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Sally Surtada: Desfavores Profissionais

| Sally | | 14 comentários em Sally Surtada: Desfavores Profissionais

Recebi vários pedidos (cercados de elogios) de “escreva sobre algum tema diferente”. Por isso, vou deixar de lado o Mundo Escroto dos Cuecas, que é meu tema favorito e falar sobre outra coisa hoje: Desfavores Profissionais.

Cada profissão tem seus desfavores. A minha, de advogada, tem uma penca deles, que variam dependendo da área de atuação. Talvez alguns sejam comuns a todas as profissões.

OBS: Se o texto ficar ruim, eu passo o endereço de e-mail dos Desfavores que me pediram para variar de tema e vocês xingam eles.

Vamos lá. Começo este texto com uma pergunta: Se você está tendo um enfarte, você corre até o consultório do seu dermatologista para que ele opere seu coração? Não, né? Porque? Porque cada área da medicina é responsável por uma parte do seu corpo. Isso está muito claro e é muito bem respeitado na medicina. Porque será que ninguém respeita isso na área do direito? As pessoas acham que advogado tem que saber de todas as áreas. Se você é advogado, automaticamente tem que saber fazer um divórcio, um Júri, uma falência, um imposto de renda, uma ação trabalhista e uma ação contra a operadora de telefone ou o banco que sacaneiam o consumidor.

Cansei de receber telefonemas de conhecidos pedindo para que eu faça uma ação de uma área na qual eu não me especializei e quando eu digo que esta não é minha área, escuto “Ué? Você não é advogada?”. Fica aqui meu conselho: suspeite do advogado que diz que faz tudo, assim como você suspeitaria do médico que diz que é capaz de operar qualquer parte do seu corpo, desde uma fratura até seu cérebro.

Mas a falta de respeito não para por aí. Todo mundo acha que sabe direito. Até mesmo a imprensa peca pela arrogância e não contratam uma assessoria jurídica decente. É nessas horas que a gente vê o William (Homer Simpson) Bonner dizer com aquela cara séria “Ofereceu Mandato de Segurança” (é Mandado de Segurança, e não se oferece, se impetra) ou ainda que “entrou com um recurso de Habeas Corpus” (Habeas Corpus é uma ação). Daí para baixo.

Quando sai escrito é ainda pior. No meu trabalho atual, pego causas grandes e algumas vezes tenho que dar entrevistas para a imprensa. SEMPRE, eu disse SEMPRE, sai coisa errada. Não é possível que jornais grandes não tenham uma assessoria jurídica competente! Chegou a um ponto que eu tenho o seguinte acordo com os jornalistas: dou minha entrevista POR ESCRITO e quando eles quiserem citar algo do que eu falei, devem transcrever entre aspas O EXATO CONTEÚDO do que eu escrevi, caso contrário, não dou entrevista e não comunico o andamento do processo.

E tem também os não-famosos que acham que sabem direito. Começam a emitir seus pareceres sem nunca ter estudado a legislação: “Nosso código penal é muito ultrapassado, é de 1940!”. Não dá nem vontade de explicar o porquê, mas confiem em mim, nosso código penal não é o mesmo de 1940 e não está ultrapassado.

Às vezes me dá vontade de abrir um consultório médico e começar a receitar remédio para as pessoas sem ter feito faculdade de medicina. Todo mundo emite comentários com base na opinião de terceiros, assumindo-a como verdadeira. “Fulano matou e está solto! O código penal é feito para bandido!”. Olha só, ele pode estar solto por MIL motivos que nada tem a ver com o código penal, não se dá opinião sem ler o processo e muito menos sem conhecer a lei. Se você vai ao médico e ele te receita um remédio sem nem te examinar, você toma?

Outro dia escutei uma pessoa afirmar com a máxima certeza: “Se você for pego com mais de 1kg de droga, é tráfico, se for com menos, é usuário”. Sabe, essas coisas me revoltam. Bate aquela vontade de construir um prédio ou uma ponte sem nunca ter cursado uma faculdade de engenharia. Não existe quantidade determinada por lei para classificar como tráfico ou como uso de drogas, e a quantidade nem mesmo é determinante. Mas todo mundo ACHA alguma coisa, mesmo sem ler a lei. Viram no Jornal Nacional, viram na Veja, ouviram do vizinho e repetem. Pegam fragmentos da lei, tiram do contexto e repetem. Um desfavor.

Me digam, se alguém resolve criticar um filme, faz sentido criticar o filme sem ter visto o filme? Apenas pela repercussão na platéia ou pelo que os críticos de cinema dizem? Interpretar as leis é uma arte, uma arte muito difícil, que requer muito estudo: é preciso saber a hierarquia das normas, a intenção do legislador quando criou a norma, sua compatibilidade com a Constituição e com alguns tratados internacionais e mais uma infinidade de coisas. No entanto, sempre tem um Zé Buceta que lê um único artigo, destacado do Capítulo, do Título e de tudo e o interpreta literalmente e começa a jogar pedras dizendo que “a lei é uma merda”. Uma merda é você, Zé Buceta. Uma merda de intérprete. (como alias, também o são diversos juízes… e a coitada da lei leva a fama)

Além de escutar todo santo dia que “advogado é tudo filho da puta”, (frase que escuto em silêncio, porque tem um fundo de verdade, por mais que não sejam todos), ainda tenho que ver leigos criticando e algumas vezes até exercendo minha profissão.

Sei que isso não é privilegio do direito. Tem cidadão se acha um psicólogo, por exemplo, e fala merda por cima de merda. Mas no direito é mais grave, porque quem dá uma de psicólogo ao menos não fica dizendo que “Freud é uma merda, que se enganou no que escreveu”. No meu caso, além do parecer do semi-advogado, ainda vem o “as leis no Brasil são uma merda”.

Em um mercado de trabalho tão baixo nível (tem mais faculdade particular do que Mc Donalds… uma em cada esquina, e até um analfabeto passa nas provas), os profissionais medíocres estão sujando o nome dos bons profissionais. Um tremendo desfavor. É uma crise generalizada.

Um ex-namorado médico me contou que na faculdade dele (pública e uma das melhores do estado), os alunos tinham que fazer uma prova prática dissecando um membro (olha a maldade! Membro = braços e pernas de cadáveres) sem cortar tendões, nervos e outras “cositas” importantes e quando acabavam a dissecção, chamavam o professor para que ele avalie. Pois bem, ele me disse que o material era: bisturi e super-bonder. Quando um aluno cortava um tendão, colava de volta com super-bonder. No final, quando o professor examinava o membro, o aprovava, porque estava tudo inteiro. É daí que estão saindo os melhores médicos do estado e do Brasil. Mais alguém aqui está com medo?

Contem nos comentários os desfavores das suas profissões, essas coisas tem que ser divulgadas!

Para sugestão de temas, propostas de trabalho como assessora jurídica, convites para jantar, doação de jóias e xingamentos em geral: sally@desfavor.com


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