Paradoxo de Fermi: falando baixo.

Como acontece de tempos em tempos, astrônomos detectaram mais um sinal “estranho” vindo do espaço. ASKAP J173608.2-321635, porque aparentemente é crime dar nome simples para essas coisas, é um sinal sem explicação óbvia vindo do centro da nossa galáxia. Veio de um lugar aparentemente vazio, ficou muito intenso em alguns pulsos e desapareceu.

Se você tem alguma experiência em acompanhar esse tipo de notícia, já sabe que a resposta padrão é que provavelmente não são aliens. Já tivemos vários casos anteriores, e nenhum deles progrediu dessa fase de “sinal estranho” para algo mais concreto nesse sentido. Na melhor das hipóteses descobrem a estrela ou buraco negro que os dispararam e acabam com a dúvida. Eu não me empolgaria ou assustaria com mais esse sinal.

O espaço é essencialmente “vazio”, mas nos raros pontos de concentração de matéria, existe energia suficiente para mandar muita coisa na nossa direção. Ondas de rádio e luz são a mesma coisa, em frequências diferentes, você dificilmente consegue sair de noite na rua e olhar para o alto sem ser bombardeado por fótons vindos de todos os cantos do universo.

Cada pontinho branco no céu é uma concentração de fótons com energia suficiente para estimular seus olhos e gerar uma imagem, mas nem de longe isso significa a maioria das suas interações com o campo eletromagnético. Em comprimentos de onda maiores e menos energéticos, sinais de rádio também chegam até você. Por sorte (imagina pegar rádio de pagode direto na mente?) seu corpo não sabe o que fazer com eles e não são registrados.

Mas que estão lá, estão. Tudo o que consideramos percepção da realidade está condicionado a uma minúscula faixa do campo eletromagnético que conseguimos captar e decodificar. A gente chama de luz visível porque é literalmente o que conseguimos ver, mas para a natureza é só uma faixa aleatória da energia que viaja para todos os lados no universo.

Com o suporte da tecnologia, conseguimos fazer uso de outras dessas faixas, como o rádio, as micro-ondas e até mesmo a radioatividade. Elas sempre estiveram lá, só demorou um tempo até o ser humano ter noção delas e tirar alguma aplicação prática. Mande um fóton com pouca energia e ele vira uma transmissão de rádio, mande com um pouco mais e vira a internet do seu celular. Jogue ele acima da potência da luz e ele pode ser usado para ver seus ossos no raio-x.

No universo, muitas coisas estão emitindo fótons para todos os lados. Estrelas são visíveis nos extremos do espectro eletromagnético, você pode achar uma pelas emissões de ondas de rádio e pelas emissões de raios gama, se quiser. Qualquer coisa que tenha energia emite alguma radiação. Antes da TV digital, podíamos ver essa bagunça toda quando o canal não estava bem sintonizado. Aquele chuvisco de pontos brancos e pretos era a antena captando o que está sempre acontecendo ao nosso redor.

Toda vez que um elétron, uma das partículas fundamentais da natureza presente em todos os átomos e até mesmo soltos por aí, muda de estado energético, ele emite ou absorve um fóton. E adivinha só? Elétrons estão mudando de estado energético (ficando com mais ou menos energia) o tempo todo em praticamente tudo o que compõe a realidade que percebemos.

Você está absorvendo e emitindo fótons o tempo todo, da ponta do dedo ao interior do rim, basta ser matéria para ser um transmissor de sinais. Evidente que um transmissor de rádio ou mesmo uma lâmpada fazem isso numa quantidade tão maior que a média natural das outras coisas que conseguem ser diferenciados da bagunça, mas em tese, você é uma rádio amadora e um reator nuclear ao mesmo tempo, só que bem fraquinho.

Até por isso é muito útil que a percepção da realidade seja feita com faixas bem limitadas desse espectro. Senão tudo seria chuvisco o tempo todo. E também por isso que se você quer mandar um sinal à distância, é bom caprichar: não adianta mandar um sinal de rádio composto de meia dúzia de fótons, a chance deles se diferenciarem do barulho de fundo é nula. A “Rádio Você” está transmitindo desde que você nasceu, mas sem potência ou organização para ser algo perceptível contra o chuvisco universal. Sinais poderosos são essenciais para demonstrar intenção.

O problema é que sinal poderoso por sinal poderoso, tem muita coisa nesse universo que transmite “nada” numa potência absurda. Estrelas fazem tanto “barulho eletromagnético” que é complicado se diferenciar delas, se elas estiverem próximas do emissor, do receptor, ou mesmo bem no meio do caminho entre eles. E olha que estrelas comuns são amadoras perto de estrelas de nêutrons e alguns buracos negros. Não que os buracos negros emitam alguma coisa sozinhos, mas a matéria que fica presa ao seu redor como se estivesse girando antes de cair no ralo, fica tão energética que emite sinais absurdamente poderosos.

Via de regra, se chegou um sinal de rádio muito forte aqui, veio de um desses objetos. É como terminam as buscas por origens de sinais “estranhos” vindos do espaço: achando um buraco negro ou uma estrela de nêutrons como ponto originador. Pouca coisa tem tanta energia para mandar um sinal há bilhões de anos de distância, pelo menos um que seja reconhecível. Nem mesmo nós, com a tecnologia que temos, conseguimos fazer melhor.

Os sinais de rádio que o ser humano usa há mais de um século estão viajando pelo espaço na velocidade da luz, mas não só o espaço é imenso ao ponto de isso mal ter alcançado algumas poucas estrelas das mais próximas, como nossos sinais pensados para funcionar dentro do planeta são tão fracos que já pareceriam chuvisco na altura da Lua, quanto mais fora do Sistema Solar… se você se preocupa que algum alien esteja vendo nossa TV, pode relaxar, não vão ver um reality show e decidir que explodir o planeta é uma boa opção.

Perto do tamanho da nossa galáxia mesmo, que já é um grão de areia perto do universo, nossos sinais de rádio e TV são um espirro de formiga na China para a gente. Formiga espirra? Duvido. Mas esse não é ponto. O ser humano não fez barulho de verdade até hoje. Alguém há poucos anos luz da gente pode estar com antenas apontadas na nossa direção e não ter pegado nada conclusivo ainda. Tem muita coisa não-viva fazendo alarde por todos os lados de um universo incompreensivelmente grande. Não é nenhuma surpresa ninguém ter trocado uma mensagem ainda.

E dependendo dos limites reais da tecnologia, pode ser que não tenha nada muito melhor que ondas eletromagnéticas para enviar informação. Daí, das duas uma: ou você transmite com a potência de uma supernova para todas as direções (sei lá como você vai ter energia para manter esse sinal por mais que alguns segundos), ou você aponta um raio muito poderoso numa direção específica e torce para acertar. São pelo menos 90 bilhões de anos luz de universo visível, quase todo ele vazio. Boa sorte acertar exatamente na direção de algo que possa compreender e responder seu sinal.

O universo pode estar cheio de vida. Pode ter uma civilização a cada 100 anos luz e por pura probabilidade, ainda não falamos com ninguém. E se os avistamos alguma vez, é praticamente impossível diferenciar até ter uma sequência clara de mensagens e respostas. Talvez os sinais que mandamos para outras estrelas estejam na direção exata de uma espécie inteligente, talvez eles consigam receber. Mas a chance de termos uma confirmação nos primeiros cem anos após o desenvolvimento da tecnologia de comunicação é quase que nula. Tem limite de velocidade na física, e talvez esse limite seja mesmo impossível de quebrar, criando uma obrigatoriedade de esperar milênios para qualquer conversa entre espécies inteligentes mesmo.

O Paradoxo de Fermi pode ser apenas impaciência nossa.

Para dizer que está com pressa de fugir do planeta, para dizer que vai comprar um rádio amador para mandar os ETs se foderem, ou mesmo para responder se formiga espirra: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (4)

  • Então, dado o tamanho imensurável do universo, a impossibilidade tecnológica que ainda há para se mandar sinais captáveis a distâncias astronômicas e a enorme quantidade de “ruídos” dos mais variados impedindo inteligibilidade, nós vamos continuar ainda por – MUITO – tempo sem conseguir travar contato com formas de vida extra-terrestre. A comunicação fica realmente difícil quando estamos todos longe demais uns dos outros, sem conseguir nos “fazer ouvir”, com transmissores sem potência suficiente e sem que ninguém “do outro lado da linha” consiga “falar a mesma língua” que nós.

  • Por que metade dos textos do Paradoxo de Fermi fica na categoria “somir surtado” e a outra na “desfavor explica”?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: