O Embaixador – Parte 2

Parte 1


A pequena criatura peluda expele o que parecem ser litros de um líquido viscoso verde. Eduardo, ainda preso, tem que enfrentar a torrente virando o rosto para o lado, fechando com força olhos e boca. Infelizmente, o nariz não é capaz de se fechar sozinho. O cheiro não é tão horrível quanto o esperado, mas de forma alguma pode ser considerado agradável: um aroma herbal ardido que toma conta do ambiente imediatamente.

“Mmmmgh!” – Eduardo protesta sem abrir a boca.

“Shianti, que horror!” – Bronco adentra a sala, expressão de nojo.

“Me… tira daqui… argh!” – Ao abrir a boca, Eduardo sente um gosto horrível, ácido.

Bronco se aproxima lentamente, tentando evitar o líquido verde que escorre da cama para o chão da nave. Glau está desmaiado sobre a barriga do humano, cabeça reduzida como uma bexiga recém esvaziada. Vacilante, o ser suíno vai tirando as amarras de Eduardo, que prontamente se joga no chão e vai engatinhando até uma das paredes, colocando o máximo de distância entre ele e seus companheiros de viagem.

“Um deles fez isso no meu braço lá no planeta deles. Arde um pouco mas passa.” – Bronco arremessa uma toalha branca na direção de Eduardo.

“O que… pfft… o que está acontecendo?”

Eduardo vai se limpando na medida do possível, ainda agachado num canto.

“Eu achei que você ia acordar assustado e atacar o Glau. Eu preciso de vocês dois vivos quando chegarmos lá.”

“Você não está entendendo, eu não sei nada sobre ser embaixador, eu não sei… nada.”

“Você é humano, nível 2, ninguém espera muito de você.” – Bronco sorri.

“Tinha tanta gente melhor para você pegar…” – Eduardo cospe um pouco da gosma verde que se alojou no nariz e fez o caminho até a boca.

“Mas eu já peguei. E se souberem que você não quer estar ali como embaixador da Terra, rronc… acho que vão te congelar por alguns milênios ou te usar para experimentos. É bem importante que você diga que está de acordo, viu? Meu emprego e sua vida dependem disso.” – Bronco diz enquanto levanta Glau do chão e o coloca na maca.

Eduardo se levanta, mente um pouco mais tolerante com a situação na qual se encontra. O cheiro já incomoda menos, o ardor na pele acalma. Ele se aproxima de Bronco, que está injetando alguma coisa no corpo murcho de Glau.

“Ele vai ficar bem?”

“Rrrronc… eu acho que eles fazem isso para eliminar toxinas… ou para se reproduzir. Os glaus são nível 1, tem pouca informação sobre eles.”

“Se reproduzir?” – Eduardo fica ainda mais horrorizado com a gosma verde que ainda está sobre sua roupa.

“Só dar um pouco de líquido e eles voltam ao normal. Rrronc. Fica aqui olhando ele, que teve uma supernova no caminho e eu preciso desviar. Já volto.”

Bronco vai se afastando, indo em direção a um corredor. Eduardo interpela:

“Como é que você fala português?”

“Tinha um chip na minha cabeça fazendo a tradução para as línguas humanas. Foi um saco pra conseguir, só os tarados dos Cinzas que tinham um… detesto fazer negócio com eles.”

“E como eu entendia o Glau?”

“Ah, eu coloquei um chip na sua cabeça também. Se você perder o movimento de algum membro, me avisa que eu ajusto, ok?”

Bronco sai da sala. Eduardo volta sua atenção para Glau. Uma pequena mangueira se conecta ao corpo do ser, e já é visível como ele está inflando de volta ao tamanho original. Ele encontra uma cadeira e se senta, os olhos começam a pesar, e antes mesmo de fazer senso da sua situação, cai no sono ali mesmo.

“Eduardo?”

“EDUARDO!”

Bronco está diante de seus olhos, expressão compenetrada.

“Chegamos. Repete… rronc… pra mim o que a gente combinou que você ia falar…”

“Eu sou o embaixador mais condecorado da Terra.”

“Sim, e que você se voluntariou para o cargo! Senão, brrr…” – Bronco faz um gesto de frio cruzando os braços sobre o peito.

“Eu vou poder voltar depois?” – Eduardo pergunta.

“Claro…” – Apesar das diferenças de fisiologia entre Bronco e um ser humano, Eduardo desconfia que a expressão do suíno não transmite muita confiança na resposta.

“E o Glau, como ficou?”

“Deve acordar logo. Você pode carregar ele? Eu tenho que levar um monte de coisas…”

Glau está sobre a maca, já com a imensa cabeça peluda do tamanho original, olhos fechados e língua escorrendo para fora da imensa boca aberta. Desmaiado, o ser parece até… fofo. Eduardo se aproxima tentando encontrar a melhor forma de pegar na criatura, decidindo-se por carrega-lo sobre o peito, como se carregasse um bebê da sua própria espécie.

Bronco pega duas grandes malas metálicas, que ao chacoalhar fazem o som de vidro batendo.

“O que é isso?”

“Rrronc… é… material de… pesquisa… não se preocupa e me segue.”

Bronco avança pelo corredor, Eduardo o segue. No final dele, duas portas, em direções opostas. Bronco aperta alguns botões do lado de uma delas, e ela se abre, deixando entrar uma luz muito mais forte que a de dentro da nave. Bronco passa pela porta, e com um sinal da cabeça, chama Eduardo para o acompanhar.

Passando pela porta, Eduardo demora alguns segundos para se adaptar à luz. Quando a vista se acomoda, percebe uma cena de filme de ficção científica: um céu amarelado acomoda dois pontos luminosos, um maior, outro menor, como se fossem dois sóis iluminando o planeta. Vários pontos escuros atravessam o horizonte, apressados como formigas, em longas filas seguindo em várias direções. Os mais próximos são reconhecíveis como naves dos mais diferentes formatos, serpenteando os imensos arranha-céus que se espalham por onde a vista alcança. Cada um num formato diferente, um conflito sem fim de estilos arquitetônicos e cores.

Ele se percebe numa pequena plataforma suspensa no ar. Ela se conecta com um colossal edifício de formas arredondadas que quase desaparece entre as nuvens. A percepção da altura na qual se encontra retesa seus músculos, instintivamente segurando Glau com mais força. Bronco percebe a reação assustada de Eduardo:

“Não tem como cair, olha!” – Bronco toca numa superfície invisível como se fosse uma parede de vidro, o ponto de contato de seu dedo brilha por alguns instantes. Eduardo repete o gesto com a mão livre, e ao sentir a resistência, acalma-se o suficiente para seguir os passos de seu guia.

“Essa é a sede do Conselho. São mais de mil espécies com representantes aqui. Algumas não respiram oxigênio, cuidado em qual porta vai entrar.”

Na parte interna do edifício, Eduardo vê um grande salão, teto dezenas de metros separado do chão. Ele segue por um corredor isolado pelas paredes invisíveis, e ao seu redor, uma infinidade de seres se movimentam, aparentemente muito ocupados. Embora vários deles tenham características reconhecíveis como braços, pernas e cabeças, uma boa quantidade está mais para um monstro de filme de terror do que para humanoide. Ele fita o olhar longamente num ser cheio de tentáculos, sem nenhuma definição clara de como se move ou se comunica. Mesmo assim, faz ambos enquanto aparentemente conversa com bela mulher, não muito diferente de uma humana senão pela pele azulada e um chifre no meio da testa.

“Eduardo, se mexe! Senão… rrrronc… a alfândega vai desconfiar da gente!” – Bronco apressa o passo e chama Eduardo com um movimento de cabeça.

“Alfândega? Tem isso aqui?”

“Estamos em Jaivo, a capital da galáxia! São bilhões de visitantes todos os dias… e isso aqui… é tipo a ONU do seu mundo. Não é qualquer coisa que pode entrar, entende?”

“Tudo bem…”

“Isso aqui é muito sério, não faz nenhuma brincadeira. Uma vez um travoxiliano brincou que estava com um agente neurológico classe D na bagagem e foi vaporizado antes de terminar a frase. Não se brinca com a alfândega do Conselho!”

“Ok, tenho que ser muito sério. Entendido!”

Diante deles, se aproxima uma grande estrutura metálica, formando um túnel pelo qual alguns seres passam. Eduardo reconhece como uma espécie de detector de metais. Um grupo de cinco ou seis seres que pode jurar serem robôs revistam e conversam com os que tentam atravessar a estrutura. Ele pode perceber que num dos braços esses robôs têm dedos, no outro algo que se parece com uma arma.

Na frente de Eduardo, Glau e Bronco, apenas mais um ser para passar pelo detector. Um ser humanoide de mais ou menos dois metros de altura, pele bege cheia de manchas escuras, membros finos saindo de uma túnica plástica avermelhada. Ele carrega uma mala metálica parecida com as de Bronco.

O ser é chamado por um dos robôs, e dá um passo a frente. Os olhos do robô brilham por um momento, enquanto ele olha o esquálido alienígena de cima a baixo.

“Stajkao In Horo, 8FV99TG4446GV, você declara sua bagagem em concordância com o Código Alfandegário do Conselho?” – a voz, robótica, pode ser ouvida.

“Sim”.

O ser avança em direção ao túnel, mala nas mãos. Em poucos passos, o túnel se ilumina em vermelho e os robôs correm para fechar ambas as saídas. O som de vários estampidos ecoa pelo túnel, que logo fica todo escuro.

“Contrabando! Não sei porque contratam esses amadores…” – Bronco diz para Eduardo com uma expressão de desdém.

“Eles mataram ele?”

“Não, contrabando é mais leve. Devem ter apenas explodido os membros. Esse vai ficar congelado por uns dois ciclos…” – Bronco responde com naturalidade.

Os robôs saem do túnel e voltam às suas posições originais. Dois pequenos robôs de limpeza vêm rodando até o túnel, para retirar o líquido azulado que se acumulou no chão.

“Próximo!” – o robô de segurança chama Bronco.

“Diz que as malas são suas, tá bom? Não vai dar nada errado.” – Bronco larga as duas malas no chão e segue sem nada até o robô.

“Espera!”

Bronco já está atravessando o túnel. Nenhuma alteração na iluminação. O porco olha pelo outro lado para Eduardo e faz um sinal de jóia com a mão.

“Próximo”.

Continua…

Para dizer que essa vai longe mesmo, para dizer que se não tiver espaço e fluidos corporais não é texto meu, ou mesmo para dizer que só quer saber se o Glau ficou bem: somir@desfavor.com

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Comments (2)

  • Eu sempre espero o momento de alguém se foder em um Des Conto.
    Aguardando a parte 3 e todas as outras partes dos Des Contos que nunca continuaram.

  • “Você é humano, nível 2, ninguém espera muito de você.”. Só essa frase já diz muito sobre a nossa espécie. Vai ver, os extraterrestres, se realmente existirem, pensam mesmo isso da gente…

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