Palavrões profissionais.

O ambiente de trabalho exige algum grau de autocontrole, assim como qualquer outro ambiente onde convivem pessoas. Sally e Somir concordam que existem restrições óbvias, mas não em quais seriam elas. Os impopulares falam sem medo de repercussão.

Tema de hoje: palavrão em local de trabalho (entre os funcionários, não com o cliente) é condenável?

SOMIR

Não. Palavrões são parte da linguagem adulta, eles ocorrem naturalmente entre a maioria das pessoas e tem sua função na expressão de sentimentos. Num ambiente dominado por pessoas já crescidas, é algo esperado. Controlamos a fala de crianças para evitar que elas saibam diferenciar os momentos em que palavrões podem ser utilizados ou não, e se a pessoa chegou na vida adulta sem essa noção, não é como se você pudesse controlar mais.

E via de regra, o ambiente de trabalho (longe do cliente) é um dos lugares onde existe a permissão de utilizar linguagem não-formal. Com o passar do tempo, espera-se que o funcionário comece a se soltar e sentir que está num lugar seguro, onde pode se expressar de forma muito mais livre. Isso tem algumas vantagens, inclusive para o empregador: aumenta o nível de honestidade, o que pode evitar diversos problemas de falha de comunicação, e também cria a sensação de grupo unido, a pessoa tem uma liberdade extra entre seus colegas de trabalho, o que induz a sensação de fazer parte de um time específico, aumentando a união entre a equipe.

Argumento inclusive que ter um ambiente bem liberal no uso de palavras de baixo calão ajuda a criar uma separação clara entre ambiente interno e externo da empresa. A maioria das pessoas tem alguma noção de que existe uma divisão entre situações em que você pode falar palavrão e onde não pode.

O risco de criar um ambiente de trabalho muito formal é borrar essa linha, não só engessando relações profissionais cotidianas como aumentando o risco de alguém perder a linha na frente do cliente. Explico: mesmo que exista uma política de controle de palavrões no ambiente interno de trabalho, ele sempre vai ser mais permissivo que o externo, na frente do cliente. Todas as liberdades que os funcionários vão criar entre si longe das vistas do chefe podem acabar sendo replicadas diante do cliente, inconscientemente.

É sempre melhor desenhar linhas claras para as pessoas. Quando ela entende que ao entrar no ambiente interno da empresa pode se soltar, entende por tabela a diferença entre as situações. Quando surge um cliente, fornecedor, colaborador externo ou mesmo um visitante, é automático notar que o ambiente mais intimista do trabalho diário foi modificado. As pessoas se controlam melhor quando há uma tensão que pode ser criada imediatamente só pela mudança do habitual.

A linha da linguagem formal no ambiente de trabalho só existe quando há um superior hierárquico que a impõe nas proximidades do funcionário. Isso é evidente para qualquer pessoa que tenha estado dos dois lados dessa moeda: todo mundo se comporta um pouco melhor diante do chefe. É natural e até saudável: chefe que não consegue deixar sua equipe mais careta apenas por estar próximo é chefe sem respeito. Péssimo para os resultados da empresa.

Quando o chefe vira as costas, é natural que os funcionários soltem a língua e quebrem regras estritas como essa da fala mais formal. O problema disso é que terceiriza demais a responsabilidade sobre controlar o que se diz. A pessoa gera o hábito inconsciente de prender e soltar os palavrões de acordo com a supervisão do chefe, e se o chefe não estiver presente quando ele estiver em contato com um cliente ou pessoa externa ao ambiente de trabalho, tende a repetir esse comportamento sem pensar.

Por isso acho melhor criar o conceito de ambiente seguro para falar palavrão dentro das paredes do ambiente interno de trabalho do que condicioná-lo à pessoa do chefe. É mais intuitivo e funciona mesmo sem a presença do superior hierárquico.

E em 2021, temos outra coisa para considerar: os monstrinhos do politicamente correto. Se eu só tivesse que lidar com pessoas mais ou menos da minha idade ou mais velhas, até poderia entender melhor a ideia da Sally, mas como é muito provável que você acabe trabalhando com as gerações criadas na base da lacração, especialmente em mercados mais criativos como publicidade, é bom ter um filtro rápido para não criar cobras dentro da sua empresa.

Gente com menos de 30 que se ofende com palavrão normalmente tem algum elemento de lacração envolvido. Não é questão de decoro, porque foram criados em ambientes muito mais permissivos com palavrões, é questão de vitimização. Querem somar pontinhos dizendo que estão num ambiente tóxico, machista, homofóbico ou qualquer uma dessas variações. Não estou dizendo que todo mundo abaixo dessa idade só se ofende com palavrão para tirar vantagem e “fazer exposed” na rede social, mas o risco aumenta absurdamente.

Você quer que gente desse tipo se revele o mais rápido possível. Se começar a fazer cara feia com palavrão, é só ver se tem outros elementos lacradores óbvios e se livrar da pessoa antes de acabar o período de experiência. Num ambiente mais formal, você pode criar uma cobra por anos e se ferrar por qualquer coisinha porque uma chata aleatória queria biscoito da internet.

Ambiente com palavrão e uma saudável dose de desrespeito pelo politicamente correto é excelente para sacar que tipo de pessoa você contratou. Se ela achar ruim rapidamente, você se livra do problema rapidamente também. Eu quero um ambiente que acolha todo tipo de pessoa, mas que também revele quem abusa do acolhimento para tirar vantagem pessoal. Lacração não é o fim do mundo, todo mundo pode aprender a ser um pouco mais respeitoso com o outro, mas lacração “islâmica” com gente querendo te apedrejar por qualquer motivo não ajuda em nada na empresa.

Empresa com palavrão e um pouco de honestidade desagradável é tolerável pela maioria dos adultos mentalmente saudáveis, e são esses que eu quero me ajudando a ganhar dinheiro.

Para dizer que eu sou um chefe preguiçoso, para dizer que não concordava até a parte dos lacradores, ou mesmo para dizer que palavrão é o caralho: somir@desfavor.com

SALLY

Palavrão em local de trabalho (entre os funcionários, não com o cliente) é condenável?

Sim. Mas não por questões moralistas ou por ter algo contra palavrões, diga-se de passagem, um recurso que eu mesma uso o tempo todo.

Deixar o palavrão correr solto no ambiente de trabalho passa uma ideia errada de informalidade e intimidade aos funcionários, o que não é bom para nenhuma empresa/negócio, especialmente no Brasil, onde o povo é sem noção e frequentemente se porta de forma informal ou abusa da confiança.

É necessário um marco divisório entre a vida pessoal (quem sou eu quando estou fora do trabalho) e a vida profissional (quem sou eu quando estou no trabalho), caso contrário, o povo confunde as coisas e começa a se comportar de forma inadequada. Só vai discordar de mim quem nunca teve funcionários subordinados na vida.

É necessário impor limites, fronteiras, regras. Infelizmente o brasileiro médio não tem a postura necessária para passar credibilidade e seriedade aos serviços/produtos de uma empresa. É preciso criar um ambiente, um “cercadinho”, com regras sobre o que pode e o que não pode ser feito para ter alguma esperança de ver uma atitude profissional. Fosse um país civilizado, as pessoas saberiam fazer o uso adequado de tudo, inclusive do palavrão. Mas não é.

É aquela fala antiga de mãe e avó: se você fizer o tempo todo, vai acabar fazendo sem querer quando não é o momento. Eu entendo que em uma reunião, entre quatro paredes, onde só estão colegas de trabalho de confiança, seja inofensivo soltar um palavrão. O problema é estrutural: você deixa uma vez e começa a acontecer cada vez mais, toda hora, em todos os lugares. É “falta de bom-senso” que chama. Ou alguém aqui vai me dizer que o brasileiro tem bom-senso?

Tolerar informalidade é se arriscar a, um dia, ver essa informalidade aflorar nos momentos mais inoportunos: na frente de um cliente, na frente de um superior hierárquico que seja formal, na frente de qualquer pessoa que possa se incomodar e ofender, manchando o nome da empresa. “Ah, mas quem se ofende com palavrão que se dane”. Quem tem clientes não pode ter essa mentalidade, se não vai falir. Quem tem clientes tem que tomar cuidado para não desagradar os clientes.

Não estou falando em nenhuma restrição opressiva. Palavrão não é uma coisa socialmente aceita: evitam falar na frente de crianças, você não fala para pessoas que não tem intimidade, não se costuma dizer em situações formais. Ele aflora no trabalho pelo simples fato de ser um ambiente de muito estresse, como uma válvula de escape, mas continua sendo inadequado, pois, ao contrário do que muitos acham, local de trabalho é sim um ambiente formal.

Eu adoraria que ambiente de trabalho não precisasse ser um ambiente formal, mas, infelizmente, com a mentalidade vigente, se der brecha para a informalidade, a coisa acaba descambando para a inadequação, queda na produtividade e, não raro, falta de respeito. Fato: no geral, as pessoas não sabem se portar. Tem que ter um cercadinho muito claro delimitando o que pode e o que não pode para dar o tom de como a pessoa tem que ser naquele ambiente.

Se você é o um em um milhão que só trabalha com pessoas alto nível, educadas, responsáveis e que sabem medir exatamente o que falam, onde e quando, parabéns, sua vida deve ser muito boa. Cuide muito bem dos seus empregados/funcionários, pois eles são uma raridade.

Mas, se você faz parte do grupo majoritário de reles mortais que tem que dizer o básico aos seus funcionários, o que deveria ter sido ensinado em casa e, ainda assim, de vez em quando tem problemas, comece a pensar em criar um ambiente que desestimule a informalidade.

Passou da hora do brasileiro entender que um certo distanciamento não é maldade, frieza ou algo para se magoar, é um recurso que ajuda a empresa a se manter (com menos brigas, menos problemas, menos fofoca) e ao funcionário a produzir melhor (o protege do risco de se exceder e causar um dano a ele mesmo ou à empresa).

Essa coisa de achar que para ser um bom ambiente todo mundo tem que ser amigão de todo mundo, todo mundo tem que poder falar o que quer e todo mundo tem que ter liberdade total é um pensamento hippie e de quem não tem consciência de como as pessoas se portam no Brasil. Colocar limites não é ofensivo, muito pelo contrário, é protetivo.

Tolerar palavrão comendo solto é abrir uma porta para a informalidade, a falta de educação e comportamento inadequado. Repito: as pessoas não sabem se gerir, não sabem a hora de falar e a hora de calar. Sendo assim, algumas coisas não devem ser ditas nunca. “Ah mas eu sei me gerenciar”. Ok. Parabéns pra você. Mas este texto não e sobre você, é sobre a coletividade, no geral. Você acha que, no geral, quando falamos do brasileiro médio, dá certo liberar geral o palavrão em ambiente de trabalho?

Sem querer ofender (mas vai), essa é uma regra importante no adestramento canino: cães não entendem exceções. Se você não quer que o cachorro suba na cama, o cão nunca pode subir na cama. Não tem como ensinar a subir na cama só nos dias em que o seu namorado não está dormindo na sua casa: ou ele pode subir sempre, ou ele não pode subir nunca. Eu frequentemente comparo pessoas sem discernimento a cães, não para ofender, mas por seu comportamento ser de fato muito similar.

Gente sem discernimento não consegue perceber contexto, não entende exceções e não é capaz de administrar um recurso liberado em apenas algumas situações de cunho subjetivo. Então, para o bem da empresa, e para o bem dessas pessoas, é mais produtivo uma regra única, clara e sem exceções.

“Ah mas eles não vão gostar”. Sim, como cães também não gostam de restrições, mas depois de umas semanas se acostumam com elas e seguem suas vidas com total felicidade. É questão de costume. Spoiler: seus funcionários, em algum momento, vão desgostar de você ou das suas regras. Não tem como agradar o tempo todo.

E outra, anota aí uma dica para a vida: se você pautar qualquer escolha feita sobre sua empresa ou seu negócio no desejo de que seus funcionários gostem de você, além de ser um péssimo administrador, tem grandes chances disso dar uma merda federal. Não seja carente, funcionário não é amigão, funcionário não tem que gostar de você. No Brasil, funcionário não VAI gostar de você, fato, pois as pessoas se chateiam com qualquer trava ou freio.

Palavrão é recurso, e, como qualquer recurso, tem tempo e hora para ser usado. Quem não tem o discernimento para saber, não pode se valer desse recurso. Simples assim.

Para dizer que o texto é dolorosamente ofensivo, mas dolorosamente verdadeiro, para dizer que foda-se o que o cliente vai pensar ou ainda para dizer que basta contratar funcionários evangélicos: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Falar palavrões depende de como a pessoa é educada.
    Se o hábito foi introduzido no meio familiar a criança cresce ouvindo palavrões e os repete pela vida toda
    sem um pingo de respeito pelo constrangimento causado às pessoas que não possuem o hábito de dizer palavrão.
    Nunca gerou gentileza dizer palavrões.

  • Eu não recrimino ninguém pelo modo de falar e também xingo de vez em quando, mas acho que tem hora e lugar pra tudo. Por isso, pra evitar futuras dores de cabeça no caso de alguma coisa “escapulir”, convém evitar palavrões no ambiente de trabalho.

  • Onde eu trabalho a gente só se faz de educado na frente dos clientes. Tem coisas que só um palavrão expressa. Entre colegas é palavrão pra caralho!

  • Não se pode confiar nos limites das pessoas, principalmente pq nem todo mundo recebe a mesma educação. É um alívio ver apoio ao distanciamento, amizade excessiva e forçada na cultura das empresas brasileiras cria um ambiente favorável para manipuladores e gente folgada.

  • Não faz diferença, a humanidade como um todo está decaindo para a macaquice. Descontrole emocional, falta de educação, falta de modos, barulho, sujeira, consumismo, Brazilification é um fenômeno real, somos uma prévia, um laboratório.

    E quem criticar é elitista, atrasado, fascista, maquinista, trapezista, repressor, sem graça, não tem gingado

  • Bom dia, queridos. Nessa estarei com o Somir. No meu grupo de pesquisa na universidade, pra cada uma palavra científica que troco com meus colegas na elaboração de artigos, vêm logo uns dois ou três palavrões, surgidos da discordância nos cálculos e – mais tarde – na concordância após tirarmos as dúvidas e chegarmos a um denominador comum. Absolutamente natural, a meu ver, principalmente se considerarmos que é um grupo que já dura dez anos e os membros já têm intimidade para essa “troca de gentilezas”.

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