Enquanto isso…

Enquanto isso, num comitê de campanha:

MARKETEIRO: Não vai ter jeito… nessa eleição você vai precisar fazer isso.
CANDIDATO: Olha… eu ainda estou ouvindo piada por causa daquela caralha dos gatos…
MARKETEIRO: Você foi reeleito, não? Confia em mim.
CANDIDATO: Mas não vai dar certo, eu não sou preto.
MARKETEIRO: Não precisa ser preto.
CANDIDATO: Eu não vou dizer que vidas pretas importam?
MARKETEIRO: Sim!
CANDIDATO: Mas eu sou branco!
MARKETEIRO: Você e o Neymar…
CANDIDATO: O que foi?
MARKETEIRO: Doutor, pensa comigo, já não dá mais para virar pastor ou comprar um a essa altura do campeonato. Vamos ter que fazer algo diferente.
CANDIDATO: A equipe do Paulinho conseguiu um pastor pra ele, o que vocês ficaram fazendo até agora que não conseguiram um pra mim? O Paulinho é dono de puteiro, come a enteada, cheira pra caralho e vai ter voto de crente. Eu não… pode isso?
MARKETEIRO: O senhor não deveria ter mandado dar uma surra no Pastor Edelmiro. Isso pegou mal na comunidade deles, a gente não conseguiu falar com ninguém…
CANDIDATO: Aquele filho da puta estava entrando no meu esquema do INSS, tem que ter ordem nessa cidade. Não é só porque um baiano botou um terno e segurou uma bíblia que eu tenho que engolir.
MARKETEIRO: Entendo, doutor. Mas o Edelmiro tem força na comunidade evangélica. Fechou as portas pra gente.
CANDIDATO: Quando eu comecei, eles não se metiam nos nossos esquemas e nós não mexíamos nos esquemas deles. Agora todos são políticos também.
MARKETEIRO: Mas ainda tem bastante gente pra votar nessa cidade. Vamos olhar para o povo negro. Eles estão sem representação.
CANDIDATO: Nem preto quer ver preto mandando nas coisas! Hahaha! Não é mesmo?
ASSESSOR: Hahaha! Boa, doutor!
MARKETEIRO: Doutor, o senhor não pode mais falar essas coisas.
CANDIDATO: O Tição é preto e eu confio nele para fazer a segurança da minha família há mais de 10 anos. Ele é meu amigo, não sou racista.
MARKETEIRO: Doutor, nem isso mais pode dizer. E durante a campanha, acho melhor chamar o seu segurança pelo nome.
CANDIDATO: E eu sei lá o nome do Tição?
MARKETEIRO: Ele não era seu amigo?
CANDIDATO: Sim, mas não de ficar conversando.
MARKETEIRO: Estagiário?
ESTAGIÁRIO: Senhor?
MARKETEIRO: Vai lá fora e pergunta o nome do Tição.
CANDIDATO: Mas e aí, eu vou ter que tirar foto abraçando preto que nem fiz com os gatos?
MARKETEIRO: É, mais ou menos assim. Mas o importante é ser consistente no discurso. Vidas negras importam!
CANDIDATO: Não é melhor dizer que todas as vidas importam? Aí pode ser que eu pegue uns votos a mais dos brancos, dos pardos, dos japas…
ASSESSOR: Boa ideia, aí todo mundo vota no senhor.
MARKETEIRO: Não, senhor.
CANDIDATO: Olha, tem bastante japonês nessa cidade, hein? A gente faz mais uma arte lá com… vidas amarelas importam!
MARKETEIRO: Não ia pegar bem…
CANDIDATO: Já saio de olho puxado na foto. Vidas amalelas! Hahahaha! Japonês vota bem, viu? O Samurai lá do mercadão entrou de suplente eleição passada.
MARKETEIRO: Doutor, a gente tem que concentrar no que está na moda agora. Pouca gente ainda entrou nessa onda dos negros aqui no Brasil. O senhor vai sair na frente.
CANDIDATO: A gente pode fazer um evento lá naquele terreiro de macumba perto do centro?
ASSESSOR: Separo uma galinha, senhor?
MARKETEIRO: Não! Aquilo é Umbanda, não é macumba.
CANDIDATO: Não… vai dar merda. Se os crentes me olham lá com os macumbeiros, nunca mais votam em mim.
MARKETEIRO: Vamos ficar numa coisa mais simples. O doutor fala na campanha sobre racismo estrutural…
CANDIDATO: Tá certo, melhor não me comprometer com nada de verdade. Depois que chega lá na câmara, não vai dar pra passar nada mesmo, eu estou brigado com o líder. Vou te dizer, esses viados não conseguem ficar longe do meu esque…
ESTAGIÁRIO: Malaquias!
CANDIDATO: Malaquias? Isso é o nome do Tição?
ESTAGIÁRIO: Sim, senhor.
MARKETEIRO: Agora o doutor o chama de Malaquias.
CANDIDATO: Que nome merda. Ninguém vai respeitar segurança chamado Malaquias. Tição bota medo.
ASSESSOR: É verdade.
MARKETEIRO: Tição é um apelido racista para negros. Não pode usar.
CANDIDATO: Porra, não quer mesmo tentar o negócio dos japas? Não vai prestar esse negócio dos pretos.
MARKETEIRO: É isso ou o doutor não se reelege. As pesquisas não estão boas.
CANDIDATO: Tá bom. O que os pretos querem então? O que eu prometo?
MARKETEIRO: O foco atualmente é no tratamento que os policiais dão para os negros na sociedade. Muito violento.
CANDIDATO: E me indispor com a polícia? Amigo, metade do que eu faço depende de colaboração da corporação, entende?
MARKETEIRO: Programas sociais?
CANDIDATO: Dinheiro sempre ganha voto… já sei, tipo um bolsa família, mas só pra pretos.
MARKETEIRO: Talvez, numa linha de reparações pela escravidão… não sei se daria certo, mas tem potencial de…
CANDIDATO: Mala preta! Hahahah!
ASSESSOR: Hahahah!
MARKETEIRO: A gente pensa num nome depois. Mas será que isso fala com o público negro?
ESTAGIÁRIO: Não é melhor perguntar para o Malaquias?
CANDIDATO: Quem?
ASSESSOR: O Tição.
MARKETEIRO: Não… segurança não entende dessas coisas.

Para dizer que não sabe de que lado eu estou, para dizer que a reeleição é garantida, ou mesmo para dizer que vidas políticas não importam: somir@desfavor.com

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