credibilidade entre os Suricatos e eles pararam de correr quando escutavam o alerta da ave. Então, para dar continuidade ao seu golpe, o Drongo aprendeu a emular o próprio grito de alerta dos Suricatos, fazendo com que os infelizes saiam correndo, acreditando que um deles deu o sinal de perigo.

O gato-maracajá, um felino que parece uma mini-onça, aprendeu a emular o chamado de filhotinhos de saguis, vocalizando exatamente da mesma forma que eles. Reproduzindo esse chamado, fazem com que as mamães desçam das árvores e se tornem presas: quando o grupo desce para socorrer o filhote, é jantado.

Chimpanzés chegam ao extremo de “pagar por sexo”. Os machos mais fortes e aptos para a sobrevivência geralmente são os escolhidos pelas fêmeas como seu par, portanto, resta aos rejeitados atrair de outras formas. Eles costumam se tornar bons caçadores e, quando conseguem uma refeição irresistível, convidam a fêmea de outros machos “para jantar” escondido. Em troca, a fêmea faz sexo com eles, na encolha. Enganam o macho alfa com uma série de “desculpas”, se ausentam e consumam a traição.

Como se esta mentira já não fosse elaborada o suficiente, ainda vem mais mentira em caso de flagra pelo macho oficial. Para escapar de uma bela surra ou até da morte, a fêmea adúltera faz um escândalo quando é flagrada, como se estivesse sendo forçada a fazer sexo com o outro macho. O resultado costuma ser o macho alfa matando o outro macho de pancada.

Gazelas africanas costumam dar saltos altos quando avistam um predador, geralmente um Guepardo. Durante algum tempo se pensou que era uma forma de alertar seu grupo, para que corram e procurem refúgio. Porém, estudos recentes mostram que a coisa não é tão bonita nem nobre. A Gazela finge alertar o bando, mas, na verdade, está sacaneando o bando para se salvar: ao se mostrar ágil aos olhos do predador, ela manda um recado: “eu não, tem outras mais fáceis”.

Guepardos são animais muito rápidos, mas consomem muita energia para dar breves tiros de corrida. Portanto, eles precisam ser certeiros, pois se cansam muito rápido. Assim, se um guepardo vê uma gazela saltitante, ele recebe duas informações a) Ali tem um grupo de gazelas e b) Essa não está doente, nem velha, nem machucada, vai dar muito trabalho, melhor mirar em outra.

O morcego-vampiro, que, como o próprio nome diz, se alimenta de sangue de animais, precisa de constante combustível para se manter vivo. Estima-se que se ele ficar mais de três dias sem comer, morra. Por isso, os grupos têm um pacto de sobrevivência: se algum, por uma infelicidade, alguém tiver dificuldade e não conseguir caçar durante esse período, os demais regurgitam um pouco do sangue que engoliram na boca do azarado, para que ele não faleça. Esta regra seria para evitar o colapso do bando, mas ela quase causou o colapso do bando.

Estudos provaram que nesses grupos sempre tem um número de aproveitadores: morcegos que saem, supostamente para caçar, mas tiram uma sonequinha, dão um rolê, usam o tempo com atividade inofensivas (afinal, caçar demanda muita energia e os coloca em constante risco). Voltam para casa emulando uma caçada fracassada e são alimentados pelos coleguinhas que passaram a noite ralando.

Com o tempo, mais e mais morcegos começaram a se valer desse estelionato, o que fez com que diversos grupos quase colapsassem, pois poucos sustentavam muitos. Para reequilibrar a situação, alguns grupos tiveram que estipular uma “regra anti-corrupção”: só recebia sangue quem também fosse um doador frequente de sangue. Sim, a coisa chegou nesse ponto, de animais precisarem criar mecanismos de fiscalização contra mentiras.

As lontras marinhas passam por maus bocados no inverno: com o frio, o alimento se torna mais difícil de conseguir. Mas elas têm um plano: para obter alimentos no inverno, os machos raptam filhotes da própria espécie e exigem em troca de toda a comida caçada pelas mães. O detalhe é que muitas vezes as mães “pagam o resgate” e, mesmo assim, os sequestradores matam o filhote, quebrando o combinado.

Um tipo de Babuíno africano passa meses preparando seu golpe. Durante o período de fartura na savana, ele finge ser um herbívoro pacífico para conquistar a confiança das gazelas. Senta-se perto delas e, enquanto elas estão olhando, come folhas. Só se alimenta de carne longe dos olhos das coitadas. Quando chegam os tempos de vacas magras, no período de seca, ele se aproveita da confiança conquistada e continua por perto. Quando percebe que um filhote se afastou do bando, vai atrás discretamente e o mata de forma rápida, sem que dê tempo que gritem. Depois volta, como quem não quer nada, e continua comendo folhas.

Estas são apenas algumas de muitas histórias de estelionato, mentiras e trapaças que os animais realizam, conscientes de estar enganando para benefício próprio. Então, chega desse discurso de que o ser humano é horrível e os bichinhos são criaturas santas e abençoadas. O ser humano apenas tem mais recursos e consegue dar golpes mais sofisticados. Porém, ao que tudo indica, na vida social sempre tem um aproveitador.

E, quando você não é o aproveitador do bando, está escrito no seu DNA para rejeitá-lo, nem tanto por valores éticos ou morais, mas pela sobrevivência do bando. Assim como aconteceu com os morcegos-vampiros, se grande parte do grupo se converte em aproveitadores, a sobrevivência de toda a espécie é colocada em risco. Talvez os humanos tenham revestido esse senso de preservação de valores sociais e religiosos, mas, no fundo, há uma boa dose de instinto em repelir os mentirosos, trapaceiros e aproveitadores.

Para dizer que no reino animal é mais fácil pois se pode deitar na porrada o trapaceiro sem ter que responder a um processo, para dizer que eu estraguei os bichos para você ou ainda para dizer que o mundo é um lugar horrível: sally@desfavor.com

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Comments (24)

  • Ensinei a nova cachorrinha que adotei, a sentar e dar a patinha. Usei petiscos para ensinar. Agora toda vez que sentamos à mesa para comer, ela senta e fica dando a patinha sem a gente nem falar nada, para ver se consegue comida.

  • Quase 11 da noite não teve postagem nesta quarta. É algum feriado da RID ou vai ter free hugs? Faz tempo que não tem. Seria bom!

  • Interessante a parte final do texto pra refletir até em sentido filosófico mesmo. Quer dizer, a gente tem a tendência de humanizar os animais, pensar neles a partir de nossa própria perspectiva de mundo, sem levar em consideração que o “mundinho deles” pode ser bem diferente, ter suas próprias regras, sua própria lógica interna, e mesmo sua própria episteme distinta daquela que a gente está acostumado.

    E bem, ao que parece, valores éticos e morais – e aí se incluem certos comportamentos, mentiras, trapaças etc – podem até ser universais, posto como a priori, mas não relativizados em categorias secundárias, quer dizer, não dá pra mensurar e dizer que tal ou tal valor ético é ruim no ser humano, e vai ser bom em animais. Acho que se a gente tivesse isso em mente de maneira mais clara, talvez até olhássemos de maneira diferente para os animais.

    • Sim, é hora de parar de romantizar os animais, nessa dicotomia de que eles são bons e nós somos malvados. Talvez se eles tivessem um cérebro do nosso tamanho, fizessem ainda pior.

  • Puta que pariu. Me fez lembrar que fui me meter a criar periquitos quando era criança.

    Comecei com um casal. Aí gostei da ideia e comprei mais um casal. Minha mãe logo alertou que o macho já tinha começado a ficar junto só da fêmea nova.

    A partir daí, toda vez que voltava da escola, minha mãe parecia o Datena dando boletins do que acontecia na gaiola. Uma vez juntou todas as penas que as fêmeas arrancaram uma da outra (e do macho que foi meter a colher) e jogou na minha cabeça.

    Até que um dia, a fêmea traída pôs ovos. Aí pensei: quem sabe com filhos sossega?

    Não poderia estar mais enganada. Uma semana depois a fêmea bicou os próprios ovos. Ou a amante fez isso, já nem lembro direito…

    “Vá comprar uma gaiola!”, minha mãe berrou comigo logo que coloquei os pés em casa. “Se vira! Arranja dinheiro pra comprar”.

    Nisso, foi tarde demais. Enquanto pensava em como arranjar grana sem ter que pedir por ela (vendendo minhas revistas, papel de carta, trocando a gaiola por serviços), a traída bicou até a morte o amante, o marido e até o macho banana (ou gay, vai saber) que trouxera com a amante.

    No dia seguinte, a amante morreu. “Zoonose? Tá bom”, minha mãe ironizou quando um veterinário amigo nosso foi checar a cena do crime.

    Só fomos ter bicho em casa mais de vinte anos depois.

  • “Não, pq prefiro bicho, bicho é mais evoluído que gente e pipipi e pópópó”. Pois sim. Vontade de sair distribuindo esse texto pra esse bando de hippie. Veja bem, gosto de animais, mas sem endeusamento. E definitivamente, sem tratá-los como criança.

    • É nada. Eles só tem um cérebro menos capaz. Se tivessem nosso cérebro e nosso polegar opositor, talvez fariam coisas ainda piores!

  • O título me lembrou de “a fazenda” e isso me lembrou de que o Pilha ia participar de um outro reality esse ano. Ou será que já participou? Com esse vírus esqueci completamente.

  • Eu tinha um cachorro que sempre que ganhava uma maça (ele adorava) ia na cerca do vizinho mostrar ao outro cachorro o que ele tinha ganhado e só depois ele comia.
    Ele fazia questão de mostrar bem pra ele.

    Uma vez ele estava comendo a ração dele bem tranquilo quando outro cachorro latiu perto.
    Nessa hora ele olhou em volta, comeu rápido e foi deitar na casinha dele e fez de conta que nada tava acontecendo.

  • Cantarolando: “No mundo animal/ Ixéste muita putaria…”

    É de supor que animais maiores, dotados de certo desenvolvimento cerebral e, portanto, de algum grau de inteligência sejam mesmo capazes de mentir e trapacear, mas eu não imaginava que fosse tanto assim.

  • Vontade de mandar o texto para a turma do “prefiro bicho do que gente”…
    (Pode até continuar preferindo, mas sem romantizar)

    • Prefere bicho por não conviver na sociedade do bicho, se convivesse, saberia que acontecem as mesmas coisas. Pelo menos humanos não lambem o próprio cu.

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