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Sally Surtada (sugestão da leitora): Diferenças culturais.

| Sally | | 27 comentários em Sally Surtada (sugestão da leitora): Diferenças culturais.

O tema de hoje é complicado. Vou escrever, atendedo a pedido, sobre as diferenças regionais/culturais que existem no Brasil. É complicado porque é um assunto muito sério e profundo para fazer humor e também porque estou seriamente tentada a meter o pau em alguns estados. Vou tentar me controlar.

Não conheço o Brasil todo. Mas conheço todas as regiões. Não queria abordar o assunto no tom de tratado antropológico, até porque, não estou qualificada para isso, então, resolvi enfocar as diferenças regionais partindo de uma única experiência em comum, que tive em todos os lugares para onde viajei: encontrar uma lagartixa no quarto. A reação ao meu ataque histérico fala por si só, não vou precisar expressar nenhum juízo de valor nem fazer inimigos. Me limito a narrar o que aconteceu.

Sempre viajei muito, a trabalho e a lazer. E é muito comum que eu encontre algum bicho do qual tenho medo no meu quarto de hotel (não que os hotéis sejam sujos, eu é que tenho medo de quase tudo quanto é bicho). Para não criar um clima chato, vou contar diferentes experiências minhas sem dar nome ao estado, apenas às regiões. E quero deixar claro que todos os hotéis eram não só do mesmo nível como da mesma rede e todos em grandes capitais. Lá vai:

REGIÃO SUDESTE – É noite, estou no quarto do hotel me preparando para deitar e dormir. Vou tomar meu banho, como sempre tomo antes de dormir. No meio do banho, percebo uma movimentação estranha. Sou mípoe, então demorei para perceber o que estava acontecendo. Cheguei perto para olhar, foi quando a vi. Ela me olhava também. Puxei uma toalha e saí berrando para o quarto. Liguei para a recepção:

Sally: “Boa noite, por favor não me ache maluca, mas eu morro de medo de lagartixa e tem uma aqui no meu banheiro, teria como mandar alguém para matar ela para mim?

Hotel: “Perfeitamente, Senhora.”

Dez segundos depois batem na porta. Um funcionário entra, pergunta onde ela está, mata e ainda se desculpa por ter uma lagartixa no hotel. No dia seguinte tinha diversos mimos no meu quarto, como chocolates e outras coisas, como um pedido de “desculpas pelos inconvenientes”.

REGIÃO SUL – Estava desfazendo as malas e quando abro o armário para guardar a roupa, lá está ela. Gritei um “Puta que pariu! Até aqui?”, porque jurava que elas não sobreviviam a baixas temperaturas. Liguei para a recepção e repeti meu discurso:

Sally: “Boa tarde, por favor não me ache maluca, mas eu morro de medo de lagartixa e tem uma aqui dentro do armário, teria como mandar alguém para matar ela para mim?”

Hotel: “A Senhora tem preferência por funcionário homem ou mulher?”

Sally: “Desde que mate, pode mandar até um cachorro” – Será que acharam que eu queria sexo?

Chega um funcionário homem. Saio de perto. Algumas pancadas. Silêncio. O funcionário me aparece com a lagartixa ainda viva nas mãos e pergunta “A Senhora deseja que mate ou que apenas a retire do quarto?”. Porra, desde o começo eu pedi para matar, mas ele me obrigou a dizer mais uma vez. Peço para ele matar e ele esmaga a lagartixa com um jornal. No dia seguinte não se falou mais no assunto.

REGIÃO CENTRO-OESTE – Estou vendo TV, no final do dia, quando ela aparece. Estava escondida atrás do móvel da TV. Pego o telefone e ligo para a recepção:

Sally: “Boa tarde, por favor não me ache maluca, mas eu morro de medo de lagartixa e tem uma aqui no meu banheiro, teria como mandar alguém para matar ela para mim?”

Hotel: “Vou verificar”

Quarenta minutos depois, batem na porta. Acho importante contar que passei os 40 minutos encolhida em um canto do quarto vigiando a lagartixa. Abro a porta. Uma mulher entra e começa a espantar a lagartixa. Eu peço para ela matar. Ela diz que “não precisa, ela já está indo embora” e coloca a lagartixa para fora pela janela.

No dia seguinte, ela estava lá novamente. Por sorte, eu estava indo embora no mesmo dia. Deixei minhas malas na recepção e passei o dia na rua.

REGIÃO NORDESTE – Juro para vocês que o que vou escrever aqui é verdade. É bizarro demais para acreditar, mas juro que foi assim mesmo que aconteceu. Cheguei ao hotel, peguei as chaves do quarto e fui me acomodar. Acho importante contar que de todos os hotéis, esse era o com maior número de estrelas. E o mais caro de todos os eventos aqui narrados. Abro a porta do quarto e fico paralisada de medo: vejo uma lagartixa ANABOLIZADA, gigante e gorda me olhando. Por aquelas bandas, eles a chamam de “Calango”. Visão do inferno. Nem tive como pegar o telefone para ligar para a recepção, porque não tive coragem de passar por cima dela.

Dei meia volta e fui andando até a recepção. Estava apavorada, porque era realmente grande. Cheguei na recepção dando meu faniquito de mulherzinha, que costuma colar bem:

“AAAiiii moçoooo, me ajudaaaa! Tem um bicho enorme e horríveeeel no meu quaaaartooo!!!”

O funcionário arregalou os olhos, abriu um armário e pegou uma peixeira. Naquela hora eu pensei “ACHO que ele vai ficar puto quando souber que é uma lagartixa”. Ele me acompanhou até o quarto, entrou e ficou procurando. Leiam o que se segue imaginando o sotaque do funcionário:

Funcionário: “Óóóóliiii, tô vendo nãããão, acho que já fooooi emboooora”

Sally: “Ali, moço! Ali! do lado da cama, no chão!”

O Funcionário fez cara de espanto e apontou para a lagartixa com cara de interrogação.

Sally: “É moço! É! MATA! MATA!”

O Funcionário inclinou a cabeça para um dos lados e ficou em total inércia contemplativa por diversos minutos. Quando eu estava quase tendo um AVC, ele disse:

“Mato nãããããããoooo”

Sally: “Como não? Porque não?”

Funcionário: “É bicho liiindu di Deeeus”

Sally: “E EU, MOÇO? EU NÃO SOU LINDA DE DEUS NÃO! PELO AMOR DE DEUS, MATA ESSE BICHO”

Funcionário: “Maaaaatooo nãããããão”

Entrei no quarto puta da vida. Eu teria que passar vários dias por lá. Ao contrário do resto do Brasil, a lagartixa de lá era arrogante e insolente, não respondeu a meus pisões e não se afastou nem se escondeu. A dona do quarto era ela. Abri a mala e comecei a jogar coisas nela. Joguei uma bola de meia e ela nem se mexeu, continuou me olhando com cara de desprezo. Podem rir, mas foi só quando atirei uma camisa da Seleção Argentina que ela se afastou.

Comecei a chorar. Na época, peguei o celular e liguei para o Somir, chorando e gritando. Ele não entendeu nada, demorei uns 20 minutos para me fazer entender. Ele disse que era um absurdo, que eles tinham que matar sim. Eu liguei para a recepção e pedi para falar com o gerente do hotel, expliquei o que estava acontecendo e ele disse que mandaria alguém. Mais de uma hora depois, bate uma mulher na porta. Digo a ela que a lagartixa se escondeu porque eu joguei roupas nela, que estava atras do armário e ela disse que quando ela saísse do armário eu deveria chamá-la novamente.

A lagartixa saiu do armário. Eu avisei. A funcionária demorou uma hora e quarenta minutos para aparecer. A lagartixa já tinha se escondido novamente. Ela disse que não poderia fazer nada. Ligo novamente para a recepção e peço para trocar de quarto, explico o motivo. A recepcionista RI sem cerimônias e diz que todos os quartos estão ocupados, fazendo um acréscimo “Óóóóli, se a Senhora tem medo, melhooor que volte pro Rio, porque aqui tem em tudo quanto é lugaaar”.

Ligo chorando para o Somir novamente. Ele me explica que as lagartixas respiram pela pele (respiração cutânea) e que o melhor que eu poderia fazer seria ligar o ar condicionado no máximo, porque isso ressecaria a pele dela e ela teria que sair do quarto para algum lugar mais úmido. E ele também apelidou o calango de Fred.

Ligo o ar na temperatura mais baixa e vou para um shopping. Saindo do quarto, quando passava pelo parque que tinha na entrada do hotel, vi diversos calangos andando normalmente entre as pessoas, alguns até na beira da piscina.

No caminho para o shopping, vi calangos pela rua. Na porta do shopping tinha calangos também. Eu criei uma teoria: lá tem tantas moscas que as lagartixas estão hiper-alimentadas e ficam enormes. Juro para vocês, até mesmo em lugares fechados como shoppings tinha moscas por todos os lados.

Na volta ao hotel (eram dez da noite e o shopping estava fechando) entrei no quarto (gelado, por sinal) e não encontrei o Fred. Mesmo assim, dormi de tênis e toda coberta, para não correr o risco dele encostar em mim. E só dormi porque tomei um anti-histamínico que me deixa com muito sono.

No dia seguinte, ao acordar, encontro o Fred no chão do quarto, como se nada. Aquilo foi demais para mim. Gritei com o Fred: “O que você quer? O QUE VOCÊ QUEEER?” Liguei o ar em uma temperatura anti-Fred e fui tomar o café da manhã. Ao passar pela recepção um funcionário ainda fez piada com a minha cara “E aí? péééérdeu o medo du bichinhuuuu?”. Pensei: “Não, mas ganhei a convicção que do Espírito Santo pra cima eu não viajo mais”.

Voltei para o quarto, liguei para o aeroporto e mudei minha passagem para aquele mesmo dia. Fiz as malas e fui para a recepção, avisei que estava indo. Se recusaram a me devolver os dias pagos. Não faz mal, paguei para ficar longe daquele lugar. Tá valendo. Enquanto esperava o funcionário da recepção chamar um táxi (tudo é em slow motion), passa um casal gays na recepção, um era gringo e o outro nacional. O mesmo funcionário que tinha se recusado a matar a lagartixa me solta o seguinte comentário: “Óóóóóliii! Mas tem é que mataaar um cabra deeeeesses!”. Olhei chocada e respondi “Moço, o Senhor se recusou a matar uma lagartixa mas acha que tem que matar um ser humano?” e ele respondeu “Issssu não é geeenti nãããão!”. Eu, quase beijando minha passagem de volta disse “Quer dizer que o senhor mataria um colega seu?” e ele finalizou “Nãããão! aqui não tem freeescu não!!! Vem tuuudo de Péééérnambuco!”. Entrei no táxi sem nem me despedir.

No aeroporto havia calangos. Do lado de dentro. Antes de ir embora, no melhor estilo Carlota Joaquina, bati um sapato no outro e disse “Desta terra eu não quero nem o pó!”.

REGIÃO NORTE – Estou jantando em um lugar a céu aberto quando se aproxima uma lagartixa. Fico de olho, só esperando o atendente chegar para pedir para que ele mate ou chame alguém para matar. Faço um sinal e ele faz que sim com a cabeça, está acabando de servir uma mesa ao lado e depois vem. Fico de olho nela, essas pragas quando se escondem ninguém acha. Do nada, surge um bicho peludo que eu não sei identificar (talvez por ser míope ou talvez porque lá é cheio de bicho exótico) e COME a lagartixa. O atendente se aproxima e pergunta: “Pois não?” e eu respondo “Uma fatia de torta de chocolate, por favor”.

Welcome to the jungle.

Dedico esta postagem à Camilla, que sugeriu o tema via e-mail.


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