Pet pra sempre.

Animais de estimação sempre foram extremamente populares, mas nos últimos tempos surgiu uma enorme gama de produtos e serviços específicos para eles. Numa guinada mórbida, Sally e Somir discutem um serviço muito peculiar para depois da morte do pet. Os impopulares tentam sobreviver.

Tema de hoje: é bizarro mandar embalsamar seu pet?

SOMIR

Sim, né?

Para dizer que…

Apesar de achar que não tem muita discussão, estou obrigado contratualmente a argumentar nesta coluna. Vamos colocar isso em termos mais amigáveis: eu não vou achar que você é um(a) psicopata se vir um animal de estimação empalhado na sua casa. Não vou te odiar, me afastar ou qualquer coisa do tipo. Vou apenas catalogar na cabeça um fato bizarro sobre você.

Talvez no futuro, caso comece a exibir outros comportamentos estranhos, eu possa adicionar o animal de estimação embalsamado na sua casa na lista de motivos para preocupação. Pode ser que coloque uma pergunta como “você torturava insetos quando era criança?” numa conversa casual, para ter um perfil psicológico mais completo.

Nem toda pessoa que topa embalsamar animais para colocar em casa é psicopata, mas todo psicopata tem o potencial de embalsamar animais para colocar em casa. Entendem a sutileza? Eu não estou dizendo que a Sally é uma psicopata, estou dizendo apenas que se ela fosse, embalsamar animal de estimação seria um dos comportamentos esperados.

Coloco minha mão no fogo: Sally não é uma psicopata! Não vai ser essa opinião que me vai fazer mudar de ideia sobre isso. Mas… se fosse, o ponto de vista dela de hoje faria muito sentido, não? Talvez se eu tivesse mais indícios poderia pensar no assunto. Mas eu não tenho.

Sally não é uma psicopata.

Claro, não ajuda que ela esteja defendendo que se coloque o cadáver ressecado de um animal que supostamente amava como uma caricatura grotesca da vida em exposição como um vaso no meio da sala… mas ei, aposto que se eu começar a analisar com mais atenção meus hábitos, vou encontrar alguma coisa que possa ser sinal de psicopatia. Quer dizer, eu acho. Sally não é uma psicopata e defende esse ponto… deve significar que todo mundo tem alguma coisa do tipo, não? Espero que sim.

O ser humano só é o que é por ter um mínimo de deferência pela morte. Nossos antepassados pré-históricos já enterravam seus mortos, é um dos sinais mais claros de capacidade de pensamento abstrato. Não que animais de estimação sejam a mesma coisa que humanos, evidente que não são, mas eles estiveram vivos. Formam memórias conosco, muitas de extremo afeto, enquanto vivos. Animal de estimação não é brinquedo, ele tem sua vida para viver e deixa sua marca nas relações que forma.

É um imenso desvio de propósito torná-lo um boneco empalhado. Se estivéssemos falando de caçadores empalhando suas presas e exibindo numa sala, eu acharia só de mau gosto: afinal, no caso da caça, é a forma do animal que interessa, não seu conteúdo. A pessoa quer ter a forma daquele animal guardada, porque esse sempre foi seu interesse. Agora, um animal de estimação presume a relação, afinal, não seria chamado de estimação de outra forma.

Empalhar seu pet é transformar o que era relação em apenas forma. Deixa de significar uma memória querida e começa a ser apenas a imagem de um bicho. É aí que fica bizarro: é exumar o afeto, deixando apenas um cadáver no lugar. Ou você só tinha um brinquedo que cagava, ou você não deveria ofender as memórias que formaram juntos dessa forma.

Mas é claro, o ser humano médio tem a profundidade emocional de um pires. Estou falando com as paredes. Vamos então a elementos mais práticos: é um negócio feio pra diabo. A não ser que você tenha dinheiro para contratar um taxidermista muito talentoso, é quase certeza que vai ficar bizarro. Existem muitas fotos hilárias na internet de desastres na hora de embalsamar o bicho.

E mesmo que consiga um dos raros que sabem fazer direito, nunca fica exatamente como o seu animal de estimação. Quem não conhecia o animal bem pode até achar que ficou perfeito, mas o dono sabe que tem algo estranho. E o algo estranho é simples: o bicho está morto! É um cadáver! Morto sempre parece estranho, em qualquer espécie. A gente se acostuma com a versão viva deles.

Existem coisas muito piores no mundo, evidente, mas isso não faz empalhar seu pet menos bizarro. Vai achar que uma pessoa que gosta de cheirar peido é super ajustada porque sabe que tem outras que comem cocô? Não vai. Sagrado direito de cada um ter suas bizarrices que não façam mal para os outros, mas acho mais bizarro ainda ficar fingindo que não tem nada de errado aí. Pode ser uma relação mal resolvida com a morte, pode ser necessidade de controle, pode ser até mesmo incapacidade de formar relações verdadeiras… ou pode ser só um gosto bizarro que você tem.

Mas que é bizarro, é.

Para dizer que a Sally não é uma psicopata, para dizer que eu sou um psicopata, ou mesmo para dizer que seus bichos são de rua e feios pra diabo, por isso nunca faria: somir@desfavor.com

SALLY

Mandar embalsamar seu pet é bizarro?

Não, não é bizarro. Vai ter quem prefira não fazer, vai da cabeça de cada um, mas quem optar por esse “fim” para seu bichinho não está escolhendo nada bizarro, anormal ou doentio. Por sinal, se você der uma olhada nas merdas que as pessoas colocam em estantes e prateleiras, no geral, um gatinho sentado seria uma opção de mais bom gosto.

Não vejo como pegar o corpo do seu pet querido, seu grande amigo fiel que tantas alegrias te deu e jogar no lixo seja melhor. Não vejo como pagar uma cova em um cemitério de animais, que por sinal, custa bem caro, para que ele apodreça debaixo da terra seja melhor. A solução que menos me ofenderia seria cremar o pet e guardar as cinzas em uma urna fofinha, mas, até onde eu sei, isso só é possível em pouquíssimos lugares.

Ninguém vai embalsamar seu bichinho para ficar alisando seus pelos e conversando com ele, eu suponho que ninguém aqui seja maluco. É uma forma de guardar uma recordação boa dele, imortalizar seu corpo em uma posição elegante e simpática. Se você procurar um bom profissional, fica muito natural e nada creepy. Fica similar a uma escultura.

Pense nele como um quadro 3D. Todo mundo teria um quadro do seu pet, algumas pessoas fazem até tatuagens deles, não há motivo para não preservar seu involucro, imortalizando o bichinho. Se fosse uma estátua de bronze ou de cera ninguém iria se chocar. Qual é o problema que seja o animal embalsamado? A repulsa vem de uma mera convenção social ou de um preconceito.

Um animal embalsamado não tem cheiro, não se decompõe e não é um “cadáver”. Ele é completamente esvaziado e só sua pele é usada para recobrir a “casca”. Ele passa por um processo complexo para ficar, digamos, por falta de palavra melhor, “plastificado”, imune à decomposição. É como transformá-lo em uma estátua. Ninguém aqui está falando de manter um bicho decomposto na geladeira por incapacidade de dizer adeus, é um processo sério executado por profissionais.

E não venham querer comparar embalsamar um pet com a sua avó. Gente é gente, bicho é bicho. O ser humano embalsama animais e até os utiliza para decoração faz séculos, não é uma invenção da minha cabeça. Se a pessoa pode botar uma cabeça de cervo, de urso ou do que quer que seja na sala como enfeite, por qual motivo um bichinho amado que te deu tantas alegrias não pode integrar o ambiente que você vive?

Entendo quem diz que a presença do animal embalsamado causaria tristeza, pela saudade do bichinho. Tá tudo certo, se vai te deixar triste, não tem que fazer. Mas para aqueles que vai causar algum conforto, por qual motivo taxar de bizarro e desencorajar a pessoa a fazer? Não vai te afetar em nada, não vai causar mal a ninguém. Pra que esse julgamento?

Francamente, nossa sociedade aceita coisas muito mais bizarras do que isso, me parece uma baita babaquice julgar quem escolhe embalsamar seu animal de estimação. Cada um lida com a dor da perda e com o luto como lhe seja menos sofrido. Desde que não faça mal a ninguém, que seja feito o que for de maior serventia para superar a perda.

Repito: a pergunta aqui não é se vocês fariam (eu sei que vocês não fariam), a pergunta aqui é se isso é uma red flag, um sinal de algo creepy, assustador, que depõe contra quem o faz. Não acho que deponha. Não acho que seja algo reprovável. Não acho que seja bizarro.

É apenas mais uma forma de se lidar com a morte que, como não está muito popularizada, ainda enfrenta resistência. É sempre assim, se você sai do combo dos mais executados (jogar o corpo no lixo ou enterrar) toma pedrada. Tem que correr com a manada para ser considerado “normal”.

Se fosse algo usual, ninguém teria resistência, o que me leva ao ponto principal: não deixe que o que uma sociedade (doente) considera normal balize o seu conceito de normalidade ou de aceitação. Que se foda que aos olhos da maioria embalsamar seu pet e mantê-lo na sua casa é bizarro, o que você acha disso, usando única e exclusivamente o seu raciocínio, deixando de lado a opinião social?

Animais embalsamados foram demonizados por muito tempo. Foram vinculados a bruxaria, magia negra e outras imbecilidades. Essa é a referência que se obtém quando se vive no maior país católico do mundo. Mas, o mundo não é a sua bolha. Também existiram e existem culturas onde um animal embalsamado é a regra. Os faraós, por exemplo, mandavam embalsamar seus gatos.

Você consegue opinar se desvestindo de todas as opiniões preconcebidas sobre o assunto? Se conseguir pensar por si só, sem a contaminação externa, verá que não há mal algum na pessoa querer embalsamar seu bichinho e conservá-lo após a sua morte. Se você o faria ou não é outra história. Ter uma presunção negativa de alguém só por ter optado por esse caminho é um grande preconceito.

É um ato que não causa mal a absolutamente ninguém (muito pelo contrário, gera empregos) e pode trazer um conforto emocional a quem perdeu um bichinho. O que há de errado nisso? Só a convenção social de que isso não se faz, que se baseia em um pensamento medieval. Criticar atitudes medievais não é só combater curandeirismo, é também criticar qualquer escolha ou restrição baseada na desinformação que pairava naquela época.

Quer embalsamar seu pet morto? Isso não te faz um freak, um problemático ou um maluco. Isso não é reprovável. Tem muita gente que reprova, mas faz coisa muito pior, que prejudica terceiros, então, menos, muito menos. Se é para taxar alguém de bizarro, eu fico com desfavores ambulantes que espalham desinformação e causam dano social, não com uma pessoa que quer ter o seu bichinho imortalizado em sua casa.

Mania que as pessoas têm de te dizer o jeito “certo” de vivenciar um luto. Seu cu é o jeito certo! Cada um faz o que pode, o que consegue, o que dá. Se não fizer mal a ninguém e não violar nenhuma lei, podem enfiar o julgamento de como alguém lida com o luto bem no meio do fiofó, pois ele é um tremendo desfavor.

Para dizer que eu sou creepy, para dizer que concorda comigo, mas não quer que os outros pensem que você é creepy e por isso vai apoiar o Somir ou ainda para dizer que a melhor forma de vivenciar o luto é assando e comendo o pet: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • É o tipo de coisa que eu definitivamente não faria. O Somir colocou em palavras, de forma perfeita, a maneira com que eu vejo um animal empalhado: uma caricatura grotesca da vida. E se isso pra mim já é… incômodo quando se trata de um animal caçado, pra mim é definitivamente bizarro quando se trata de um animal que você tinha um vínculo afetivo. Pra mim, o limite do “quero ter o bichinho por perto mesmo depois que ele morrer” é cremá-lo, e mandar fazer uma daquelas urnas personalizadas com uma escultura em porcelana de um animal parecido com ele. Ter um boneco feito com a pele dele, em que ao tocar o pêlo você sinta não aquela pelagem quentinha sobre um corpo macio, e sim algo como cerdas duras e frias sobre uma barrica; e um par de olhos de botão vidrados olhando eternamente para o nada, pra mim é simplesmente mórbido demais.

  • Credo, o bicho empalhado num museu eu entendo, fica preservado para sempre para podermos ver como era, porque tem coisa que vai acabar extinta mesmo. Mas dentro de casa? Não interessa se é de estimação ou selvagem, é bizarro, de mal gosto sim. Se o bicho era tão bonito assim deve ser mais fácil comprar outro igual. Tire uma foto, filme e pronto, ele sempre estará em sua lembrança. Se a pessoa quer tanto um enfeite não serve uma pelúcia não?

  • Concordo 100% com o Somir. Eu não suportaria sequer olhar para uma “caricatura grotesca da vida” na forma do corpo inerte de um serzinho que eu amei. Para mim, o que se deve ser preservado com todo o zelo de que formos capazes é o que vivemos com os nossos animais de estimação. Todos nós sabemos que é maravilhoso chegar em casa, mesmo que depois de apenas umas poucas horas, e ser “recebido” com todo o amor que só os nossos bichinhos conseguem demonstrar; seja latindo ou miando, seja abanando o rabo e nos lambendo ou se roçando nas nossas pernas e se espichando para serem pegos no colo; e transmitindo com os olhos a imensa alegria que sentem apenas por estarmos com eles. E um cadáver empalhado não poderia jamais me entregar essa ternura com os olhos…

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