Birra incurável.

O presidente Jair Bolsonaro disse na noite de quarta-feira que a Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech contra a Covid-19 e testada no Brasil pelo Instituto Butantan, não será adquirida pelo governo federal, mesmo se for autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). LINK


Isso é o brasileiro médio com poder. Desfavor da Semana.

SALLY

Semana de esmerdeio total, senhoras e senhores, peguem um saco de pipoca, pois o show acaba de começar!

O Ministério da Saúde, com o a ciência e consentimento de Bolsonaro, comprou milhões de doses da Sinovac, a “vacina chinesa”, que, por uma ironia do destino, vem se mostrando a mais segura entre todas as vacinas que estão sendo testadas.

Depois que essa notícia veio a público, a pressão nas redes sociais (vulgo “opinião de tuiteiro”) fez com que Bolsonaro mude de ideia e seu ego frágil (ou um esporro do Trump, não sabemos) o fez surtar, desautorizar o Ministro da Saúde e mandar desfazer a compra da vacina “por causa da sua origem”.

Para justificar tal rompante, Bolsonaro usou frases que não se sustentam. Alegou, por exemplo, não querer usar o brasileiro como cobaia. Ora, o brasileiro já estava sendo usado como cobaia para os testes dessa vacina e de outras há meses com o conhecimento e consentimento do Presidente.

Além disso, se a Sinovac chegar ao mercado, o brasileiro não será cobaia, pois os testes estarão concluídos e publicados para que todos os médicos e cientistas do mundo possam ver. E mesmo que não estivessem, para quem prescreveu cloroquina (sem comprovação científica) como protocolo de tratamento e quando usou precisou fazer dois eletros por dia para ter certeza de que o coração não ia pifar, não faz sentido vir falar em segurança e ciência agora.

Mas, se todo o problema fossem as contradições… A postura do Bolsonaro foi risível, infantil, típica de desempoderado. Bravateou frases dizendo que é ele quem manda e não vai permitir que tirem sua autoridade e disse que a coisa funciona assim, quem tem poder manda, quem é inferior hierarquicamente obedece. Imagina o quão desempoderado esse homem está para precisar ficar berrando o quanto ele manda!

Ainda começou o processo de fritura do Ministro da Saúde, o terceiro desde que a pandemia, dizendo, em público, que ele “estava se achando”, ”assim como o Mandetta”, primeiro Ministro fritado. Quando a pessoa briga com todo mundo, quando a pessoa critica todo mundo, quando a pessoa se desentende com todo mundo, o problema provavelmente está na pessoa, não em todo mundo.

É oficial, conforme prevíamos, politizaram a vacina e vai dar muito problema com a Sinovac. Apesar de existir uma lei (assinada pelo Bolsonaro, sobre a qual já falamos aqui) que autoriza a vacinação obrigatória, agora o próprio Bolsonaro trata isso como um absurdo ditatorial. Curioso, logo ele que sempre defendeu uma ditadura…

A questão já está no STF e, a julgar pela forma como o Supremo decidiu em toda a pandemia, é provável que ele deixe a critério dos Governadores se a vacina será obrigatória ou não. Essa é uma discussão não qual vamos entrar hoje, mas fatalmente, um dia vamos ter que falar sobre isso. O ponto hoje é outro.

Bolsonaro nunca escondeu quem era e esta postura destrutiva para com o país era esperada. Então… onde está o grande desfavor?

O grande desfavor é que o brasileiro médio é exatamente igual ao Bolsonaro, só que sem poder, por isso não fica tão escancarado. Cansamos de ver pessoas que partem das mesmas premissas bostas que ele e que o criticam ferozmente. Pessoas que fazem a mesma coisa (só que não tem tanto poder ou são o outro lado da moeda) e, ainda assim, o demonizam.

Meus queridos, o Brasil é composto, majoritariamente, de pequenos Bolsonaros sem poder. E talvez você tenha atitudes bolsonáricas em você (mesmo que não seja a regra) e nem perceba. Quem está muito ocupado sempre apontando o dedo para o outro não percebe e, se não percebe, não pode corrigir.

Erra tanto quem vê Bolsonaro como um mito a ser idolatrado como quem vê nele um demônio que merece morrer. Bolsonaro é apenas um idiota com poder. Dê esse mesmo poder a cada um dos brasileiros e avalie quantos se saem melhor do que o Bolsonaro. Parem de glorificar idiotas alçando-os à condição de bandidos, de inimigos, de pessoas grandiosas do mal. Idiotas são apenas idiotas.

Hora de admitir que o Brasil é um país de idiotas, de desempoderados e de vira-latas que precisam desesperadamente provar seu poder. De ególatras que tomam cada decisão pensando no que é melhor para si, para seu grupo, para o seu nicho e nunca na coletividade. Ficar xingando o Bolsonaro e não corrigir o erro que está ao seu lado, na sua casa, no seu círculo de amizades, no seu relacionamento, é contribuir para que continue tudo como está.

Repudia o Bolsonaro? Beleza, sagrado direito seu. Mas cada vez que cada pessoa à sua volta tomar uma decisão pensando em si, no seu grupo ou no seu nicho, tem que repudiar da mesma forma, ainda que seja conveniente para você. Sempre que o EU estiver à frente do todo, do coletivo, a mesma sensação e reprovação deve surgir. Nem precisa comprar briga, basta ter a consciência de que não é esse o caminho e não colaborar para ele, mesmo que ele te favoreça.

Pegar o Bolsonaro como símbolo de tudo que é ruim e continuar praticando ou tolerando essas mesmas coisas ruins em escala menor só vai manter o país nesse atraso civilizatório cada vez maior no qual ele está se enfiando: “Ele é vilão! Ele é vilão! Olha pra ele! Fala dele! Vamos todos criticar ele assim ninguém olha para o que nós estamos fazendo”.

Não adianta ser professor de história super politizado e de esquerda, mas votar num merda que sabe ser escroto e corrupto pois é ele quem aumenta o salário dos professores. Não adianta aceitar suborno pois “tem uma família para cuidar”. Não adianta fazer nada do que você recrimina e esperar que o país mude para melhor pois da boca para fora você critica e condena esse ato. É clichê mas é verdade: seja você a mudança que você quer ver no mundo.

Basta de manifestação, protesto, hashtag em rede social, cobrando coisas fora. Hoje, só de muda o país e de uma forma: faça você a sua parte e pare de focar nos outros. Mude você, a mudança vem de dentro. Seja você a mudança que você quer ver no mundo, pois se você não mudar, seu entorno vai continuar o mesmo, não importa o quanto você xingue em rede social.

“Mas Sally, se só eu mudar vou ser um otário pois mais ninguém vai mudar”. É esse tipo de pensamento que mantém o país estagnado. Foda-se o resto, você não é otário, não se meça pelo resto. Faz o seu e ponto final. Tire o foco no externo (Trump, Bolsonaro ou qualquer outro) e coloque o foco no interno, para corrigir o que existe deles dentro de você. E tem, vai por mim, todo brasileiro tem algo de Bolsonaro dentro de si.

Em vez de criticar os outros, façam autocrítica. Essa é a forma de mudar o mundo. Caso não tenham percebido, ficar reclamando pra caralho de cada fuckin’ Presidente há décadas, não adiantou muito. Impeachment não adianta nada, pois para cada filho da puta que sair tem cem filhos da puta na fila para entrar.

Tentem esse outro caminho, só para variar. Não tem que matar o Bolsonaro, se você quer um país melhor, tem que matar o Bolsonaro que tem dentro de você – e o primeiro passo para isso é admitir que ele está lá.

Para dizer que a culpa não é sua e é sempre dos outros, para dizer que não paga a assinatura premium do Desfavor para ser responsabilizado por nada ou ainda para dizer que prefere viver apontando o dedo para os outros para não ter que olhar para sua própria vida: sally@desfavor.com

SOMIR

Muita gente ainda confunde nossa forma de falar sobre o Bolsonaro como uma espécie de apoio velado. Batemos, mas não batemos da mesma forma que batíamos em Lula e Dilma, por exemplo. A explicação é muito mais simples do que qualquer conspiração: Bolsonaro é transparente. Se depois de quase dois anos de governo você ainda não percebeu quem é o presidente brasileiro, você estava escondido numa caverna esse tempo todo.

No caso dos presidentes petistas, havia uma preocupação maior em esconder o jogo. O desejo de se perpetuar no poder a qualquer custo podia ficar camuflado atrás de programas sociais e discursos teoricamente corretos. Mas, quando Bolsonaro chegou ao poder, seus defeitos ficaram evidentes: só não vê quem não quer. Ele mesmo faz questão de expor sua falta de noção, orgulhoso disso.

Por isso, quando falamos do Bolsonaro, estamos mais preocupados em expor o quanto os defeitos dele se assemelham ao do brasileiro médio. Sem o verniz de uma assessoria minimamente, realmente acreditamos que ele representa boa parte deste povo. Bolsonaro é o brasileiro com poder. Um povo traumatizado com um Estado ineficiente e acostumado a dar jeitinho para tudo. Sempre pronto para brigar por causa de um complexo de inferioridade latente, preferindo pensar sempre no curto prazo.

Como eu já disse, não isenta Bolsonaro da culpa por decisões terríveis como a desta semana; a de minar o esforço contra uma pandemia que matou tanta gente e atrapalhou muito a vida da humanidade em 2020. Fazer birra contra a vacina chinesa cria problemas para a população, que pode ficar novamente exposta a uma descoordenação total que custa vidas. E tudo isso sem base científica nenhuma.

Bolsonaro supostamente fez o que fez pensando na eleição de 2022, tentando enfraquecer o possível adversário que terá em Dória, e como bônus, deu mais uma inflamada na sua base fanática que acha que vacinas são armas da elite satânica pedófila para fazer seus filhos virarem autistas. Não tem função prática no trabalho atual dele, e, pra falar a verdade, mesmo como estratégia política é uma furada: um povo com memória curta como o brasileiro só vai se importar com o que acontecer nos últimos três meses antes da próxima eleição para presidente.

E eu digo supostamente porque depreender estratégia de longo prazo vinda de Bolsonaro não parece um cenário realista. Ele faz o que sente vontade de fazer a qualquer momento, só pode ser controlado com o prospecto de perder o cargo ou ter seus filhos presos, de resto, é 100% coração 100% do tempo. Sentiu-se diminuído? Bate em quem estiver na frente até se sentir poderoso de novo. Está longe dos holofotes? Derruba quem estiver ganhando a atenção que ele quer pra ele. E que se exploda a função que deveria exercer…

Conhece o tipo? Se você tem chefe, boas chances que conheça. Eu lembro de ter uma conversa com a Sally muito tempo atrás quando ela me fez perceber algo que eu jamais tinha considerado: o burro normalmente sabe que é burro, mas não são muitos que sabem lidar com isso. E quando você começa a aplicar essa teoria na prática, percebe como isso explica muita coisa nas relações humanas, inclusive as profissionais. Quando mais limitada a pessoa, maior a chance dela ser agressivamente arrogante quando confrontada. Pudera: não tem muitas ferramentas além de intimidação.

Mas como boa parte da nossa sociedade não permite mais resolver as coisas na porrada, essa gente tem que achar formas de usar sua única capacidade de auto afirmação dentro das regras sociais vigentes. Todo mundo pode ser ignorante sobre um ou vários temas, mas se você tem um mínimo de inteligência, consegue aprender ou pelo menos delegar a função para quem já tenha aprendido. Mas, se você além de não saber ainda não tem capacidade ou vontade de aprender ou delegar, a coisa fica muito complicada.

Bolsonaro é um chefe médio, uma pessoa que não se preparou para comandar outras pessoas, que não sabe muito bem o que está fazendo, que fica extremamente insegura e desconta nos outros na primeira chance. O burro sabe que é burro, mas os que não sabem lidar com isso ficam abertos para sofrer constantemente. O que é um problema até para o trabalho que se dispõem a fazer: a incompetência galopante que vemos no Brasil é falta de conhecimento sim, mas ela acaba gerando processos ineficientes por teimosia e insegurança de gestores.

Preferem falir a empresa a escutar alguém que entende do assunto. O mais importante é continuar mascarando o sentimento de inferioridade. Bolsonaro vai arriscar qualquer resultado negativo no combate à pandemia se isso significar que ele continue se sentindo poderoso e não tenha que pensar sobre como o problema que surgiu no seu caminho era muito maior que sua capacidade.

Inteligência não é saber tudo, porque ninguém sabe tudo. Inteligência é saber lidar com as informações que recebe. Tem gente inteligente que nunca aprendeu a ler, tem gente burra que usa palavras rebuscadas para defender suas teses incoerentes. O Brasil sofre com ignorância, é claro, mas eu diria que sofre muito mais com burrice: gente que até estudou um pouco para fingir que sabe do que está falando, mas que no fundo sabe que é uma fraude e faz de tudo para não ser exposta.

Tudo menos o que precisa fazer. É melhor humilhar mais um ministro da saúde no meio da pandemia do que ir estudar as melhores formas de reduzir os danos da doença, ou mesmo delegar as decisões para quem fez por merecer. Que Bolsonaro é uma criança birrenta tudo mundo já deveria saber, mas talvez olhar para ele te ajude a encontrar situações na sua vida onde você deixou a burrice vencer. Cada vez que eu vejo uma coisa dessas, eu tento lembrar quando eu fiz algo parecido e onde eu já errei por burrice. E, pra falar a verdade, sinto que já tive um avanço ou dois desde que ele foi eleito. Combate à burrice é um trabalho sem fim…

Podemos reclamar muita coisa do presidente, mas não que ele não dá um exemplo.

Para reclamar do seu chefe, para dizer que vai esperar a gente tomar a vacina primeiro (obrigado pelo lugar na fila), ou mesmo para dizer que só faltava o Dória ser o próximo presidente: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Bizarro ver brasileiro médio gritando que não quer se vacinar agora em dezembro. Eles realmente acham que o público em geral vai receber vacina em dezembro, assim de cara?

    • Falar qualquer um fala. Na hora em que ele mostrar estudos científicos revisados pelos pares e publicados em revistas científicas de credibilidade, aí eu me digno a dar holofote a ele e falar sobre o assunto. Antes disso, não passa de achismo idiota. Não vou dar voz/importância a achismo idiota. Não vou reverberar idiota que quer aparecer.

  • Podemos reclamar muita coisa do presidente, mas não que ele não dá um exemplo. Mesmo que seja exemplo do que NÃO fazer…

  • Capitão Impressionante

    País patético, com um presidente patético, que age de forma patética. Tem como dar certo? NÃO. Bolsonaro parece que até agora não entendeu onde está e a importância do cargo que ocupa.

    • Tem que mudar a partir do povo. Enquanto não mudar a mentalidade atrasada do povo, vai ser isso aí. Em vez de jogar pedras no Presidente, cada pessoa deveria fazer uma autoanálise, refletir e tentar melhorar.

  • É óbvio que a melhor vacina é da China, o vírus é deles, então eles sempre tiveram o antídoto. As de outros países tão dando merda. O Bozo tá criando caso só porque é rival político.

    • Não é nada óbvio. Mesmo que fosse verdade essa teoria da conspiração de que a China “criou” o vírus, uma vez que você solta um vírus, ele sofre mutações que fogem ao controle do criador impossibilitando uma vacina. Você tem segundo grau completo?

  • “Ora, o brasileiro já estava sendo usado como cobaia para os testes dessa vacina e de outras há meses com o conhecimento e consentimento do Presidente.”
    Na verdade brasileiro é usado de cobaia há décadas, mas pra outras coisas…

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