Stalkers

Não tem muito clima para comemoração neste ano bizarro, então, decidimos fazer deste aniversário do Desfavor algo de utilidade pública. Vamos compartilhar alguns aprendizados adquiridos ao longo destes 12 anos, quem sabe eles não podem ser úteis para alguém.

Começo eu, falando sobre algo que vivenciei muitas vezes aqui, felizmente um ambiente controlado, que me permitiu fazer várias experiências para entender melhor alguns mecanismos de funcionamento: Stalkers.

A ideia padrão do stalker é aquela pessoa apaixonada por outra que não consegue superar os próprios sentimentos e a persegue, se faz presente contra a sua vontade, muitas vezes de forma intimidatória na esperança de que a outra mude de ideia e decida reatar ou ter um relacionamento. Mas existem muitas outras formas e motivações para stalkear alguém.

Neste mundo virtual fascinante em que nos ancoramos, as bizarrices sempre podem desdobrar para algo mais patético. Após mais de uma década de Desfavor, pudemos observar algumas modalidades bastante peculiares de tentativas de stalking que surpreendem por sua mediocridade e deprimência (eu sei, a palavra não existe, mas deveria).

Nunca falamos sobre isso por considerar estas pessoas patéticas, que, além de tudo estão em extremos sofrimento, sendo seu pior castigo levar essa vida merda de vir tentar antagonizar com desconhecidos, mas, julgamos que depois de 12 anos lidando com elas, podemos dar conselhos que talvez ajudem quem esteja passando por algo similar.

Não somos profissionais de psicologia nem psiquiatria, portanto, o que você vai ler aqui é apenas um achismo de pessoas leigas. Mas com muita experiência e um tiquinho de pesquisa. Tente fazer algo todo santo dia (às vezes mais de uma vez por dia) por 12 anos e você provavelmente vai ganhar algum entendimento sobre o assunto. Ainda mais no nosso caso, pessoas curiosas por natureza.

Acreditem, fizemos todo tipo de experimento ao longo dos anos: falas compassivas, responder, confrontar, colocar o dedo na ferida, ignorar, ameaçar… e fomos observando os resultados. Não que seja possível prever todos os comportamentos humanos, mas sim, existem algumas tendências que podem ser úteis para quem está diante de uma situação similar e não sabe o que fazer.

O que você precisa ter em mente, antes de mais nada, é que o stalker tem sérios probleminhas. Não é algo que a pessoa escolha ser ou fazer. Foram detectadas alterações bioquímicas no cérebro da maioria das pessoas que apresentam esse comportamento. Portanto, parta da premissa de que não é uma pessoa “normal”, portanto, não se guie pelas normas que regem as pessoas “normais”, pois por esse caminho você não vai conseguir o resultado esperado.

Muitos motivos levam alguém a stalkear outra pessoa, mas a raiz é uma só: se você está sendo stalkeado por alguém, você despertou algum tipo de sentimento no stalker (paixão, ódio, projeção de algo que tem dentro dele ou muitos outros) e essa é a conexão que faz com que ele não consiga te esquecer.

Ele pode até sumir por um tempo, mas fatalmente ele volta, em busca de mais rejeição. Obviamente a culpa não é sua, não é nada que você tenha feito, existe gente que stalkeia pessoas que sequer conhece, como os stalkers de celebridades. É o que você representa para ele, o papel no qual ele escolheu te colocar, o que você simboliza que dão esse start nefasto.

A causa não está em você, está na mente fodida do stalker, que se distorceu desta forma por uma série de fatores. Provavelmente foi uma pessoa com uma infância medonha, com autoestima baixa, que tem uma vida merda e por isso precisa ficar tão focado na sua, que tem um traço de personalidade que o leva à compulsão ou apenas são pessoas infelizes, deprimidas ou ansiosas, que, quando não conseguem lidar com os próprios sentimentos, vão despejar o lixinho que tem dentro de si no seu quintal.

Mas, não importa o motivo, o que você deve ter em conta é que são pessoas infelizes, frustradas, perturbadas e escravas de uma compulsão. E, atenção, para que uma pessoa seja considerada stalker não é preciso que ela se faça presente todo santo dia. Muitas vezes o stalker tem fases: quando acontece algo na sua vida ou quando ele vê algo em você que é gatilho para suas questões mal resolvidas, a pessoa passa para descontar em você o próprio desequilíbrio.

Então, não é nada que você tenha feito, é algo que sua vida, sua opinião, suas escolhas despertaram na pessoa. Chega a ser previsível. Tem textos aqui que a gente sabe que serão gatilho de stalker, que muita gente vai vestir a carapuça e ter a certeza que foi escrito especialmente para ela. Imagina se a gente vai perder tempo escrevendo um texto de quatro páginas para um leitor que nem conhecemos… mas o stalker tem esse comportamento de achar que as coisas são direcionadas para ele. É um misto de paranoia com insegurança que turva sua realidade e o faz passar por esse vexame.

Daí você pode se perguntar: “se alguém desperta um gatilho de algo sofrido, por qual motivo o stalker insiste em continuar acompanhando essa pessoa?”. Como já falamos, são pessoas dodóis da cabeça, muitas vezes é uma forma inconsciente de provar a si mesmas como elas são rejeitáveis e patéticas (principalmente se tiveram uma infância que não lhes construiu uma autoestima saudável). Também pode ser a forma que elas encontraram de tentar lidar com essa dor: se expor a ela com frequência para tentar compreender o que estão sentindo. O que quero dizer é: não é culpa sua, o problema está dentro da pessoa.

Tanto é que acontece de pessoas stalkearem “Sally”, um fantasma, uma sombra, uma persona. Não é sobre a “Sally”, é sobre o que a fala da “Sally” desperta na pessoa, que em tese, deveria ser nada, pois é uma desconhecida jogando opiniões para o mundo. Quem é “Sally”? Quem você acha que é “Sally” diz muito mais sobre você do que sobre mim. Cada um de vocês projeta um significado e reage de acordo com ele.

Se tem um maluco de pé em um caixote em uma praça gritando que o mundo vai acabar, você não vai lá bater boca, certo? Mas, quando a fala dói, quando a fala atinge em cheio as inseguranças, se a pessoa não tiver uma autoestima muito boa, ela vai passar recibo de que doeu. Ela vai encontrar naquilo uma válvula de escape para materializar tudo que há de ruim, tudo que já a fez sofrer e vai atacar, na expectativa de se livrar dessa dor. Não adianta nada, a dor está dentro dela. O céu ou o inferno são portáteis, eles vão conosco onde quer que a gente vá.

Se fizerem isso com você, só há uma reação saudável possível: não pegue para você o que quer que a pessoa diga ou faça. Essa pessoa está te fazendo um convite para ir para o fundo do poço com ela, afinal, é sempre menos doloroso estar acompanhado. Não vá. Não aceite esse convite. Não dê à pessoa o poder de te afetar. Ele é e continuará sendo uma desempoderada, agindo como um viciado desesperado em busca de uma reação sua.

Sim, stalkers são como viciados: eles usam a informação que procuram como uma droga. São viciados na vida alheia, na intimidade alheia, na personalidade alheia, em confrontar a pessoa que stalkeiam. É um comportamento compulsivo, que muitas vezes a pessoa não pode evitar, como qualquer outro vício. Portanto, ao tratar com um stalker, não procure diálogo ou bom senso, você está falando com um viciado. Viciados mentem compulsivamente, viciados não tem palavra, viciados não tem controle dos seus atos.

E, como todo viciado, pode acontecer do stalker negar que seja viciado, arrumando desculpas que ele entende como válidas para seu comportamento. Desde o clássico “eu paro quando quiser” até o “mas essa filha da puta falou/fez tal e tal coisa”, como se algo que uma pessoa desconhecida fale fosse justificativa para dedicar seu tempo a ela. O stalker sempre tem uma justificativa que ele acha válida, mas que, aos olhos de pessoas sãs, soa patética.

Não que eu concorde totalmente, mas li um estudo que classifica os stalkers em cinco tipos e ri bastante: 1) o ressentido/invejoso; 2) o carente de afeto; 3) o cortejador incompetente; 4) o rejeitado e 5) o predador. Peguei emprestada esta classificação para falar do Predador, aquela pessoa que pode efetivamente te encontrar pessoalmente e te causar um mal real. Este é o stalker que tem que ligar uma luz de alerta, este é o stalker que pede providências.

O resto são coitados. Cabe a você não se deixar afetar por eles. Convenhamos, tem botão que bloqueia e silencia em tudo quanto é lugar, basta um clique a nada mais do que aquela pessoa diga chega até você. Olha que engraçado, o stalker estará falando sozinho, fazendo um papel ainda mais ridículo, coitado. Ignorar continua sendo a melhor opção. E ignorar não é apenas não responder, ignorar é não deixar que o stalker te afete de forma alguma com seus atos e falas.

O grande problema é quando o stalker tem acesso a você na vida real. Aí, dependendo do caso, ignorar é um risco. Infelizmente no Brasil, até a presente data, stalkear alguém, via de regra, não é crime (no máximo uma contravenção penal) e o assunto não é levado muito a sério pela polícia. Então, o conselho que eu te dou é que se você tem a mais leve desconfiança de que seu stalker pode ser ou se transformar no tipo Predador (amor vira ódio rapidamente em mentes desequilibradas e compulsivas), procure quem realmente pode te ajudar: um psicólogo ou um psiquiatra.

Juntos vocês poderão construir a melhor estratégia para desencorajar ou afastar o stalker. Ainda que envolva a polícia ou alguém suficientemente macho para dar um basta no abuso, suas chances aumentam se a forma como isso é feito passar por um bom profissional da mente humana. Ciente de que o risco existe, devo te dizer que os Predadores são uma pequena minoria, no geral, os stalkers são uns cagões que só tem coragem na internet. Mas, na dúvida, procure assessoria.

Os tipos mais comuns são os Ressentidos/Invejosos, que querem causar mal estar à vítima, fazendo com que ela sinta a mesma autoestima cagada que a pessoa tem ( o inferno é menos sofrido se a pessoa consegue arrastar outros para lá, normaliza seu sofrimento anormal) ou os Rejeitados, pessoas que, por algum motivo, foram excluídas de um convívio e não aceitam essa exclusão, tentando se fazer presentes à força (relacionamentos, grupos, etc.).

Por isso, insistimos: nada de conversa, nada de tentar ajudar a pessoa, nada de responder à tentativa de contato. Não há conversa possível com desequilibrado mental. Como já dissemos, muitas vezes a motivação para esse comportamento é um desequilíbrio bioquímico: excesso de Dopamina gera uma motivação e um desejo incontroláveis e diminuição da Serotonina desencadeia estados de depressão e ansiedade. É como achar que você pode tirar uma pessoa de uma depressão com uma conversa. Desequilíbrio bioquímico se trata com remédios. Palavras não reparam um desequilíbrio bioquímico.

Outro dado curioso: existe stalkeamento indireto. Perdi as contas de quantas pessoas tentaram arrancar o máximo de informações possíveis do Somir conversando comigo. Quase sempre são homens. Curioso, não? Essa fixação por outro homem, somada à falta de coragem de se aproximar do outro homem e perguntar o que quer saber. O ponto é: não colabore com stalkeamento, não passe informações de outras pessoas.

E, vamos botar alguns pingos nos “is” aqui: stalker não é só um ex-namorado escroto que não aceita o término. Para ser stalker não é necessário ameaçar, agredir, amedrontar. A pessoa pode ser stalker sem que nunca ninguém descubra o que ela está fazendo, apenas olhando em silencio. Então, se você tem por hábito abrir as redes sociais dos demais para vascular a vida alheia, sim, você é stalker e sim, você tem um problema. Pode ser normalizado por uma sociedade doente, mas perder tempo olhando para a vida alheia é um sintoma. Trate-se e você vai viver melhor.

Outro ponto importante: não é um problema de homens intimidando mulheres. Mulheres também stalkeiam homens e podem ser verdadeiras terroristas sem limites. Mas mulher tem algum aval social para fazer isso, é esperado um comportamento desequilibrado e passional de mulher, muitas vezes visto até como “prova de amor”. Lamentável, eu sei.

Por qual motivo vemos mais mulheres vítimas de stalker então? Por dois motivos. 1) Mulheres entram no jogo do stalker: se assustam, reagem, respondem. Muitas encontram um ganho secundário em alardear sua posição de vítima stalkeada, pois isso lhes rende afagos e privilégios. Não alimente o troll. Homens costumam ser melhores em ignorar pessoas descompensadas e não perder tempo com o que não é importante e 2) mulheres são mais fracas fisicamente, por isso é com elas que acontece uma tragédia quando o stalker se torna Predador.

Se o stalker representar uma ameaça real, é sim importante compartilhar isso com pessoas da sua confiança e com profissionais, mas não dar publicidade a toda a sociedade, se colocando em posição de vítima. Se o stalker for uma pessoa que não tem acesso a você, tenha santa paciência e não jogue confete para ele, apenas ignore.

Se ele não puder te alcançar fisicamente, o stalker terá a importância que você der a ele: se você não permitir que ele te afete, ele perde o poder e se torna uma criaturinha patética falando sozinha, expondo, sem perceber, suas maiores angústias e inseguranças. Quando o stalker fala de você, ele fala de si mesmo. Não pegue para você.

Se eu tivesse que resumir este texto em um conselho, seria este: não tem diálogo com stalker. Se é um merdinha online que vem jogar lixo no seu quintal, ignora ou bloqueia, é um infeliz que está em extremo sofrimento e é digno de compaixão. Se pode ser uma ameaça, pois tem acesso a você na vida real, não responda, não reaja, não se conecte de nenhuma forma, procure ajuda profissional e se comporte conforme orientação do psicólogo ou psiquiatra.

Pensa na merda que é a vida e a personalidade de uma pessoa que se faz presente onde sabe não ser quista. Não sintam raiva de stalkers, sintam pena. Deve ser uma merda viver em constante rejeição, escravo de um vício que só faz mal. Mantenha distância, uma hora alguém mais maluco que o stalker cruza na vida desse stalker.

Para dizer que stalker se resolve com muita porrada, para dizer que stalker são os outro você é apenas curioso ou ainda para dizer que os bastidores do Desfavor devem ser mais divertidos que o próprio Desfavor: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Detalhe: acho que o que a Sally fala no texto tem mais a ver com pessoas com traços de psicopatia, sociopatia entre outras “patias”, gente que é louca e absurdamente apaixonada por ti, tem uma fixação indescritível por outros. Isso sim é doentio.

    Confesso que nos idos da adolescência (época boa do orkuteeee! rs) eu era um pouco stalker sim, mas era só naquele nível bobo do tipo conseguir o CPF e nome da pessoa pra ver em que vestibular passou, ou se tem multa no DETRAN, ou tá devendo no serasa, ou algo do tipo. Digo “nível bobo” no sentido mesmo de que era sem intenção de fazer mal à pessoa.

    • Todos nós já fomos imaturos e tivemos comportamentos nocivos, faz parte do processo de amadurecimento. O que não pode é ficar estagnado e não evoluir, com o tempo a gente percebe que são comportamentos que fazem mal e vamos repensando os atos.

  • Recomendo a série You da Netflix, pra quem tiver a curiosidade de saber como funciona mais ou menos a mente de um stalker. É bem o que a Sally fala no texto: uma vida marcada por frustração e medo pode acabar por alimentar ilusões quanto a outras pessoas. Além de o stalker muitas vezes achar que não há nada de errado no que faz e que inclusive beneficia o alvo do “afeto”

  • Tinha um stalker aqui q te adorava Sally … vc baniu e ele voltava. Desistiu ou continua buscando sua atenção ?

    • Sempre voltam, todos. Nunca tivemos um stalker que tenha aceitado o banimento.
      Mas felizmente temos um mecanismo para mandá-los para a lixeira sem bloquear, o que nos permite não ter acesso ao que eles escrevem.

  • Sally,
    Não cheguei nem ao meio do texto e tive que vir logo comentar. Estou chorando enquanto escrevo, pois passei pela experiência de ter um stalker não uma mas duas vezes na vida, uma na adolescência e outra agora na idade adulta.
    Me culpei durante muito tempo, me questionei sobre o que tinha feito e finalmente ao ler tuas palavras pude sentir um imenso alívio de perceber que não fui eu…nunca fui eu…

    • Você não fez NADA

      Pessoas stalkeiam atriz famosa que nunca viram na vida. Ela fez alguma coisa? Não, ela nem sabe que o Fulano existe.

      É o significado que a pessoa escolhe dar a você, e isso está apenas na cabeça do outro. Portanto, livre-se dessa culpa: você não fez NADA para merecer isso.

  • Acompanho o Desfavor desde 2010 e só tenho a agradecer a vocês pelo tempo despendido para nos trazer diariamente tópicos tão ricos e interessantes. Parabéns e obrigada!

    • Nós acreditamos e praticamos quarentena, independente do que digam os lunáticos que estão no poder. Então, só se for bolinho virtual…

  • Até eu que sou um merda já tive mais de um stalker no pé, imagino vcs. Então poderiam ter explicado como faz pra se livrar deles.

    • Se o stalker não representar um perigo real, ou seja, se ele não puder te alcançar fisicamente, basta ignorar, não permitir que ele possa se comunicar com você.

      Se o stalker representar um perigo real, minha sugestão é que peça ajuda a um psicólogo ou psiquiatra para decidir qual é a melhor estratégia. Cada caso é um caso, cada stalker é um stalker, nada melhor do que um profissional da mente humana para te orientar.

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