Talvez ainda demore um pouco, mas eventualmente muitos de nós terão que voltar para uma rotina de trabalho normal, alguns já devem ter sido obrigados. E depois de tantos meses de pijama, um velho incômodo: roupas de trabalho. Sally e Somir discutem qual delas tem o maior potencial de incômodo, os impopulares vestem a camisa (se não apertar).

Tema de hoje: qual a peça de vestuário (sapato incluído) que mais gera desconforto quando veste de forma incômoda?

SOMIR

Se você tem bolas, você sabe a resposta. Se não tem, sua vida é fácil. Todo tipo de calça ou cueca que gera alguma forma de compressão ou mesmo desajuste nos testículos tem um potencial de atrapalhar o dia todo de um homem e causar efeitos terríveis no dia produtivo masculino.

Eu quase fui de sapato apertado: tenho pés largos, desconfio até que poderia surfar sem prancha, o que sempre gerou incômodos com sapatos até que o material finalmente cedesse, mas normalmente você tem alguma margem de manobra com sapatos. Dá para tirar o sapato sorrateiramente enquanto está sentado com os pés escondidos pela mesa, dá para dar uma ajeitada eventual, e apesar de não ter função prática, você pode até reclamar com outras pessoas do seu incômodo, o que gera algum alívio psicológico. E como todos sabemos, sapatos acabam se ajeitando com o tempo (se não, você comprou o tamanho errado).

Mas quando algo comprime ou desaloja as jóias da família, todas essas oportunidades vão… eu não resisto… vão para o saco! Não tem como aliviar a pressão sem correr o risco de cometer algum crime. Impossível tirar a calça enquanto está sentado na sua mesa, mesmo se você por um acaso tiver sua própria sala. A não ser que você queira ser conhecido no lugar de trabalho como alguém que fica com a sala trancada e sempre demora um minuto ou mais fazendo sons estranhos de peças de roupa sendo vestidas antes de abrir a porta, as bolas ficarão presas naquelas condições até você chegar em casa.

Você pode argumentar que é só tirar a cueca no banheiro e voltar como se nada. Primeiro que isso não resolve o problema: a maioria dos homens não vai vestir cuecas apertadas, via de regra a situação é causada pela calça. A moda masculina íntima não exige trocar conforto por estética, mas infelizmente o tempo das calças largas já se passou. Saudades de começo dos anos 2000, onde você podia vestir uma lona de circo jeans cheia de bolsos (eu sinto falta de milhares de bolsos) e estava todo mundo numa boa com você. Embora minha profissão ainda permita algumas liberdades no vestuário, o padrão ainda é de roupas mais ajustadas no corpo.

Sua cueca pode ser extremamente confortável, mas a calça vem para estragar tudo. E mesmo que a cueca fosse o problema, se você acha que tirar ela com uma calça social ou jeans no ambiente de trabalho não causa problemas, ou é um homem desprovido ou é uma mulher. Ficar com sua genitália marcada na calça pode não ser tão perigoso para gerar processos quando tirar a calça de vez, mas com certeza criar um clima estranho no local de trabalho. E é bom você não se animar com nada. Nada. Mulher costuma até ter vantagens quando dá um “show” para as pessoas ao seu redor, homens não contam com a mesma boa vontade. Claro, todos esses problemas desaparecem quando você é muito atraente, mas convenhamos, a maioria de nós não se encaixa nessa casta privilegiada e precisa exercer um mínimo de bom senso.

Voltando ao problema: problemas com os testículos são problemas solitários. Você não pode ficar ajeitando. Tem homem que faz, mas todo mundo com um mínimo de educação vai te achar um selvagem que vai receber uma proposta 20% menor pelo abuso de mexer em sua genitália em público. E não, não existe ajuste discreto de bolas. Todo mundo vê. Todo mundo que não está diretamente interessado em fazer sexo com você nos próximos 10 segundos te odeia instantaneamente. Que você sempre vai encostar em alguma mão que já encostou em bolas é um fato da vida, mas não é um que queremos ser lembrados. Não se ajusta testículos em público, ponto. E como é um problema quase sempre causado pela calça, não vai parar com um ajuste só.

Para as mulheres que acham que sofrem (sem razão) por suas roupas de trabalho, lembrem-se que bolas são dinâmicas: elas têm espaço dentro e fora do corpo masculino. O famoso encolhimento gerado pelo frio não é encolhimento, é recolhimento. Elas voltam para dentro do corpo. Isso permite muita margem de manobra para um ajuste eventual, mas também significa que elas podem se ajeitar sozinhas em qualquer posição intermediária por conta própria. Se houver calor suficiente, elas vão sair de novo e de novo. Vivemos num país quente, faça as contas.

E continuando o tema de explicar para as mulheres (todo homem concorda comigo já), vamos falar sobre dores e dores: um incômodo no pé começa a doer depois de um tempo, um incômodo na cintura apertada vai te irritando, mas um incômodo nas bolas dói imediatamente e já liga todos os alertas de perigo do seu corpo desde o começo. Não há concentração quando seu corpo diz que a sua parte mais importante (o imbecil do meu corpo acha que eu tenho que ficar fazendo filhos) está ameaçada. E dor no saco é algo totalmente fora do padrão de outras dores: mulher só reclama de parto porque nunca tomou um chute no saco. Não é só dor, é cada fibra do seu ser aterrorizada ao mesmo tempo. Homem com saco doendo está pronto para matar ou morrer para controlar a situação. Aliás, antes que alguma de vocês venha falar de eu fazer pouco das dores femininas: mulher adora citar maior resistência à dor como uma das vantagens do gênero. Oras, se você tem essa vantagem, deve obrigatoriamente aceitar que homem sempre reclama com mais razão de dores…

Onde eu estava? Ah, e nem tem aquele alívio psicológico de reclamar da dor para os outros. Às vezes tudo o que você precisa é expressar seu incômodo. Falar ajuda. Se a peça de roupa aperta a barriga ou o sapato incomoda, muita gente vai ser empática ou prestativa, mas, se você diz que suas bolas estão doendo para colegas de trabalho, torça para ser o chefe, porque senão a sua carta de demissão começou a ser escrita. Sofrer com testículos comprimidos é sofrer sozinho, e não, homens não costumam ter esse grau doentio de intimidade com outros homens como mulheres tem: não falamos sobre nossas bolas e esperamos que ninguém fale das suas para nós. Mulher é capaz de discutir com recém-conhecidas a cor do seu corrimento se não tiver homem por perto, mas homem não dá esse tipo de abertura pra outro marmanjo.

Sofrimento que dura o dia de trabalho todo, que não tem solução simples, que não pode ser ajustado ou mesmo comunicado para gerar um alívio mental… a maior diferença entre homens e mulheres com suas roupas de trabalho é que nós não reclamamos. Mesmo que tenhamos todo o direito.

Para dizer que estava com saudade dessas picuinhas, para dizer que tem que ter bolas para falar isso, ou mesmo para dizer que quando estava começando a me admirar eu vou e escrevo este texto (decepção é a especialidade da casa): somir@desfavor.com

SALLY

Entre todas as peças de roupa (sapato incluso), qual é a que gera o maior desconforto quando veste de forma incômoda?

Qualquer coisa apertada que comprima as costelas. Dor em qualquer lugar é incômodo, mas não poder respirar é um plus ao qual eu não estou disposta.

Mulheres nascem cientes de uma regra básica de vestimenta: salvo raríssimas exceções, ou é confortável, ou é bonito. Desde cedo nos acostumamos a todo tipo de desconforto. Pode ser (e tomara) que isso mude no período pós-pandemia e a humanidade descubra que a chave para a evolução espiritual é ir trabalhar de pijama e pantufas. Uma pessoa em pijama não quer guerra com ninguém. Mas até então, uma mulher que precisava se vestir para trabalhar sofria.

Salto alto, por si só, é um sacrifício. Não é a pisada humana natural. Tem sempre um ferrinho do sutiã que extrapola o tecido e te perfura, uma calcinha que entra na bunda, um cabelo preso que dá dor de cabeça, uma maquiagem que derrete e meleca sua cara e arde seus olhos. E nem sempre existe a possibilidade de não fazer uso destes recursos.

Já trabalhei em muito lugar onde determinado sapato, cabelo preso ou tipo de maquiagem me era exigido. Então, acho que posso dizer que em matéria de desconforto, eu tenho uma vasta experiência. Inclusive desconforto somar ao calor de 55° do Rio de Janeiro, o que deve me tornar pós-graduada em desconforto.

Depois de décadas de desconforto extremo eu lhes asseguro que nada é tão tortuoso quanto passar o dia com qualquer peça de roupa que te comprima as costelas, que impeça a respiração normal e o pleno funcionamento do aparelho digestivo. Na primeira metade do dia, é muito ruim. Na segunda metade do dia, depois do almoço, com a região abdominal devidamente estufada, é incapacitante.

Talvez você inocentemente ache que apenas um espartilho comprimiria essa região. Se você pensou isso, sim, você é um privilegiado. Existe uma infinidade de roupas que podem violar, simultaneamente, seu sistema respiratório e seu sistema digestivo: desde um vestido tubinho (principalmente aqueles com zíper) até um sutiã tomara que caia. É provável que todas as mulheres com alguma vivência já tenham passado por essa sensação vil de sentar e ter seus pulmões esvaziados contra sua vontade.

Isso sem falar nas loucas que atocham uma cinta modeladora por livre e espontânea vontade, para tentar conseguir uma silhueta mais fina durante o dia. Gente que faz isso se ama muito pouco. O grau de desconforto que isso gera não é negociável e, se você precisa de um troço desses, desculpa a sinceridade, mas você continuará com um look gordo com ou sem a cinta.

Na verdade, sai da esfera do desconforto. Compromete funções vitais. Faz sentir enjoo, falta de ar, dor de cabeça. Dá tristeza, tira a vontade de viver. Esta afirmação vem de uma categoria de pessoa que lida com naturalidade com escolhas como passar o dia ajeitando a porra da blusa para alça do sutiã não aparecer X passar o dia puxando o sutiã tomara que cai discretamente para cima, de modo a que ele não vá parar na cintura.

“Mas Sally, basta comprar uma roupa que não aperte”. Se você pensa assim, você é um privilegiado também. Não sei vocês, mas eu, principalmente quando trabalhava e tinha que comer na rua, tinha um corpo às oito da manhã e outro corpo completamente diferente às 18hs. Não sei dizer se era a alimentação, o estresse, o calor ou tudo junto, mas o que ficava folgadinho pela manhã me matava após as 14h.

Ou você come apenas aipo o dia inteiro e medita em vez de trabalhar, ou seu corpo vai mudar durante o dia. O que nos leva a um novo dilema: ou você vai trabalhar mal vestida (sim, eu acho roupas muito justas ou muito folgadas estar mal vestida) ou, em algum momento você vai passar por esse desconforto. Sejamos sinceros: roupa de baixo você ajeita, nem que para isso precise dar uma passadinha no banheiro, mas algo que transformou seu pulmão em uma bexiga de aniversário vazia, que comprimiu seu tórax emulando um infarto, não tem como remediar.

E mesmo que você, mulher, coma aipo o dia inteiro e medite em vez de trabalhar, as oscilações hormonais mensais poderão fazer você inchar feito um baiacu e, ainda assim, você terá que passar por essa fascinante experiência de viver comprimida e o melhor momento do seu dia ser a hora de tirar a roupa ao chegar em casa. Homens nunca saberão o grau de desconforto que isso gera.

Uma calcinha incomodou? Uma cueca incomodou? Liberte-se. Vá ao banheiro e tire a peça de roupa. Aproveite e jogue no lixo essa desgraça. Ninguém vai saber que, por debaixo daquela calça não tem nada. Não foi possível remover a roupa de baixo? Bem, talvez você ganhe uma assadura, que qualquer Hipoglós resolve. A compressão das costelas impede um raciocínio normal, gera sintomas físicos, danos a longo prazo.

Ao não poder respirar bem, ao reduzir a capacidade de oxigenação do seu corpo, tudo funciona de forma precária, inclusive seu cérebro, que, no geral, costuma ser bem importante para executar um trabalho na melhor das capacidades. Além disso, ao ter dificuldades digestivas e dores, o poder de concentração da pessoa cai absurdamente. Some-se a este cenário tenebroso que a maioria das pessoas trabalham sentadas, o que potencializa o desconforto.

Em todas as outras peças do vestuário é possível “roubar” e, de alguma forma, atenuar o desconforto. Sapato machucando ou apertando? Tira discretamente por debaixo da mesma e deixa o pé apenas apoiado nele. Calcinha ou cueca apertando? Tira no banheiro ou dá uma ajeitada discreta. Calça jeans com botão quase estourando depois do almoço? Abre discretamente o botão e joga a blusa por cima.

Pra tudo tem jeito, menos para essa atrocidade que são as roupas femininas que comprimem o tórax… e o que não tem alívio sempre será mais sacrificante.

Para dizer que quem não tem testículos não tem lugar de fala para debater esta questão, para dizer que é a favor do pijama como única roupa possível ou ainda para dizer que deveríamos falar do coronavírus em vez de discutir futilidades: sally@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (17)

  • Um belo dia resolvi usar um jeans que já estava quase 2 números abaixo do meu corpo. De manhã ele entrou que era uma beleza, ao longo do dia comecei a ter dores que nunca havia sentido antes. Desde então, passei a odiar jeans e nunca mais comprei nenhum.

  • Eu não sei onde que calça ou cueca aperta as bolas. E comigo é o contrário, chegar com a roupa ajustadinha e no final do dia precisando apertar o cinto pra calça não cair. Não sei que diabo de metabolismo é o meu.

  • Não gosto de usar certas peças de roupa que ficam me espremendo e entendo bem o ponto de vista da Sally, mas eu também vou ficar com o Somir nessa. Calças e cuecas que apertam no saco são um saco! É o tipo de incômodo que não deixa pensar em mais nada, sem falar no constrangimento que é tentar ajeitar as bolas, ainda que discretamente. Qualquer coisa que cause tanto desconforto no ponto mais vulnerável do corpo masculino torna um homem simplesmente incapaz de se concentrar, quanto mais de produzir. E é por isso que até hoje eu não entendo como tinha gente em lugares em que já trabalhei que faziam questão de usar aqueles jeans super-atochados estilo Zezé DiCamargo. Um cara que veste aquilo por muito tempo acaba ficando é estéril.

  • Olha, os argumentos da Sally são bem válidos, mas fico como Somir nessa só pelo senso de sororidade mesmo (é esse termo mesmo? rs), ou melhor dizendo, só porque tenho bolas no meio das pernas mesmo. Realmente, é terrível qualquer incômodo relacionado a cueca ou calça apertada, pelo amor! Deixem as bolas em paz!

  • Saia justa que tolhe os movimentos e te obriga a andar igual uma gueixa, salto alto e qualquer coisa que aperte a barriga!

  • Uns anos atrás comprei um espartilho pra usar. Achava lindas aquelas mulheres de cintura bem marcada nas fotos. E realmente fica bem bonito no corpo porque dá a impressão de que você tem o “corpo violão”, mas é só isso também. De resto é zero praticidade, mobilidade e conforto. Usei pouquíssimas vezes e larguei pra lá. É aquele tipo de peça que só serve pra usar pra tirar umas fotos elaboradas, não sei nem como tem mulher que aguenta usar esse troço até pra ir em shows/barzinhos (como eu já vi).

    • É um horror, um instrumento de tortura. Essa pandemia me deixou revoltadíssima pelo uso contínuo de pijama, minha tolerância para roupa caiu em 1000%.

  • Melhor coisa que eu fiz foi cursos de costura, há anos desenho e faço minhas próprias roupas, do meu jeito, com tecido e material que eu escolho. Dá um trabalhinho, mas compensa :)
    Fico com a Sally porque pulmão pressionado é a pior sensação possível! E pra quem tem pressão baixa então… o mundo inteiro fica girando.

  • Eu sou a favor que homens pudessem usar saias. Roupas não deveriam ter gênero. Agora sutiã e salto alto é de f.
    Gosto muito de ler vocês. Ab y

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: