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Siago Tomir: Aquela do Papagaio. (Parte 1)

Siago Tomir mora em uma casa grande. Grande mesmo, a ponto de seu quintal se assemelhar a um bosque. Por conta deste espaço em excesso, Siago Tomir sempre gostou de ter diversos animais em sua casa. Ele gosta de bicho e os trata bem dentro das suas possibilidades. O aniversário de Siago Tomir estava se aproximando e ele estava cismado em ter um papagaio já fazia algum tempo. A data foi um mero pretexto para a compra.

TOMIR: Porque você pergunta o que eu quero ganhar se quando eu respondo você se recusa a comprar?
SALLY: Deixa eu reformular a pergunta então… Me diz algum presente que você queira e que NÃO FALE
TOMIR: Eu quero um papagaio!
SALLY: Eu não vou te dar um papagaio
TOMIR: Porque não?
SALLY: Tomir, esses bichos não são de Deus
TOMIR: Eu não preciso de você para ter um papagaio!
SALLY: Tomir, esses bichos são irritantes
TOMIR: Porque?
SALLY: Porque eles FALAM
TOMIR: Você fala, no entanto estou com você…

Siago Tomir quando cisma com alguma coisa não admite nenhuma opinião que o desencoraje a levar para frente seu projeto. Qualquer argumento racional é desmerecido como sendo “frescura”, “você não sabe nada” ou ainda “eu posso dar um jeito nisso”. Lá foi Siago Tomir procurar preço de papagaio na internet. Voltou com os cabelos em pé.

TOMIR: Caro esse bichinho…
SALLY: Pois é
TOMIR: Porque é tão caro? Caga ouro?
SALLY: Tem que ter uma autorização especial e o animal deve vir com um…
TOMIR: Deve ter mais barato!
SALLY: O barato custa caro
TOMIR: Essas lojas de shopping ficam cobrando preços extorsivos para pegar esses otários…
SALLY: Animal legalizado é mais caro
TOMIR: Existe não legalizado? *olhos brilhando
SALLY: Existe, na floresta amazônica. Se quiser ir até lá buscar…
TOMIR: Se existe não legalizado eu já sei a quem recorrer!
SALLY: É sério isso?
TOMIR: Seriíssimo

Siago Tomir pegou o telefone e começou a discar

TOMIR: Preciso de uma ajuda
ALICATE: Fala
TOMIR: Quero um papagaio, mas tem que ser ilegal, que é mais barato
ALICATE: Deixa comigo!

Fiquei de braços cruzados olhando para a cara do Tomir. Esta não era a primeira nem a segunda vez que ele recorria ao Alicate e em todas as outras vezes havia se arrependido amargamente daquilo. Mas Siago Tomir, quando quer muito uma coisa, não consegue ler as placas de “Pare”, fica cego para os inúmeros indícios de que vai dar merda e se convence que ele vai resolver qualquer contratempo que apareça. Cinco minutos depois o telefone de Siago tocou, ele anotou um endereço e saiu gritando “HÁ! Paguem caro em loja de shopping OTÁRIOS!”. Suspirei e continuei lendo meu livro.

Meia hora depois, volta Siago Tomir com um bicho muito do esquisito em uma gaiola.

SALLY: O que seria isso, Siago?
TOMIR: Um papagaio!
SALLY: Não está um pouco pequeno para ser um papagaio?
TOMIR: É um filhote, Sally! Você acha que papagaios nascem grandes?
SALLY: Grandes eu não digo, mas verdes eu achava que sim…

O “papagaio” estava bebendo água e enquanto bebia as penas nas proximidades do bico iam descolorindo e pingando uma tintura verde na água do animal

TOMIR: Hã?
SALLY: Alguém pintou esse bicho de verde, Tomir
TOMIR: Não pode ser!
SALLY: Olha lá! O bicho está soltando tinta!
TOMIR: Deixa eu ver iss…
SALLY: NÃÃÃÃO! NÃO FAZ ISSOOO!

Tomir enfiou a mão dentro da gaiola para tentar constatar que o animal estava pintado e acabou levando uma baita bicada

TOMIR: Filho da puta!
SALLY: Tá sangrando…
TOMIR: FILHO DA PUTA!
SALLY: Isso não é bom
TOMIR: Porque?
SALLY: Você acha que esse bicho na ilegalidade foi vacinado?
TOMIR: FILHO DA PUTAAA!
SALLY: Vamos para o hospital, você vai ter que tomar umas vacinas
TOMIR: Não, primeiro eu vou fazer uma visita para o filho da puta que me vendeu isso!
SALLY: Vai brigar com fora da lei?
TOMIR: Vou enfiar este papagaio no cu desse filho da puta!
SALLY: Não é um papagaio

Temendo pelo pior, acompanhei Siago Tomir, apesar de que, hoje, olhando para trás, tenho a plena convicção de que ele merecia ter ido sozinho. Chegamos a uma espécie de feirinha muito bizarra em uma comunidade duvidosa com uns elementos de aparência suspeita. O sujeito que vendeu o “papagaio” ao Tomir tinha uma grande cicatriz no rosto e usava uma camisa do Corinthians. Implorei para que Tomir me deixe tratar diretamente com o sujeito, mas ele fez questão de ir e ainda me mandou ficar no carro “para não atrapalhar”.

Não pude ouvir o que estava sendo dito, mas via Tomir gritando, gesticulando e balançando a gaiola enquanto que o sujeito olhava calmamente. Começou a juntar gente para assistir ao show do Tomir. Em certo momento acho que consegui fazer a leitura labial do Tomir ameaçando enfiar o papagaio no cu do vendedor. Peguei meu celular e liguei para o Alicate

ALICATE: Tomir morreu?
SALLY: Não
ALICATE: Então porque você está me ligando?
SALLY: Porque graças a você, o Tomir está encrencado
ALICATE: Putz! Acharam aqueles comprimidos que eu deixei no carro dele?
SALLY: OI?
ALICATE: Não é nada disso que você está pensando, é para dor de cabeça! E ele não sabia que eu tinha deixado no carro…
SALLY: *revirando o carro atrás de comprimidos
ALICATE: Olha, diz pros caras que tá tudo solto em um saquinho mas que é só remédio para dor de cabeça, eu compro assim porque fica mais barato
SALLY: Não são as suas drogas, o problema é outro
ALICATE: Descobriram que eu falsifiquei a assinatura do Tomir naquele cheque?
SALLY: Caralho…
ALICATE: O que foi?
SALLY: Aquele sujeito bandido estelionatário que você indicou para o Tomir, sabe? Aquele criminoso vendeu um papagaio falso para ele
ALICATE: Ei! Não fala assim do meu primo!
SALLY: Tomir está prestes a enfiar o papagaio no ânus do seu primo
ALICATE: Deixa comigo

Achei um saco plástico com uns 50 comprimidos redondos e brancos no chão, debaixo do banco do carona. Não pareciam remédios para dor de cabeça. Fiquei com aquilo na mão sem saber o que fazer. Não dava para jogar fora, tinha muita gente vendo. Em poucos minutos o celular do sujeito que vendeu o papagaio tocou. Ele atendeu, falou meia dúzia de frases e desligou. Devolveu o dinheiro ao Tomir e Tomir voltou ao carro. Tomir veio tão puto, mas tão puto que achei melhor nem citar os tais comprimidos. Tomir bateu a porta do carro bufando e acelerou.

SALLY: Tomir…
TOMIR: O QUE É, SALLY? Não me vem com problema agora, estou puto!
SALLY: Não grita comigo que eu não tenho culpa do que aconteceu
TOMIR: *respirando fundo
SALLY:
TOMIR: O que é, Sally?
SALLY: Temos que passar em um hospital para você tomar uma vac…
TOMIR: NÃO!
SALLY: Como não
TOMIR: Não. NÃO. EU NÃO QUERO. EU NÃO VOU. ISSO ESTÁ FORA DE DISCUSSÃO
SALLY: E se você pegou alguma doença contagiosa? Eu também estou em risco!
TOMIR: Deixa de ser hipocondríaca, eu não peguei NADA!
SALLY: Como você pode saber que não pegou?
TOMIR: E como você pode saber que eu peguei?
SALLY: Eu não afirmei que você pegou, é uma medida preventiva para o caso de você ter pego!
TOMIR: Depois eu vou
SALLY: Tomir, você sabe que o seu “depois” é nunca…
TOMIR: AGORA NÃO, SALLY! ESTOU PUTO! ME DEIXA!

Tomir ficou mudo e pegou um caminho que não era o da casa dele. Respirei aliviada, finalmente uma vez na vida ele tinha me ouvido e mudado de ideia. Finalmente eu havia vencido pelo cansaço, provavelmente ele pensou em toda a paunocuzação que seria por dias e dias se ele não tomasse a vacina e decidiu se poupar e me poupar desse estresse. Mas não, eu estava errada. Tomir entrou com o carro em um shopping.

SALLY: Tem consultórios médicos nesse shopping?
TOMIR: Não, eu não quero um médico eu quero UM PAPAGAIO. Qual parte do EU VOU COMPRAR UM PAPAGAIO você não entendeu?
SALLY: Não acredito…
TOMIR: Um homem não pode querer um papagaio?
SALLY: Mas você não disse que não seria otário de pagar preço de loja de shopping?
TOMIR: Tecnicamente, não
SALLY: Oi?
TOMIR: Em tese, não foi bem isso que que disse
SALLY: Você sabe o valor de um papagaio nessa loja?
TOMIR: ME DEIXA! EU NÃO ESTOU ROUBANDO! EU NÃO ESTOU MATANDO!

Fomos até um shopping e o preço do filhote de papagaio estava exorbitante. Porém, havia um papagaio adulto significativamente mais barato

SALLY: Você já se perguntou porque esse papagaio está tão mais barato que os filhotes?
TOMIR: O vendedor me disse que as pessoas preferem comprar filhotes e como esse não foi vendido e cresceu um pouco desvalorizou
SALLY: Isso faz sentido para você?
TOMIR: Perfeitamente
SALLY:
TOMIR: O que foi, Sally? O QUE FOI, SALLY?
SALLY: Você não que a minha opinião, né?
TOMIR: Pode falar
SALLY: Eu acho que tem algo errado com esse papagaio e por isso ele não foi vendido
TOMIR: Eles falaram que um veterinário vai examiná-lo na minha frente e dar um atestado comprovando que ele tem boa saúde
SALLY: E se não foi uma questão de saúde?
TOMIR: Sally, impressionante o seu pessimismo. Como você é uma pessoa negativa…
SALLY: Então tá, Tomir. Então compra seu papagaio!
TOMIR: Vou comprar mesmo!

Siago Tomir comprou o papagaio e cometeu um erro grotesco: pagou à vista. Nunca se compra animal à vista, se o bicho morre uma semana depois você não tem como sustar o pagamento. Mas Siago Tomir sempre acha que tem tudo sob controle. Chegamos em casa e Siago Tomir estava feliz da vida com seu papagaio e com as trocentas coisas para papagaio que tinha comprado. Já estava fazendo planos para exibir o animal na sua festa de aniversário, que seria em uma semana. Mas a alegria durou pouco. Estava tomando banho quando comecei a ouvir os gritos:

RICAAAAARDO SEU VIAAAADO!
RICAAAARDO FILHO DA PUTA DÁ COMIDA PROS COELHO!
RICAAAAARDOOOOOOO!

Siago Tomir estava paralisado olhando para o Papagaio

SALLY: Tudo isso saiu dessa coisinha?
TOMIR: Aparentemente sim…
SALLY: Qual é o problema desse bicho?
TOMIR: Ricardo era o nome do vendedor…
SALLY: Ele vai ficar reproduzindo o que ouvia na loja?
TOMIR: Aparentemente sim
SALLY: Agora eu entendo porque ele custou tão barato, seu papagaio é um mal educado. Boa sorte na festa de família com esse bicho xingando
TOMIR: Eu vou dar um jeito…
PAPAGAIO: RICAAAAAARDO VIAAAAADO!

Continua…

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