Culpa x Responsabilidade

Eu já devo ter falado disso de forma fragmentada, ao longo de outros textos, mas uma notícia que saiu esta semana me fez ter vontade de dedicar um texto exclusivo ao assunto. Um vídeo publicado no TikTok pelo adolescente Lucas Santos gerou comentários ofensivos que, segundo sua mãe, Walkyria Santos, foi um gatilho para que o filho se suicide.

A partir daí, surgiu todo tipo de especulação sobre o assunto, com uma confusão terminológica sem precedentes. E, que fique claro, quem fez essa confusão foram os usuários de redes sociais, não a família do menino falecido. Está se consolidando uma política de censura, de proibir falar qualquer coisa que não seja positiva a vítimas de eventos trágicos. E isso é um desfavor.

Como este não é um blog que apenas replica notícias, somos opinativos, segue a minha opinião sobre essa grande confusão que criaram no Brasil ao entender que criticar ou responsabilizar alguém é culpar a vítima. Espero que algum dia esta forma mais clara de ver as coisas ajude alguém.

Antes de mais nada, vamos para a definição fria do que é cada um deles. Culpa é o sentimento acarretado por um ato que gerou consequências negativas. Por exemplo, eu deixo meu portão aberto, meu cachorro ataca e fere alguém. A culpa é minha, isto é, o sentimento negativo pelo dano que causei a alguém está diretamente relacionado a um ato ou uma escolha equivocada que eu fiz, no caso, esquecer o portão aberto quando deveria ter o cuidado de fechá-lo.

Responsabilidade é simplesmente conectar um ato a uma consequência, sem juízo de valor, sem julgar, sem qualquer caráter subjetivo. É se fazer cargo das próprias escolhas, assumir o que faz, o que diz, o que é. O próprio nome já diz: vem de “responder”. Eu respondo pelos meus atos. Se eu deixei o portão aberto, meu cachorro saiu e atacou alguém, eu tenho responsabilidade por isso, no sentido de que meu ato contribuiu para o resultado causado. Isso não faz de mim uma escrota, uma santa, uma idiota, isso apenas me faz responsável.

É possível ter culpa sem responsabilidade, como por exemplo, uma grávida que sofre um aborto espontâneo que acontece por uma má-formação do feto sem qualquer relação com seus atos. Frequentemente mulheres que passam por isso se sentem culpadas, mesmo sabendo racionalmente que não faria qualquer diferença agir de outra forma.

Também é possível ter responsabilidade sem culpa, como no caso de milhões de brasileiros que não respeitaram os protocolos de segurança da pandemia e não perderam uma única noite de sono por isso. Se uma pessoa ciente de que tem covid vai ao salão fazer as unhas (caso real, a notícia já foi postada em outra coluna) ela é responsável por todos os contágios que acontecerem nesse salão, mas não necessariamente se sente culpada por isso.

Eu atribuo essa confusão ao mau uso da palavra “culpa” no Brasil. Frequentemente culpa é usada como sinônimo de responsabilidade. Talvez a origem disso esteja no direito, onde culpa de fato é sinônimo de responsabilidade: quem deu causa tem culpa e tem o dever de indenizar ou quem tem culpa poderá ser punido criminalmente. Quando falamos que fulano “é culpado”, estamos usando vocabulário jurídico. Quando falamos que fulano “se sente culpado” estamos falando do significado original da palavra.

Fazer uma distinção clara entre culpa e responsabilidade evita muita dor de cabeça e muitos problemas de comunicação, até mesmo para quem está passando por isso como protagonista. Ao colocar culpa em uma pessoa você nunca ajuda (fazer ela se sentir mal sobre si mesma só piora as coisas), mas ao apontar a responsabilidade, você sempre ajuda (mostrar a relação causa e consequência evita futuros erros).

Vamos começar usando o exemplo clássico: vamos supor que eu fui a uma festa em um lugar meio duvidoso, saí de lá tarde, voltei sozinha e passei por um lugar deserto, onde fui abordada por um homem que me estuprou. Eu tenho culpa? Óbvio que não, naquele momento, dentro das minhas capacidades, no meu discernimento, eu fiz algo que julgava seguro (nenhuma mulher se coloca em risco voluntariamente). Eu tenho responsabilidade? Sim, pois foi meu ato que gerou essa consequência.

Isso quer dizer que eu não devo me sentir culpada pelo que aconteceu, ou seja, merecedora do que aconteceu, como uma retribuição a uma escolha errada. Em um mundo ideal, uma mulher deve ter o direito de errar o quanto quiser sem que disso decorra uma violência física. Porém, parar por aí e isentar a pessoa de qualquer vínculo com o ocorrido não é um ato de amor ou reconfortante, como a maioria pensa: é perigoso, é um desfavor e pode induzi-la a cometer esse ou outros erros no futuro, por acreditar que seus atos em nada tem a ver com o evento.

Mas, se a gente conseguir explicar de forma muito cuidadosa e didática que não há culpa (ela não deve se sentir merecedora disso) mas há responsabilidade (um vínculo direto entre suas escolhas e o ocorrido), pode haver algum aprendizado: vivemos em um país onde muitos homens se portam como animais e, infelizmente, por mais injusto que seja, uma mulher que não quer ser vítima de violência deve tomar alguns cuidados e se colocar algumas restrições, entre eles, não ficar sozinha em locais desertos.

“Ain mas você está dizendo que a culpa é da vítima?”. Não, muito pelo contrário, eu estou dizendo que a vítima não tem culpa, ou seja, ela não tem que se sentir mal consigo mesma, não tem que carregar o peso de ter causado o evento. Estupradores estupram, ela ou quem estiver em situação vulnerável. O que ela tem é uma parcela de responsabilidade, ou seja, suas escolhas contribuíram para que o resultado fosse esse. Isso não fala sobre seu caráter, sobre sua índole ou sobre sua vontade, é um mero vínculo entre um ato e uma consequência.

Não é ofensivo, degradante ou cruel responsabilizar alguém por seus atos ou suas escolhas. Até hoje não entendo o motivo pelo qual isso é considerado um ataque ou uma falta de consideração no Brasil. Talvez pelo fato do povo nunca querer ser responsabilizado por nada (a responsabilidade é do político, da inveja, da macumba, da vizinha ou do zodíaco). Mas, responsabilizar alguém (e eu sei que isso vai soar alienígena para muitos) é um ato de amor.

Responsabilizar alguém é mostrar à pessoa a conexão entre seus atos/escolhas e um resultado. Vamos para um exemplo menos pesado, para que quem lê não crie resistência ao que estou tentando passar: eu estou jantando com uma amiga, peço uma salada com maionese e minha amiga diz que ela está com aspecto estranho. Eu a provo. Eu sinto um gosto estranho, mas me convenço de que não é nada e a como mesmo assim. No fim do dia, tenho uma grande dor de barriga.

Seria tão desumano que minha amiga me diga “foi aquela salada, você não tem que comer nada quando estiver com o aspecto x”? Não me parece desumano, nem cruel, nem negativo. Me parece uma oportunidade de aprendizado (a real, não aquela usada por blogueiros quando fazem merda). Estão me mostrando que quando eu pratico um ato, vem uma consequência que não é boa para mim. É uma forma de cuidado: não faça mais isso, para que essa coisa ruim não se repita.

Apontar a responsabilidade não é colocar culpa na pessoa. Colocar culpa seria se minha amiga falasse “Tá vendo como você é burra? Eu avisei, mas você é teimosa, não escuta ninguém! Agora está aí se cagando toda, bem-feito para aprender”. Ninguém está te mandando para o cantinho da vergonha ao apontar responsabilidade. A culpa é subjetiva, a responsabilidade é objetiva, uma mera conexão entre uma coisa e outra, sem juízo de valor sobre sua pessoa. E se alguém te escrotizar a pretexto de apontar responsabilidade, saiba que a pessoa não está apontando responsabilidade e sim te colocando culpa.

Acredito que ninguém aqui daria um esporro culpando uma pessoa por algo que era totalmente imprevisível para ela. Culpa a gente tem/sente quando faz algo que sabe que pode gerar consequências negativas, como por exemplo, esquecer o portão aberto sabendo que tem um cão feroz em casa. A pessoa sabe que se o portão ficar aberto, o cão pode atacar alguém, então, ela tem que criar um sistema para se lembrar sempre de fechar o portão.

Mas se o cachorro arrebenta o portão, independente de todos os cuidados que o dono teve, não me parece existir motivos para sentir culpa. Dentro do que a pessoa sabia, ela fez o seu melhor, não tem culpa. Mas tem responsabilidade. A escolha de portão que ela fez gerou o resultado, que é uma ou mais pessoas feridas. E é bom que perceba que tem responsabilidade, assim, da próxima vez que for escolher um portão, saberá que ele precisa ser mais resistente.

Se, cada vez que sai algo errado e disso decorre uma consequência ruim, (como alguém se machucar ou morrer), não pudermos apontar a responsabilidade, a desgraça vira apenas algo horrível sem utilidade. Entretanto, se pudermos apontar a responsabilidade sem que os envolvidos se ofendam, se magoem ou se sintam atacados, a desgraça pode servir para evitar outras desgraças, pois vai conscientizar os envolvidos e toda a sociedade que participou ou tomou conhecimento do evento.

É como dizer: “Está tudo bem, na hora, você fez o melhor que você podia, com base no que acreditava estar acontecendo/vendo/sentindo, sabemos que você não queria esse resultado, sabemos que você não merece isso, sabemos que você está sentindo dor e somos solidários a essa dor, nós a validamos e a respeitamos. Mas queremos que você perceba que existe uma conexão entre seu ato e o resultado disso. Realizar tal ato pode gerar tal consequência, nesse contexto, então, é preciso trabalhar para que esse ato não se repita”

“Mas Sally, isso não é óbvio?”. Não, infelizmente não. Muita gente faz escolhas ruins, sofre consequências horríveis e vem um bando passar a mão na cabeça, dizer que aquilo é um erro apenas do outro e que a pessoa não tem qualquer participação nisso. A pessoa acredita e, tempos depois, faz a mesma escolha ruim, com as mesmas consequências. Não apontar responsabilidade pode manter a pessoa em erros cíclicos.

Sem querer mexer em um vespeiro, mas já mexendo, é muito comum em mulheres que estão em relações abusivas quando poderiam sair delas. Há mulheres com muito dinheiro, em cargos de prestígio, que se mantém nas mãos de abusadores ou trocam de um abusador para o outro. Essas mulheres frequentemente são amparadas por suas amigas que, acreditando ser um ato de amor, lhes dizem que não há qualquer parcela delas naquilo, que homens simplesmente não podem bater em mulher e ponto.

Sim, deveria ser assim. Mas não é. O Brasil é um dos países campeões em agressões a mulheres, então, as coisas são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem. A mulher precisa sim estar atenta a alguns sinais, traçar uma linha, colocar limites e pular fora quando essa linha for cruzada, não importa o quanto ela ache que ama o agressor. Amar a si mesma em primeiro lugar tem que ser prioridade, quem não ama a si mesma não ama a ninguém, tem apenas dependência emocional.

Apontar a uma mulher agredida os sinais que ela ignorou, as linhas que foram cruzadas sem que ela se retire da relação e outros atos que levaram a isso não é colocar culpa nela. A mulher agredida não tem culpa, pois nada justifica uma agressão (exceto legítima defesa). Ela não deve se sentir culpada. Ela não é merecedora daquilo por não ter pulado fora. O sujeito foi sim um escroto e cometeu atos repudiáveis e criminosos.

Mas, a mulher deve perceber que tem sim responsabilidade por ter deixado as coisas chegarem aonde chegaram, se tinha possibilidade de fazer diferente, pois, ao perceber essa responsabilidade, ela vai aprender o que não pode ser tolerado. É a mera conexão entre causa-efeito: se tolero isso, acontece aquilo. Zero julgamentos, zero subjetividade, zero culpa. É a compreensão do que aconteceu para que aquele desfecho seja aquele desfecho.

Quando você coloca uma situação como essa nas mãos da aleatoriedade (“fulana teve azar no casamento” ou “homem não presta”) a mulher pode seguir repetindo o mesmo padrão, o mesmo erro, o que por sinal, é bastante comum, justamente por acreditar não ter responsabilidade. Apontar responsabilidade não é um julgamento, não é um juízo de valor negativo sobre a pessoa, é apenas fazer uma conexão entre uma ação e uma consequência.

Hora de acabar com o “shaming” (fazer a pessoa se sentir envergonhada por algo) contra quem aponta responsabilidade. Apontar responsabilidade não é fazer o outro se sentir mal, é dar-lhe a chave que abrem as portas dessa prisão na qual ele vem se colocando. É quebrar um ciclo de comportamento autodestrutivo ou perigos. É, quem sabe, salvar a vida da pessoa. “Se você se expuser de tal forma, as pessoas vão te criticar muito, se não está pronto para isso, não se exponha”.

A família desse menino que se suicidou não tem que sentir culpa de absolutamente nada, afinal, dentro da possibilidade deles, fizeram o melhor. Mas há responsabilidade, que não só eles, mas qualquer um que cria uma criança tem: construir uma autoestima forte que não seja derrubada por crítica de internet, ensinar aos filhos que seu valor não depende da opinião de terceiros e, se perceber que não conseguiram isso, disponibilizar terapia. Mas, nem os adultos conseguem… como ensinar a uma criança algo que não se tem e não se sabe?

Ter filhos demanda não só muito tempo e dinheiro, mas também muita maturidade emocional e equilíbrio. Sinto muito se isso soa cruel para alguns, mas não é, o que é cruel e ter filhos sem estar preparado para isso. Se isso fosse dito mais frequentemente, mais claramente e se a conexão entre pais sem maturidade emocional/equilíbrio e filho com sérios problemas ficasse clara, talvez as pessoas procurassem se estabilizar emocionalmente fazendo uma terapia antes de colocar filho no mundo.

Ninguém muda “porque vai ser pai”, isso é um devaneio romântico: “ah, mas agora que teve um filho vai ter que ser diferente” – não vai. Reproduzir não muda pessoas. Pessoas mudam quando trabalham ativamente para essas mudanças.

E quem não tem equilíbrio emocional, maturidade ou estrutura corre o sério risco de ter um filho que também não tenha esses atributos – e a vida vai maltratar muito essa criança/adolescente. É como jogar no mar alguém que não sabe nadar. ISSO é cruel, não apontar responsabilidade. Milhões de crianças/adolescentes sofrem bullying e apenas algumas se matam. Por que motivo será? Karma? Destino? O signo? Não. É a estrutura emocional que foi construída em sua infância.

Isso faz de quem não consegue construir um emocional saudável para os filhos um fdp, um cretino, um criminoso? Não. Não estamos julgando nada pessoal, nada subjetivo. Mas sim, há uma relação direta entre a estrutura emocional de uma pessoa e seu suicídio por motivos de rejeição, isso é inegável. E quanto mais a gente falar sobre isso, melhor.

Para dizer que eu sou uma escrota, para dizer que esperava um DesContos ou ainda para não me xingar por medo de que eu volte a escrever sobre coronavírus: sally@desfavor.com

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Comments (34)

  • Filhos deveriam vir com manual de instrução.
    Pais responsáveis imaginam estar fazendo o melhor para os seus filhos, porém, lá no futuro, percebem que nao foi o suficiente.
    Ouço pais dizerem que a mais difícil tarefa é criar um filho. Creio ser verdade.
    Eu não sei criar um filho, talvez eu saiba no momento presente dar o meu melhor para a criança, mas a sua vida não se resume apenas ao nosso momento presente.
    No futuro talvez eu precise pensar: o que eu deveria ter feito no passado com essa criança para ter mudado o que ela se transformou hoje?
    O resultado do adulto de hoje pode ser a ausência do manual de instrução que os pais não receberam no passado.
    Palavras como responsabilidade ou culpa deixam de ter seu real significado quando se percebe que os pais nasceram juntamente com a criança.
    Adultos ignorantes como o recém nascido os pais abaixam a cabeça e carregam o pesado fardo se perguntando: Onde foi que erramos? Este ser é aquele filho adorável ou ele foi abduzido em algum local do percurso enquanto eu dormia?

    • Se os pais tiverem inteligência emocional, maturidade e equilíbrio, tempo, disposição para buscar orientação e recursos suficientes, a criança não precisa vir com manual de instrução não, por mais que comentam erros, não será nada que leve o filho à morte.

      O problema é: as pessoas tem filhos sem estar minimamente preparadas para isso, no improviso.

  • Isso virou assunto recorrente na roda autista. Só entre os mais próximos, já tivemos duas tentativas de suicidio por efeitos de militância tóxica.

    • Ninguém se suicida pelo que terceiros falam. As pessoas se suicidam pela forma como lidam com o que terceiros falam.

  • Parabéns pelo texto, Sally! Foi impecável!

    Eu imagino que vc já deva conhecer a dra Brene Brown! Mas se não, recomendo que leia o livro dela ou assista aos TED-Talks! Ela fala sobre vulnerabilidade, é uma das coisas é exatamente o tema do texto: culpa x responsabilidade.

    Culpar é uma forma de liberar a raiva e a frustração em cima do outro, pra não ter que lidar com a responsabilidade. Por outro lado, assumir a responsabilidade requer muita vulnerabilidade, então é difícil numa sociedade que vê a vulnerabilidade como fraqueza.

    Recomendo esse vídeo de 3 minutos pra quem quiser entender melhor o tema:

    https://m.youtube.com/watch?v=0CsaROUsfMg

  • O bullying pode ter efeitos diferentes se vier de algum familiar, de um desconhecido, de um amigo, de um crush. Os impactos variam conforme a situação. Adolescentes não tem estrutura sólida, por isso precisam de ambientes controlados para que não passem por situações que não podem suportar. Ninguém é responsável por suprir a estrutura que falta no outro, porém, escrotizar alguém frágil pode destruir a pouca estrutura que ainda resta, e dificilmente sabemos quem está realmente estruturado e quem está escondendo a falta de estrutura. O suicídio é uma combinação de fatores, é como um tiro de revolver. Depende da arma, da munição e do acionamento pra acontecer. A arma acionada sem munição não atira, a arma carregada não atira sem ser acionada, e a bala lançada só com a mão não dispara.

    • Se a pessoa tem estrutura frágil, que não se exponha (ou que não lhe seja permitido se expor) na internet.
      O resto do mundo não tem como se adaptar à estrutura frágil de alguém. É a pessoa que se adapta ao mundo, e não ao contrário e, certo ou errado, o mundo atual é esse.

      • Tá, mas você não acha que há algo de muito errado em quem pratica bullying? Não o bullying de piadinha, de chamar de baleia o gordo e de Olívia Palito a magrinha, mas sim o bullying que bate, agride, ameaça, obriga o colega a dar dinheiro, quebra celular, rasga caderno. Você não acha que esse adolescente que pratica bullying será um psicopata?
        Muito pior do que quem tem dificuldade de lidar com bullying é quem o pratica, né?

        • Eu tinha vindo pra comentar exatamente isso. Muito do argumento desta discussão é que a vítima de bullying tem que aprender a viver em sociedade e se adaptar ao “mundo real”, mas e o bully? Desde quando alguém que se diverte fazendo mal aos outros, promove linchamentos, sabe viver em sociedade?

          Se hoje temos uma civilização é porque soubemos conter nossos instintos primatas agressivos.

          • É que hoje qualquer crítica ou comentário desfavorável é bullying.

            Mas, assumindo que ele tenha sofrido bullying (pelo que vi, sofreu duras críticas), quem fez bullying também tem responsabilidade. Mas isso todo mundo sabe, seria uma obviedade. Por isso achamos melhor falar de uma responsabilidade que não é óbvia nem comentada.

            • é que parece (parece!) que o texto passa pano para os que fazem as maldades e que quem é vítima de bullying é que é o fraco que tem que saber não se deixar abalar. Como se o agressor fosse sempre o forte e preparado e o fraco fosse a vítima. Posso ter entendido errado. Por favor, não se ofenda. Eu disse “parece” que você passa pano para quem comete bullying: não afirmei que passa.

              • Não me ofendo não. Mas a explicação se mantém: sobre a responsabilidade de quem faz bullying, não há qualquer dúvida e todo mundo fala o tempo todo. Mas sobre a parcela de responsabilidade de quem está do outro lado e permite que o bullying acabe com a sua vida, sobre isso ninguém fala. Como nossa proposta é tentar sempre trazer um ponto de vista diferente, não faria sentidos falar sobre o óbvio e sim abordar o assunto de uma forma que dificilmente se verá por aí.

  • “Mas, se a gente conseguir explicar de forma muito cuidadosa e didática que não há culpa (ela não deve se sentir merecedora disso) mas há responsabilidade (um vínculo direto entre suas escolhas e o ocorrido), pode haver algum aprendizado: vivemos em um país onde muitos homens se portam como animais e, infelizmente, por mais injusto que seja, uma mulher que não quer ser vítima de violência deve tomar alguns cuidados e se colocar algumas restrições, entre eles, não ficar sozinha em locais desertos”.

    É exatamente o que vem falando Camille Paglia durante décadas lá nos EUA. Aí a taxaram de antifeminista.

    • Pois é, infelizmente parece que algumas coisas simplesmente não podem ser ditas quando se fala de mulher. Uma pena esse tratamento infantilizado que as próprias mulheres alimentam…

  • Excelente texto Sally !
    Nunca fui de “culpar”, mas
    mesmo assim ajudou bastante a refletir como me expressar melhor.

    • O melhor que podemos fazer é refletir e aprender como não reagir negativamente quando alguém nos sinalizar responsabilidade.

  • O que eu achei mais tragico foi ele ter que se fingir de gay pra ganhar likes. Lamentavel essa geracao, e se a pessoa e muito sensivel que fique longe de redes sociais.

      • Estou pouco informada sobre este assunto, mas do pouco que vi me chamou atenção um vídeo que ele postou em tom de brincadeira onde ele afirmava que não era gay e repetia várias vezes algo como “se minha tia vê isso, ela vai me matar”.
        Do jeito que ando com o pé atrás sobre tudo ultimamente, não me surpreenderia se ele fosse gay (talvez não assumido) e a maior rejeição viesse da própria família.
        Me chamou também atenção o vídeo da mãe dele depois do ocorrido. Poxa, se meu filho se mata supostamente pela pressão na internet, a última coisa que vou fazer é vídeo chorando sobre isso pra postar… na internet!
        Tudo muito estranho. O adolescente nunca é disfuncional “do nada”.

        • Mas é muito mais fácil botar a culpa em adolescente que fez comentário maldoso do que repensar a vida e criação que a pessoa deu para o filho, né? O problema são sempre os outros.

  • Ótimo texto. Em alguns casos a vítima pode colaborar ou se colocar em situações de risco, bem como você citou. No mundo ideal a mulher deveria estar segura, mas não é assim que funciona. Responsabilizar qualquer pessoa hoje em dia é quase como dizer: “está me julgando”, “está dizendo que eu mereci isso”, etc. Muita gente não quer ter responsabilidade por nada, nem pelas atitudes ruins que tomou. No caso desse menino, os comentários só potencializaram algum problema que ele já deveria ter.

    • Eu tenho o direito de usar jóias. Porém, se moro no Rio de Janeiro, me encho de jóias e vou ä noite circular por um lugar barra pesada, fatalmente serei assaltada e levarão minhas jóias. E te garanto que nesse caso todo mundo vai dizer: “Mas também, quem mandou ir nesse lugar usando jóias?”

      Eu mereço ser assaltada? Não. Mas eu contribuí para isso ignotando um risco real e notório.

  • Ótimo texto.
    A partir do momento em que os pais ensinarem os filhos a lidarem com frustações e não basearem a própria vida em comparações com vidas virtuais fantasiosas, caminharemos para uma sociedade com indivíduos mais estáveis emocionalmente e menos dependentes de fármacos antidepressivos.
    Infelizmente, constatamos isto como uma realidade muito distante da atual.

  • Quando morre um suicida por motivos fúteis feito bullying ou quando morre um drogado de overdose, não sinto pena, creio que é Darwin fazendo a sua parte pelo bem da espécie. Sou mau/insensível por ser assim?

    • Não, não é. Você tem o direito de pensar o que quiser. A maldade ou insensibilidade consiste em ir até terceiros que estão sofrendo e lhes provocar ainda mais dor com o que você pensa, de forma gratuita ou desnecessária.

  • Sally, este texto fica especialmente importante em uma época como a nossa, em que muita gente bate boca o tempo todo sempre cheia de certezas mas empregando nos seus “argumentos” – com aspas, por favor – um monte de palavras cujos verdadeiros significados desconhecem e/ou não entendem. Mesmo com dúvidas se vai adiantar de alguma coisa, eu mandei o link daqui para algumas pessoas que acho que precisam ler algo assim.

    Quem se der ao trabalho de consultar um bom dicionário vai perceber que o termo “responsabilidade” tem a ver com “sensatez”, ponderação”, “discernimento”. Uma pessoa “responsável”, portanto, é aquela dotada de “sensatez”, de “ponderação” e que tem “discernimento” para compreender que suas ações/escolhas sempre têm consequências. E essa noção fica ainda mais clara quando se verifica, nesse mesmo dicionário, que uma das definições para o antônimo “Irresponsável” é “inconseqüente”; ou seja, justamente quem ignora – ou só não se importa – com as conseqüências de seus atos.

    Por outro lado, o termo “culpa” se relaciona com, entre outros, “remorso”, “arrependimento” e “penitenciar-se”. Quem sente “culpa” carrega na alma o “remorso” ou o “arrependimento” por alguma coisa que fez cujas conseqüências foram ruins e também “se penitencia”; isto é, acredita que precisa “pagar uma penitência” e se considera merecedora de um “castigo” pelo que aconteceu.

    Devo confessar que não tenho lá muita certeza se tudo o que eu disse é válido para diminuir a tal “confusão terminológica sem precedentes” que foi mencionada no texto, mas modestamente espero ter, de alguma forma, contribuído para o debate.

  • “Sem querer mexer em um vespeiro, mas já mexendo, é muito comum em mulheres que estão em relações abusivas quando poderiam sair delas. Há mulheres com muito dinheiro, em cargos de prestígio, que se mantém nas mãos de abusadores ou trocam de um abusador para o outro.”

    Eu tenho pra mim que mulher, por livre e espontânea vontade, só aguenta humilhação/violência de homem ou por carência, ou por dinheiro (analisando friamente, na maioria dos casos é assim).

    Quanto ao adolescente que se matou eu não o conhecia e nem conhecia a mãe dele, mas não deixa de ser trágico o que aconteceu. No meu mundo ideal, nem adolescente e nem criança teriam qualquer acesso à internet. Isso aqui virou terra de doente e desequilibrado. Se até adulto razoavelmente saudável mentalmente sofre com essa gente louca, imagina um adolescente que já é naturalmente complexado com uma porção de coisas.

    • Tem mulher que aguenta muito desrespeito por carência emocional, por medo/incapacidade de ficar sozinha, acho eu.

      O adolescente que se matou obviamente não se matou “por causa de comentários em um vídeo”. O menino fez um vídeo de brincadeira, fingindo que ia beijar um amigo, mas não beijou. O menino não era gay, segundo declarou sua mãe, era apenas uma brincadeira. Ele foi esculachado por essa brincadeira nos comentários. Isso, por si só, não faz ninguém se matar. Evidentemente tem muita coisa que antecede esse vídeo.

  • Bernardino Teixeira

    Texto bem didático e informativo; falou tudo: este excesso de culpa está tornando o vitimismo e coitadismo insuportáveis.
    Não se pode mais criticar, apontar os defeitos e imperfeições, tudo tem que ser elogiado, ainda que seja uma merd@.
    E a geração atual está passando estes valores: ensinando aos filhos a ter uma fragilidade emocional, sem precedentes. Infelizmente, existe toda uma indústria (bem montada) que nutre este comportamento e o encoraja.

    • Mas a vida ensina. E quando a vida ensina, ela não costuma ser gentil. Vai ser uma geração forjada a lágrimas e Rivotril.

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