Péssimo Ano Novo!

Último “Ele Disse, Ela Disse” do ano, então está na hora de mandar uma mensagem de esperança! Considerando que apenas um maluco estaria otimista para 2021, Sally e Somir discordam apenas sobre o quanto devemos temer. Os impopulares fazem seus votos.

Tema de hoje: você está pessimista ou muito pessimista para 2021?

SOMIR

Pessimista, mas com cautela. Com certeza podemos ver uma tempestade se formando no horizonte, mas no Brasil nem a desgraça é para ser levada tão a sério. Essa índole do nosso povo não é maldição dos índios ou resultado da falha no campo magnético sobre a região: é uma adaptação.

A gente fica puto da vida com a irresponsabilidade da mentalidade do brasileiro médio e com a precariedade que é nosso Estado, mas há de se ter um pouco de empatia também. É meio que instintivo jogar lixo numa rua que já está cheia de lixo, e é meio que instintivo ser tão relapso com o bem coletivo quando se vive num país com tantos problemas.

Temos que aceitar essa bandalheira como modo de funcionar imutável do brasileiro? Claro que não. Cada atitude na direção certa ajuda; seja a mudança que você quer ver no mundo! Só que como sabemos bem, ou pelo menos deveríamos saber, o mundo é como é e não como queremos que ele seja. Não se analisa o Brasil sem levar em consideração toda a bagunça que foi a nossa formação. E mais importante: não se analisa um povo sem considerar o seu ambiente.

Esse povo que está se aglomerando nas praias e fazendo teste de farmácia para “garantir que não vai contaminar ninguém” agora mesmo não nos dá muitas esperanças de um 2021 com um combate mais eficaz contra a pandemia, mas também nos diz uma coisa muito importante: a prioridade dessa gente está no futuro muito próximo. Seis meses no futuro é a mesma coisa que seis anos para a maioria. Podemos ver isso desde empresas até mesmo o governo: o plano é não ter plano.

Isso denota uma natureza focada em adaptações rápidas. Quem vive num país tão precário onde qualquer injustiça pode acontecer a qualquer momento acaba valorizando essa habilidade. É basicamente a raiz do jeitinho brasileiro, essa coisa de consertar o que puder na base da gambiarra e torcer para não dar tudo errado depois.

E percebam que eu falo do brasileiro porque esse é o foco do texto, todo povo muito pobre vive à base dos jeitinhos. O russo, o chinês, o indiano, o sul-africano… todos tem histórias e mais histórias de “esperteza” na precariedade. Vamos falar dos brasileiros, mas tenham em mente que meu argumento se aplica à maioria da população humana. Gente rica é minoria e país super civilizado costuma ser menor que um estado brasileiro e ter população média menor que a cidade de São Paulo. Quase todo mundo está no modo brasileiro médio.

Essa coisa de sociedade organizada é bem recente, e francamente, bem concentrada em alguns polos bem privilegiados. O ser humano tocou quase toda sua evolução até aqui tomando decisões rápidas e ganhando do que quer que o estivesse matando na base da reprodução acelerada. A pandemia de 2020, por muita sorte não foi algo muito mortal, e mesmo com as mutações, a de 2021 dificilmente vai ser tão diferente.

O que dá margem para manobra dessa maioria irresponsável. Não conseguem fazer melhor porque não enxergam muito longe no futuro, mas dentro das suas limitações, tem sim as ferramentas para sobreviver a quase todas as pancadas que o mundo moderno pode dar nelas. Começou a matar criança? Faz mais filho. Perdeu o emprego? Faz o mesmo que fez das últimas 30 vezes que isso aconteceu. Ficar isolado não faz bem pra cabeça? Sai de casa e o resto que se exploda.

O grau de tolerância desse cidadão médio às desgraças que prevemos no ano que vem é alto. Muito alto. Não porque estão de bem com sua saúde mental, mas porque a vida na pobreza e no perrengue constante forma muita casca nessas pessoas. Se eu souber que contaminei uma pessoa querida por descuido e essa pessoa morrer, vou ficar arrasado, de verdade. Se uma dessas pessoas que está na praia agora fizer o mesmo, capaz de dizer que o médico mentiu sobre a causa da morte para inflar os números da pandemia. Só importa o alívio momentâneo.

Sei que parece terrível, mas analisando o tema que estamos discutindo, existe uma compensação para o bem comum: esse mesmo cidadão médio que está tocando o foda-se para a pandemia é o que vai ter mais resistência contra suas consequências. Não no aspecto de saúde, mas na manutenção da frágil coesão social da qual dependemos. É até meio bizarro dizer isso, mas se preocupar de verdade com a pandemia é um luxo que poucos conquistaram antes dela se instalar.

Quem já estava fazendo tudo nas coxas e pensando no curtíssimo prazo antes disso continuou na mesma toada. É o modo de operação do cidadão da precariedade. Vem uma crise pesada aí na frente, a conta de 2020 ainda não foi paga em nenhum país, mas quem tem mais gente acostumada a viver em crise pode ter uma compensação aí. Como dissemos lá no começo, estar otimista é se recusar a ver os sinais óbvios, mas estar muito pessimista é dar crédito demais para essa “maioria média”.

A pessoa precisa ter algo a perder. E considerando o estado atual de boa parte da humanidade, não tem tanto o que possa ser perdido assim. Complicado perder a sanidade que nunca teve, não? Esse povo vai dar algum jeito de se virar, mesmo que pareça horrível para quem não faz parte dessas classes desfavorecidas. Se morrerem mais 10 milhões por completo descaso, a população humana aguenta o tranco. Se a economia global perder um terço do valor, ainda tem de onde se reerguer. Infelizmente, o mundo já funciona considerando que a maioria vai sofrer desproporcionalmente.

2021 promete, mas não vai tocar a pauta do aceleracionismo sozinho. Fique pessimista, mas não sofra demais. Ainda tem chão até a humanidade realmente não ter condições de lidar com uma vida horrível. Uma pena que seja assim, mas a verdade não se importa com nossos sentimentos. Use sua máscara, tome a vacina e toca o barco, que você provavelmente ainda vai ter aguentar 2022, 2023, 2024…

Para dizer que se encheu de esperanças (de todo mundo morrer logo), para dizer que concorda com os dois (dessa vez passa), ou mesmo para dizer que é só a evolução trabalhando: somir@desfavor.com

SALLY

Você está pessimista ou muito pessimista para 2021?

Estar otimista é insanidade. A questão é, o quão pessimista você está?

Eu estou muito pessimista. Isso não me faz infeliz nem quer dizer que meu ano será uma merda, cada um de nós tem a capacidade de procurar pontos positivos dentro de uma realidade e me adaptar. Mas meu prognóstico para o ano de 2021 é péssimo. Dá para ser feliz? Dá, tudo depende de onde você coloca seu foco e do quanto você consegue se adaptar… mas 2021 vai ser um ano difícil.

Vamos começar pelo elefante branco na sala: temos uma pandemia fora de controle cujo vírus mutou para uma cepa mais contagiosa, não teremos vacinas suficientes para imunizar a todos no ano que vem e, mesmo que tenhamos, pode ser que sejam necessárias mais doses de vacinas para cobrir alguma mutação ao longo do ano.

Para piorar, ainda que tivéssemos vacina para todos, há milhões de negacionistas no mundo e muitas pessoas vão optar por não se vacinar e pessoas que efetivamente não podem se vacinar, pois seu sistema imune não consegue lidar com a vacina. Isso fará com que o vírus continue circulando e demande vacinas periódicas a toda a população do mundo.

Ou seja, entre mutações do vírus, pessoas imunodeprimidas e negacionistas que não se vacinam, pode ser que passemos o ano todo correndo atrás do próprio rabo, sem nunca chegar a uma imunização coletiva eficiente.

Obviamente a economia vai sentir as consequências disso, seja pelos países que terão que fechar em lockdown, seja pelos países que terão gastos extraordinários com mortes e saúde colapsando. Empresas fecharão as portas, custo de vida aumentará e os salários não. Ao que tudo indica, pode ser um ano difícil, de desemprego, de poucas oportunidades e crise generalizada.

O material humano também não parece que estará às mil maravilhas. As pessoas, no geral, não estão lidando bem com a pandemia. Ou arriscam as próprias vidas de forma desnecessária, negando a realidade, ou se apegam a tudo que perderam em vez de se adaptar e tentar reconstruir a vida nesse novo contexto. Parece que ficar sem sair de casa de forma temporária é a pior desgraça do mundo para esses mimadinhos de merda sem senso de sacrifício.

Acredito que vamos ver muita gente surtando e muita gente construindo seu caminho para o surto, sobrevivendo à base de muletas como bebidas, drogas ou remédios tarja preta, que, mais cedo ou mais tarde, deixarão a pessoa disfuncional e implodirão sua vida. Muitas pessoas perderão sua funcionalidade. Muitas pessoas não conseguirão sustentar seu relacionamento pelo simples fato de ter que conviver com o parceiro. Os casos de violência doméstica aumentarão.

Some-se a isso o descuido com a própria saúde, pois a pessoa pode ir à praia, pode ir a reuniãozinha em casa de amigos, mas ir ao médico ou ao dentista fazer checkup não, aí a pandemia fala mais alto. O número de pessoas que estão descuidando da sua saúde é diretamente proporcional ao número de pessoas que vão adoecer e detectar doenças em um estágio tardio e mais difícil de tratar, sobrecarregando ainda mais médicos e um sistema de saúde que já estão sofrendo.

O Presidente do Brasil continuará sendo Bolsonaro, pois se não houve impeachment depois de tudo que aconteceu até aqui, nem que ele cague na mão e esfregue na cara do Presidente do STF ele sai. Se, por um lado é bom pelo aceleracionismo dele derrubar velhas estruturas, dando lugar para que se construam coisas novas, por outro, não é bonito de se ver o momento do desmoronamento geral.

Por sinal, as coisas não parecem estar muito boas para o Brasil. O país ofendeu, brigou e ameaçou China, EUA e Europa, seus principais parceiros comerciais, que já estão começando a comprar de outros países. Empresas já estão começando a ir embora do Brasil. Há uma manada de militares ocupando Ministérios, sem qualquer capacidade de planejamento, que nem para pintar meio-fio servem.

O mundo também não está lá essas coisas. Vemos surgir movimentos negacionistas por todos os países. Para piorar, agora essas pessoas têm voz, graças à internet, então, os idiotas estão se reunindo, o que os deixa mais fortes. Os idiotas ganham voz, se reúnem e chamam cada vez mais idiotas, angariando pessoas para esse clubinho da ignorância.

E a pandemia é apenas um exemplo disso, temos terraplanistas e uma fauna interminável de humanos não pensantes. Talvez, em alguns séculos, esta seja conhecida como a segunda idade das trevas, quando finalmente surja algum contraponto de iluminismo a tanto obscurantismo.

O que nos espera é um ano de crise financeira, sanitária e humanitária. Está tudo em desequilíbrio, é como um efeito dominó: quando uma danação enorme acontece em uma área, acaba afetando as outras gradualmente. Em 2020 vimos uma grande danação na saúde, em 2021 veremos o efeito dominó disso derrubando economia, emprego, educação etc.

Se foi ruim ver uma área sendo destruída, imagina ver todo o resto sendo varrido pela tsunami que esse primeiro estrago causou.

Repito: o fato de o mundo estar passando por um período difícil não significa que você passará o ano infeliz, você constrói sua realidade. Pode ser que 2021 seja o ano mais feliz da sua vida. Mas é inegável: o mundo estará muito mal.

Para dizer que este texto te deprimiu, para dizer que, comparado ao que você pensa, eu até que fui otimista ou ainda para dizer que é menos doloroso concordar com o Somir: sally@desfavor.com

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Comments (22)

  • Capitão Impressionante

    Só o que já aconteceu nesses primeiros dias já me mostrou que eu estava certo em esperar a chegada desse novo ano com MUITO pessimismo…

  • Bolsonaro não caiu por questão de timing. Os interesses dominantes no congresso (política pequena) não davam espaço para que ele caísse nos dois anos que se passaram, mas não é por isso que ele é intocável.
    O que segura ele é o mesmo fator que segurou a Dilma na presidência durante mais de cinco anos, que é a sombra lulista, ainda que por motivos diferentes, dado que enquanto Dilma era a preposta, Bolsonaro seria o “antilula” e se mantém no poder justamente porque um impeachment pra já implicaria em problemas para as pretensões políticas da turma do “centrão”, que querem tanto Lula quanto Bolsonaro pelas costas.

  • Se eu for olhar só para mim, estou apática diante do próximo ano. A pandemia está aí, não me incomodo em ter que usar máscara (economizo no protetor solar) e álcool em gel. Sinto falta de estudar na biblioteca, porque era um ambiente que eu conseguia me concentrar, diferente do que ocorre na minha casa (essa adaptação tem sido a mais difícil). Sinto falta de ir à academia e usar roupas coloridas para sair, mas por outro lado, por ficar o ano inteiro em casa, quase não gastei dinheiro com roupa. Pelo cenário internacional, posso dizer que não estou otimista. Acho que a pandemia não vai passar com a vacinação, ainda vai demorar um pouco mais, mas também não estou pessimista. O que me incomoda é o fato de as pessoas serem negacionistas, se cada um usasse a máscara e tivesse melhores noções de higiene e cuidados, provavelmente, a coisa não estaria tão feia. Mas é triste abrir a porta do elevador e ver o entregador subindo sem máscara, ir ao shopping porque precisa comprar um notebook para ontem e ver o povo desfilando com casquinha de sorvete pelos corredores, criança se aglomerando para ir aos brinquedos do papai noel…

  • Quem puder que faça checkups no exterior quando for seguro, pq os laboratórios de exames nesse país são corrompidos, trabalhei na área da saúde e não confio em nenhum. Presenciei falsificação de resultados pra arrancar dinheiro e omissão de resultados pra negar tratamento. Sus faz isso e particular tb. Por isso toda a prevenção é válida, vacinas são bem vindas. Se mantenham informados pra não serem enganados. Devemos confiar na ciência mas nunca em quem monetiza a saúde.

  • Capitão Impressionante

    O mundo não vai acabar. Já acabou. Só que a maioria das pessoas ainda não sabe disso. Elas precisam de algo como o Desfavor pra lhes trazer a notícia.

  • O Somir acertou ao falar sobre a adaptabilidade do brasileiro médio frente à precariedade de seu entorno e que por aqui “o plano é não ter plano”, mas eu fico com a Sally nessa. As perspectivas para este próximo ano não são nada aninadoras. Historicamente, o brasileiro médio é, em geral, indolente, tem pouco ou nenhum senso de sacrifício, vive apenas pela satisfação imediata de seus desejos, não pensa em um futuro mais distante e também não se planeja e/ou se previne contra nada. Junte-se a isso esta pandemia que ainda está longe de acabar e a forma desastrosa como o governo tem lidado com a questão e temos a receita para um desastre de proporções inimagináveis. Só nos resta agora nos resignarmos, nos prepararmos para o pior e torcer para que um da saiamos fedendo o menos possível dessa merda em que agora estamos todos atolados.

  • Muito, mas muito pessimista.
    De 11 de Março 2020 até agora saí de casa umas 15 vezes por absoluta necessidade. Mercado, Farmacia, médico, banco e só.
    2021 vai faltar saída, não vai ter $$$, as empresas vao fechar, o povo vai ficar sem emprego, mais empresas vão fechar e estamos apenas no começo do caos.
    DUVIDO que a vacina resolva a curto prazo, o vírus é mais evoluído que nós, ele está mutando para proteger-se pois quer seu hospedeiro vivo porém sofrendo.
    A vacina quando chegar será anual, mas faltará $$$ para comprá-la.
    Parem de dizer que problema é do BR, o problema é mundial.

  • Vacina do Coronga não dando conta nem do número nem da qualidade do vírus + brasileiro médio acabando de perder as esperanças que tinha no Bolsonaro depois do governo desastroso e vitória do Biden + um monte de gente que está funcionando à base de bebida e remédio finalmente entendendo que a vida nunca voltará a ser como era antes do vírus + mortes e mais mortes de parentes e amigos, pra não falar dos seqüelados + desemprego crescente + inflação galopante = ?

    Impossível não ficar com a Sally. O próximo ano será tenebroso.

  • O lado bom de quem já nasceu pessimista tipo eu, é que a gente nunca espera nada de bom nunca e o que vier é lucro. Os BR podiam tudo acabar e fazer uma limpa, mas ficam indo em prestações.

  • “Parece que ficar sem sair de casa de forma temporária é a pior desgraça do mundo para esses mimadinhos de merda sem senso de sacrifício.”
    Tenho que admitir que por mais que eu tenha tendências introvertidas e curta passar maior parte do tempo sozinho, quando a faculdade foi convertida pra Ead realmente me bateu uma falta de contato humano, de ver aquele monte de gente todos os dias, andar pelas ruas. Imagina pra quem é extrovertido, ou seja, a maioria esmagadora da população.
    É errado, mas é compreensível. O cérebro humano não é tão consciente assim, o Somir “venceu” desta vez porque ele acabou se lembrando disso no argumento. A maioria ainda vai continuar fazendo festa, fazendo filho e seguindo a vida na medida do possível, porque estão acostumados a viver na medida do possível. Não são sociopatas nem robôs, eles sofrem com as mortes de conhecidos pelo covid, mas pra quem já teve filho e vizinho morto por violência urbana, terrorismo, guerra civil, ou doenças mais “toscas” tipo verme, não é nada.

    • Não estou dizendo que seja agradável ter que ficar em casa, estou dizendo que é possível.
      É uma pandemia. São 80.979.476 de casos e 1.768.048 de mortes. É uma situação excepcional.
      Ou você acha que nos tempos de guerra, quando passava avião bombardeando as ruas da cidade, ocorria ao jovem pensar “não quero saber, vou lá fazer uma reuniãozinha com os amigos pela minha saúde mental, foda-se o bombardeio”?

      • Países como Síria e Yemen estão em guerra há anos, vários civis e eventos ao ar livre como casamentos já foram bombardeados e o pessoal continua fazendo.
        Até na Segunda Guerra Mundial os europeus fizeram festa de Natal no campo de batalha.

  • Não estou mais pessimista do que já costumo ser, então entro no grupo do Somir.
    Imagina se fosse igual Plague Inc… primeiro a doença se espalha e contamina todo mundo pra então evoluir pra uma versão mortal e plau, acabou humanidade.

    Somos sortudos demais.

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