FAQ: Coronavírus – 38

O fato de ser impossível alcançar imunidade de rebanho quer dizer que vamos ficar assim para sempre? De que adianta usar máscara então?

NÃO. Não quer dizer que o vírus nunca vai ser controlado, não quer dizer que vamos ficar eternamente trancados em casa e não quer dizer que vamos estar em eterna pandemia.

Quer dizer que só com vacinas não vamos resolver ou controlar o vírus, o que, por sinal, é algo que nós estamos falando faz tempo aqui. Quer dizer que vamos precisar de outras medidas para que a pandemia termine. E, que fique claro, terminar a pandemia significa acabar com a circulação mundial do vírus, não com o vírus em si.

É importante, antes de mais nada, reduzir a circulação mundial do vírus, para que ele pare de sofrer mutações que o deixam mais contagioso, mais letal, mais apto a continuar circulando. Essa é a ideia das vacinas atuais. Se você achou que vacina foi criada para você poder voltar pro seu barzinho, pro seu encontrinho ou para sua vida social, você vive em um universo paralelo e não entende como a ciência funciona.

Para reduzir a circulação do vírus, no momento, são necessárias medidas como uso de máscaras, distanciamento social, ventilar todos os ambientes e todas aquelas regrinhas que a gente já cansou de falar. Quando/se a humanidade conseguir isso, aí sim, em conjunto com as vacinas, pode ser que a pandemia seja controlada.

“Se eu não vou poder ir para a balada, para que serve vacina?”. Para evitar que mais de 90% das pessoas que pegam o vírus morram, seu bostinha egoísta (quem fez esse comentário, não o leitor que fez a pergunta principal). A ciência não trabalha para o seu bem-estar, lazer e vida amorosa. Talvez você não tenha percebido, mas você não é o centro do universo.

E, mesmo com a pandemia controlada, o vírus pode não desaparecer (provavelmente não vai). Ele apenas vira um problema menor. Um exemplo fácil de entender: a pandemia de Gripe Espanhola, em 1918, que matou muita gente, mas acabou controlada, foi controlada sem “exterminar” o vírus: com vacinas e outras medidas.

Até hoje o Influenza circula e até hoje não temos vacina definitiva, tomamos todos os anos vacina para gripe. E, até hoje, gripe mata, mas mata tão pouco que não temos mais medo dela. A tendência é que o mesmo aconteça com a covid-19. Só espero que não demore cem anos para isso.

De que adianta usar máscara? Bom, se quiser pensar em você e no seu bem-estar, adianta usar para não deixar o vírus circular. Mesmo vacinada, a pessoa pode adoecer e, mesmo sem sintomas, contagiar outras pessoas. Mesmo que a humanidade toda pegue covid assintomático e não tenha nem ao menos uma febrinha, o risco de todo mundo se ferrar muito continua.

Quanto mais o vírus circula (causando ou não dano aos humanos), mais oportunidade de mutar. E, um dia desses, pode surgir uma versão que seja muito contagiosa, que escape às vacinas e que seja mais letal. Isso faria com que voltemos à estaca zero (ou pior do que ela), tirando a eficácia da sua vacina, te obrigando a ficar trancado em casa, matando pessoas que você ama e fazendo a humanidade retroceder em uma conquista importante.

Então, para você não perder a liberdade e segurança que já tem, eu recomendo fortemente o uso de máscara e outras medidas para conter a circulação do vírus, assim o vírus tem menos oportunidade de circular e menos oportunidade de mutar, causando problemas ainda maiores para você e para a humanidade.

Agora vamos ao “de que adianta usar máscara” se tivermos só um pouquinho de empatia e pensarmos nos outros.

Existe um grupo considerável de pessoas que nunca vai poder se vacinar ou que, mesmo que se vacine, não vai ter condições de criar uma resposta imune que proteja contra o vírus. Só para citar alguns exemplos: pessoas em tratamento quimioterápico, pessoas com doenças autoimunes (são mais de cem tipos diferentes), transplantados, imunodeprimidos e muitos outros.

Essas pessoas correm um risco maior de morte: se pegarem covid, seu corpo não vai ter as melhores condições de combater o vírus. Por isso, para proteger essas pessoas, que podem estar no mesmo ônibus que você, na mesma fila do mercado ou na mesma fila do banco, usamos máscaras: para tentar não matá-las.

E não se engane: a qualquer momento qualquer um de nós pode se tornar uma dessas pessoas. Ninguém está a salvo de ter uma doença autoimune ou qualquer outro problema que impeça vacinas de funcionarem como deveriam.

Então, tem argumento para todo mundo: egoístas e altruístas. Façam as pazes com a máscara, com distanciamento social, com ambientes ventilados e com lavar bem as mãos, eles vão ficar entre nós por um tempo ainda – e isso não quer dizer que vacinas falharam, isso quer dizer que você entendeu errado para que servem as vacinas e como elas funcionam.

E, embutindo outra pergunta aqui, vieram me questionar se esta vacina não é um fracasso por não ter erradicado a doença, como se a única vitória fosse erradicar a doença.

Até onde eu tenho conhecimento, o único vírus que foi completamente erradicado por uma vacina foi a varíola. Então, se você entendeu que vacina erradica vírus, faltou estudar um pouco sobre como elas funcionam. UMA, apenas uma única vacina, em toda a história da humanidade, erradicou um vírus. Só. Alguém tem coragem de dizer que todo o resto “não funciona”?

Mesmo poliomielite, conhecida como “paralisia infantil” ainda nos assombra. Há relatos de alguns casos na Ásia. No Brasil, foi erradicada na década de 90, mas não está completamente erradicada no mundo, isso quer dizer que uma criança que forme uma resposta imune ruim à vacina, se tiver muito azar, ainda pode ter a doença, pois o vírus ainda circula.

Mas, mesmo que a pólio seja erradicada completamente pela vacina, temos que lembrar que a doença surgiu em 1908, então, demorou mais de cem aninhos para a vacina acabar por completo com a doença. Esperar que em um ou dois anos as vacinas contra covid-19 erradiquem a doença é um devaneio. E acusar uma vacina de não funcionar por ela não ter feito o que você queria e no seu tempo é desconexão com a realidade.

Então, se você em algum momento pensou ou disse que vacinas não funcionam, reveja esse pensamento: é você que não entende como elas funcionam.


Sem piada, onde eu moro estão dando a vacina de covid-19 na bunda. É um pretexto para ver a nossa bunda ou isso existe? A vacina vai fazer o mesmo efeito?

A regra é que a vacina contra covid-19 seja aplicada no braço, em um músculo chamado deltóide. No caso específico da vacina contra covid-19 se optou por esta região por ser a mesma região em que a vacina foi aplicada durante seus testes, então, é o lugar que já foi testado para essa finalidade e se sabe como reage à vacina.

Existem alguns lugares do Brasil onde de fato estão aplicando a vacina “na bunda”, que, na verdade, não é nos glúteos, é em uma região chamada de “ventroglúteo”. Essa região fica acima das nádegas e um pouco mais à lateral. Se foi aí que você tomou, está tudo bem, é provável que seja apenas uma escolha diferente do local de aplicação.

O importante é que a vacina seja aplicada no músculo, nunca em camadas superficiais da pele, em camadas adiposas e muito menos na veia. Escolhe-se aplicar a vacina em determinados músculos por diversos motivos: para evitar inflamações mais severas ou para ficar longe de regiões com muitos vasos sanguíneos ou nervos que poderiam sofrer danos se fossem atingidas sem querer, por exemplo.

Além disso, tem uma boa quantidade de células do sistema imunológico nos músculos, o que é uma forma de garantir que o recado (a vacina) vai chegar no destinatário desejado. E, certos músculos são melhores para receber vacinas por uma questão “geográfica”.

Após detectar o “invasor”, o corpo o ataca, mas também leva informações sobre ele para pelos vasos linfáticos até chegarem aos linfonodos, gânglios que concentram muitas células imunológicas. É como se levasse uma foto de um bandido para uma delegacia de polícia e mostrassem a todos os policiais que circulam pela cidade: “tá vendo este sujeito? Se encontrar com ele, tem que prender”.

Por isso, o ideal é que a vacina se aplique não apenas em músculos, mas também em músculos que fiquem próximo dos principais linfonodos, que estão localizados na virilha e na axila.

Daí a indicação de quatro músculos considerados aptos a receberem a aplicação de vacinas intramusculares: o braço, a coxa, o dorsoglúteo (que fica atrás do quadril) e o ventroglúteo (que fica na lateral do quadril). Todo mundo perto de linfonodos importantes.

Como dissemos, braço é a indicação dos fabricantes da vacina pois foi no braço que elas foram testadas. Mas braço não é o único lugar “correto”, é necessário ter mais opções além do braço, caso contrário, quem não tem braço não poderia ser imunizado. Então, estando dentro dessas 4 regiões que citamos no parágrafo anterior, é aceitável receber vacinas intramusculares. Se sair de um desses quatro lugares, recomendo não permitir que apliquem.

Sobre ser uma desculpa para ver a sua bunda, isso é fácil de resolver: vá de calça. Para aplicar uma injeção na região do ventroglúteo, que fica acima da bunda, basta descer a calça um pouquinho, fica poucos dedos abaixo do seu cóccix. Se a pessoa pedir para você arriar as calças até o joelho para que ela possa aplicar a injeção… bem, aí você pode chamar a polícia, pois estão querendo ver a sua bunda mesmo.


Aqui em São Paulo estão dizendo que 100% da população está imunizada. Procede?

Não, não procede. Imunizada é a pessoa que tomou as duas doses das vacinas e já esperou o tempo suficiente para que o sistema imune forme anticorpos para ela (em média, 15 dias após a segunda dose).

Na cidade de São Paulo a conta está por volta de 40% da população na segunda dose, o que é uma vergonha, já que uma dose só não protege bem contra a variante Delta. Mais da metade da população está com uma proteção inadequada contra a variante predominante no local. Por aí já se vê que ninguém deveria estar tentando tirar onda com vacinação. Não tá tranquilo, não tá favorável.

Então, o que podem ter anunciado é 100% dos adultos vacinados com a primeira dose mas, mesmo assim, só é verdade com uma ginástica argumentativa muito da safada. Vamos conversar mais uma vez sobre como os números podem te dar o que você quiser se você os torturar da forma certa.

100% de adultos vacinados com primeira dose: não é a realidade. Começa que 100% de vacinação é um número que não seria nem possível de atingir, uma vez que um grupo expressivo de pessoas não podem (ou não querem) tomar vacina. Junta os antivacina, os irresponsáveis e quem tem algum problema de saúde que impede a vacinação e você já não alcança 100% das pessoas.

Aí vai ter quem cogite que estariam falando de 100% de vacinas aplicadas dentro do grupo que pode ser vacinado. Novamente: não é verdade. Por diversos motivos. Vamos a eles.

O último Censo (ou recenseamento demográfico) realizado no Brasil foi em 2010, mais de dez anos atrás. É pelo Censo que se recolhem informações importantes sobre a população, entre elas, quantidade de habitantes de cada lugar. Essas informações desatualizadas são as únicas que o Brasil tem (já que o atual Presidente achou que não valia a pena gastar dinheiro para fazer um novo Censo).

Isso quer dizer que, quando comparam o número de doses aplicadas com a população de São Paulo, estão comparando com a população de 2010, que é o último número oficial que se tem. Obviamente, em mais de dez anos, a população de uma grande cidade cresce, e no Brasil cresce bastante.

Não apenas por pessoas terem filhos ou por seus filhos se tornarem adultos (para fins de vacina), mas pela migração: sai gente de tudo quanto é canto do país para ir morar em São Paulo em busca de oportunidades melhores. Quantos terão ido morar lá nos últimos dez anos?

Então, vamos supor, apenas para fins didáticos, alguns números absurdos: vamos imaginar que em 2010 São Paulo tinha mil habitantes. Vamos supor que a população cresceu (muitas crianças viraram adultos, muita gente foi morar lá, etc.) e que hoje São Paulo tem dois mil habitantes. Da forma como está sendo feito, quando vacinarem mil pessoas em São Paulo atingem, oficialmente, 100% da população vacinada. Mas, se levarmos em conta os números reais, atualizados, teriam vacinado apenas metade da população.

Outro fator é que tem pessoas que se vacinaram em São Paulo mas não são de São Paulo: gente que está vivendo temporariamente em São Paulo, por exemplo, para cuidar de parente durante a pandemia ou fazer faculdade, tem gente que trabalha em São Paulo mas mora em outro lugar e tem até gente que foi para São Paulo deliberadamente para tomar a vacina lá, pois tinha a vacina que a pessoa queria, enquanto que no postinho na esquina da sua casa não tinha uma do seu agrado.

Essas pessoas contam nos números de população vacinada de São Paulo, mas não constam nos números de população de São Paulo, o que, no final das contas, ajuda a gerar uma belíssima discrepância.

Para finalizar, tem ainda os anormais que tomam mais doses do que correspondem de uma vacina. Não tenho informações da quantidade de pessoas que estão fazendo isso, mas elas existem.

Eu sinceramente espero que sejam poucos e desprezíveis para o cômputo geral, mas, vamos ser sinceros, desde que se está falando em aplicar oficialmente uma terceira dose (ou seja, desde que as pessoas têm a garantia de que isso é seguro e bom), mais e mais pessoas dão duas voltas na fila da vacina para tomar doses extras.

Todas essas pessoas serão vacinadas em São Paulo, mas não são população de São Paulo. Muito menos a população de São Paulo em 2010. Elas acabam inflacionando de forma indevida a quantidade de pessoas vacinadas em São Paulo, partindo de um número de habitantes já defasado.

Atingir 100% usando pessoas de fora e usando o número de população de 2010 não é muito honesto, concordam?

Quando de fato toda a população de São Paulo estiver vacinada, isso vai gerar um ridículo número acima de 100%, que não faz o menor sentido para quem não entende o contexto, a forma como a população é contada e a forma como as vacinas são contabilizadas. Então, não estranhem se, em um futuro aparecer a notícia de 102% das pessoas vacinadas em São Paulo. Quem for leitor do Desfavor vai saber o que aconteceu.

Para dizer que tentar ver bunda na aplicação da vacina não é nada em um país onde se enfia ozônio no cu, para dizer que agora entende por qual motivo não quiseram “gastar dinheiro” com o Censo ou ainda para dizer que tá tudo muito errado: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • A segunda dose precisa ser no mesmo braço? Pode dar algum problema vacinar no mesmo lugar num período de tempo relativamente curto?

  • Para que usar cinto de segurança, se ainda temos acidentes de trânsito?
    Para que usar luz elétrica, se ainda temos escuro à noite?
    Para que usar papel higiênico, se o cu ainda fica fedido?
    Para que comer, se ficamos com fome logo depois?
    Quando eu vi o caminho que a coisa estava seguindo, simplesmente deletei as minhas contas das redes sociais.

  • Mas mesmo com a totalidade da população vacinada, não quer dizer que estaremos todos imunes e protegidos: as vacinas não possuem 100% de eficácia. Sendo assim, é melhor compreender a vacina como um plus, a cereja do bolo. É importante é faz toda a diferença, mas manter o uso da máscara e fazer isolamento são essenciais.

  • Gripe mata muito sim. Minha madrinha evoluiu pra pneumonia e morreu. Meu pai quase morreu 2x. Covid é mais forte que gripe, se for pensar assim, seria eternamente essa paranoia que deu no saco já. Quando vou na favela com uns amigos, ninguém usa máscara e se alguém usa, olham como se fosse um E.T.

  • Tá tudo muito errado mesmo, Sally. E essa última resposta sobre os “100% de vacinados em São Paulo” mostra que brasileiro não se dá mesmo muito bem com números. Registrar dados, classificá-los, tabulá-los, entendê-los e divulgá-los corretamente já não é algo fácil de se fazer. E, quando a incompetência e/ou a má fé em que a BMzada é mestre interferem na realização dessa tarefa, tudo fica ainda pior.

    • É como aquele outro FAQ onde explicamos os “baixos” números de ocupação de UTI: sem contexto parece bom, com contexto, nem tanto.

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