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Sally Surtada: Homens na cozinha.

| Sally | | 114 comentários em Sally Surtada: Homens na cozinha.

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Homem adora fazer piada com mulher e volante, não é mesmo? Hoje venho retribuir o favor e fazer piada de homem e cozinha. Salvo honrosas exceções, homens não passam de porcos incompetentes quando o assunto é culinária. E pior: acham que cozinha razoavelmente bem. Ahh o auto perdão! O que seria do homem sem ele?

Começa pelo total desconhecimento de ingredientes básicos. Homem sabe o que é bife, o que é batata, o que é um ovo, o que é um macarrão, o que é arroz e o que é feijão. Se passar disso começa a complicar. Talvez ele reconheça a matéria prima da farofa e possa até dizer o nome, talvez ele tenha uma vaga ideia do que é feito um brigadeiro, mas olha, nem fodendo, mas nem fodendo muito que um homem identifica uma Couve de Bruxelas. Se diferenciar um repolho de uma alface americana já tem que dar pulos de alegria. Mamãe sempre comprou para eles, por isso eles simplesmente não sabem.

E confundir é luxo, porque no que diz respeito a legumes, frutas e verduras eles nem mesmo tem uma vaga ideia da aparência do alimento. Pergunte a um homem qual é a cor, por dentro, da uma fruta do conde. Pergunte como se sabe se o aipim é macio. Pergunte qual a diferença entre alho-poró e aspargos. Pergunte o que quiser que saia do básico e assista o festival da gagueira e do achismo. Mas ok, foram criados por mães idiotas que nunca envolveram seus filhos na cozinha por achar que é coisa de menina. Apesar de discordar, eu posso compreender. O que eu não compreendo é porque, apesar de tudo, eles ainda acham que sabem cozinhar.

“Eu faço o básico”, os filhos da puta dizem. Básico para homem deve ser gelatina, miojo e ovo frito. Lamento, isso não é comida. O básico faço eu, que cozinho arrumadinho mas não sei fazer um pato ao molho de laranja nem um cordeiro ao molho de menta. Mas não. Nãããããão. Eles jamais poderão aceitar que são uns bostas em alguma coisa, sobretudo em algo que mulheres costumam fazer com facilidade. Eles acham que cozinham, da mesma forma que eles acham que falam espanhol, se debruçam em um bar e pedem uma Cueca-Cuela. Falta de humildade e semancol mandou lembranças! Quem nunca ouviu o clássico “Eu me viro” como resposta à pergunta sobre ele saber cozinhar? Sabem o que é se virar? Ligar para a pizzaria. É assim que homem se vira na cozinha.

Não falta apenas competência, falta higiene. Observe um homem que viva sozinho e não tenha uma mulher para cuidar dele. Sinceramente, você acha que este Zé Ruela vai ao supermercado, compra frutas, legumes e verduras e LAVA tudo antes de botar na geladeiras? Olá, Zé Ruela que está lendo o texto e acaba de arregalar os olhos. Sim, ISSO SE LAVA. Sim, provavelmente foi regado COM MERDA. Mas eles não lavam, eles tem essa ideia que higiene é frescura e a falta de higiene de alguma forma “fortalece” o organismo. Claro que se achar um cabelo em um prato de um restaurante ele vai se indignar, porque os dois pesos e duas medidas são uma premissa básica do pensamento rudimentar masculino. Ele pode, o resto não.

Metem uma mordida em uma maçã que encostou sabe-se lá onde ou em uma uva que provavelmente tomou um banho de bosta dias antes. E se eventualmente não adoecem por causa disso, acham ser prova de que é “frescura” lavar alimentos. O risco em si não justifica medidas preventivas, apenas quando a desgraça acontece é que as medidas preventivas se provam necessárias, ainda que seja tarde demais. “O problema é meu”, dirá um Zé Buceta. Não, não é. O problema é de todo mundo que come na sua casa e que beija a sua boca. Quer fazer criação de oxiúros? Fica sozinho em casa no final de semana coçando a bunda e não passa esta merda para ninguém. Mas eles não escutam, eles tem severas dificuldades reflexivas quando o resultado final vai implicar em trabalho para eles. Se ninguém morreu, então é porque dá para fazer.

Quando ele diz que sabe cozinhar, e faz a gente presumir que os alimentos que estão em sua casa são próprios para consumo. Cuidado, Amiga Calcinha, provavelmente não são. O fato deles acharem que são não significa nada. Homem come produto fora da validade quase que com orgulho, já repararam? Come na certeza arrogante e inconsequente de que não vai passar mal, porque validade (e qualquer coisa que frustre seus planos) é frescura. Ele se programou para comer aquele iogurte, pegou a colher, abriu a embalagem, seria por demais traumático abandonar a ideia. Agora que ele pegou e abriu, ele vai comer, e o que quer que concorra para impedi-lo é frescura. E se ele não passar mal, será uma certeza de que ele tinha razão. Merecem se cagar todos, merecem uma diarreia explosiva, uma hecatombe intestinal em dia de calça branca. Mas a vida parece premiar os irresponsáveis.

Mulher pode até dirigir mal, não todas, mas algumas como eu. Porém, eu sei que eu dirijo mal, inclusive aviso isso às pessoas antes de entrar no carro comigo. Não digo que eu dirijo “o básico” nem que “eu me viro”. Eu tenho essa consciência da minha limitação. Homem não, por mais merda que faça na cozinha, por mais nojenta que sua comida fique, ele parece não perceber. É que em sua infinita vaidade ele acha que aquela merda que ele cozinhou normalmente tem aquele gosto mesmo, e não que o gosto de cabo de guarda-chuva é decorrência de sua incompetência.

Já vi homem dizendo que não gosta de brócolis, mas quando comeu um brócolis bem preparado gostou. Porque? Porque o brócolis quando é excessivamente cozinhado libera enxofre, que o faz ficar com gosto ruim. O Zé Ruela botava o brócolis para ferver e esquecia da vida, retirando do fogo meia hora depois. Daí provava e pensava “Porra, eu sou um merda, eu estraguei o brócolis”? NÃO! Ele provava e pensava “Brócolis é uma merda”. Porque quando alguma coisa dá certo, o mérito é dele, mas quando algo dá errado a culpa é da comida, do fabricante, do tempo ou de Deus.

E as quantidades? Eles tendem a um exagero, para um lado ou para o outro. Exemplo clássico: fritar um ovo. Litros de óleo ou nada. Duas colheres de sopa cheias de manteiga ou nada. Daí começa aquele espetáculo do ovo espirrar para tudo quanto é lado, porque cozinhar as coisas no fogo baixo é para os fracos, os fortes precisam ver aquela chama azul subindo na potência máxima do fogão. Resultado? Alimentos crus no centro e torrados nas bordas. Cozinha imunda, toda respingada. E se houver uma reclamação, segue-se também uma ofensa, afinal “ovo espirra mesmo quando você frita”. A culpa é sempre dos coitados dos alimentos, nunca deles. O que eles fazem ganha automaticamente presunção de forma padronizada e mundial de agir.

Tem também a constante impaciência ou o esquecimento sem fim, que se revezam dando lugar a alimentos crus ou queimados. Porque não há possibilidade de desempenhar mais de uma tarefa ao mesmo tempo: ou fica parado ao lado do fogão, ou é certeza que o alimento vai queimar, pois o foco de atenção para cozinha é zero. Curioso que no computador eles conseguem abrir um zilhão de abas, interagir, conversar, assoviar e chupar cana, mas na cozinha não dá. Pratos que demorem vinte minutos de trabalho de pé na frente do fogão são banidos. Brigadeiro, por exemplo, é uma coisa que homem só come quando a mulher faz ou quando ele sabe fazer no micro-ondas (aquele da Nestlé na lata ninguém come, porque tem gosto de porra de girafa). Mas nem fodendo que as Madames ficam mexendo uma panela por vinte minutos.

E quando por algum interesse secundário (geralmente sexo), decidem que são Chefs de cozinha e que vão preparar “o prato”? Chamem os bombeiros. E a Vigilância Sanitária também, pois a mistura indiscriminada de ingredientes é bem capaz de causar uma fumaça tóxica. A mãozinha pesa na hora do tempero, os imbecilóides exageram achando que “quanto mais colocar, mais saboroso vai ficar”. Porque equilíbrio é para os fracos, os fortes ousam e colocam excesso de tempero. Excesso sempre é bom na cabeça de homem, menos quando diz respeito à conta no cartão de crédito, SE o gasto foi feito por uma mulher (se foi por ele, foram todas despesas necessárias e/ou investimentos).

Amiga Calcinha, responda com sinceridade: você comeria uma salada preparada pelo Zé Ruela que orbita na sua vida? Mulheres de bom senso responderão que não. Quem está acostumada a lavar alface sabe que é uma tarefa indelegável. Eu não como alface fora de casa e sempre repondo com a frase padrão: “Só confio em mim”. Além de ter que deixar a alface de molho em vinagre ou similares, imersa, por um tempo (coisa que eles jamais teriam paciência para fazer), ainda é recomendável lavar cada dobrinha de cada folha em água corrente.

Vão fazer? VÃO FAZER? NÃO VÃO FAZER, Amiga Calcinha! Não lavam nem as próprias mãos depois que usam o banheiro! Vão lavar folha por folha da porra da alface? Não vão! Não tem paciência para porra nenhuma que não envolva e-craps, amigos, bebida, dinheiro ou carro. Você vai jantar na casa do energúmeno, vai comer salada e dizer “que delícia a salada de escargot que você preparou” e ver dentro dos olhos dele, pela reação de surpresa. Não era escargot porra nenhuma, eram as lesmas básicads de uma salada que estava apenas mal lavado ou não lavado. Se poupe disso. Salada em casa de homem, só se ele for gay.

Se ao menos os Zé Ruelas tivessem a humildade de perguntar… Mas não, perguntar é para os fracos, os fortes vão e fazem como eles ACHAM que tem que ser feito. Hoje em dia então, é tão simples… basta pesquisar no Google e as respostas culinárias estão todas ali. Mas não, deve ser do jeito que eles acham que é, porque eles são espertões, eles são sábios, eles são fodões. Não precisa pesquisar, na verdade, eles nem pensam nisso, porque eles sequer cogitam a hipótese que algo no qual eles colocaram suas lindas patinhas possa dar errado. Havia uma chance de ter acesso à forma correta do preparo do alimento, mas eles declinam. Não precisa, é algo fácil, do jeito deles deve estar certo. E ainda tem coragem de sacanear ou criticar as mulheres que não sabem cozinhar!

E sobra para a gente, viu? Porque em noite de lua cheia de ano bissexto o Zé Ruela acorda de ovo virado e sabe-se lá porque (provavelmente consciência pesada) e resolve que vai cozinhar. Você fica com o telefone dos bombeiros na mão, sentada no sofá e espera pelo melhor. De vez em quando pergunta se ele precisa de ajuda ou se está tudo bem (geralmente quando ouve xingamentos vindos da cozinha ou barulho de coisas quebrando) e obtém uma resposta seca e auto afirmativa, que te obriga a permanecer em silencia nos próximos sinais de perigo.

Se o filho da puta não se cortar e fizer um escândalo em qualquer dos dois extremos (ou vai desmaiar, dizer que está perdendo muito sangue e querer ir para o hospital por um corte superficial ou está ótimo e não precisa de um médico quando tem três dedos dele no chão da cozinha), o jantar fica pronto. Daí vem o momento mais tenso de todos: ter que comer aquela merda. Sim, você pode dizer que não gostou e arcar com o ego ferido masculino (o que geralmente implica em uma broxada, um chifre ou postura agressiva o resto da noite – ou talvez os três), mas para comprar a briga de dizer que não gostou, você vai ter que dar ao menos uma garfada. Tenso.

Homem na cozinha reforça meu ateísmo. Se existisse um Deus, ninguém teria que passar por isso. Aquela coisa visivelmente passada do ponto borbulhando na travessa (se for começo de relacionamento, se não, vai ser servido da panela mesmo) já dá todos os sinais de que não só o gosto está escroto, como a textura também. E graças ao semancol zero, o desgraçado ainda te serve uma quantidade bizarra, que você não comeria nem que a comida fosse feita pelo Salvatore Loi, porque você se lembra, na cabeça de homem heterossexual, quantidade costuma ser qualidade.

O alimento borbulha no seu prato e ele te olha com olhar de quem está convicto de que fez “a refeição”. Você suspira e joga um pouco debaixo da mesa. O cachorro se aproxima, cheira, espirra e sai correndo. Uma lágrima furtiva escorre do seu olho direito, você respira fundo e aceita que se fodeu. Ao menos uma garfada nessa merda você vai ter que dar. Você sorri, pega uma quantidade pequena com o garfo. Ameaça levar à boca, mas o pavor te toma. Você meio que tenta cheirar discretamente, para saber o que te espera. A situação se torna tão insuportável que você liga o foda-se e enfia tudo na boca só para acabar logo com aquilo.

Há crocância onde deveria haver cremosidade, há amargor onde deveria haver doçura, há ardência onde deveria haver suavidade, há uma confluência de sabores fora do lugar que estupram seu paladar e te fazem mastigar rápido para tentar engolir o quanto antes. Periga você achar um osso no pudim, não duvide de nada. Você mastiga, gorfa discretamente, engole e gorfa discretamente novamente. As lágrimas escorrem, mas não se preocupe, eles são blindados, tudo que nós mulheres não temos de autoestima eles tem em excesso, ele vai achar que as lágrimas são de emoção. Daí vem a pergunta: “E aí, você gostou?”

Perceba a sutileza da pergunta. Ele não quer saber se está bom ou não, porque isso ele já sabe. Tudo que ele faz é bom. Não me admira, vindo de quem acha que porra deve engolida, te servir um prato com esse sabor. Ele quer saber se VOCÊ gostou, porque pode ser que você não tenha sofisticação suficiente para apreciar o prato maravilhoso que ele fez! As lágrimas continuam escorrendo do seus olhos e a ideia de outra garfada fazem seu cu ficar tão apertado que se enfiar um grafite vira diamante. Mas ao mesmo tempo, a ideia de pegar esse ego enorme, porém frágil, pisoteá-lo e aturar as consequências passivo-agressivas infantilóides que se seguirão também não são agradáveis. O que fazer, Amiga Calcinha?

Após anos de experiência, eu te respondo. Já disse isso em outras ocasiões aqui mesmo no Desfavor, e volto a repetir: faça um esforço sobre-humano para tentar identificar algo no meio da confluência inconveniente de ingredientes. Se estiver na dúvida, pergunte: “Sinto um gosto familiar… tem coentro?”. Se houver uma negativa, continue perguntando, sempre puxando cada vez mais para o básico: “Tem pimenta? Tem alho? Tem sal? Tem arroz?” na primeira afirmativa, você esboça um pequeno grito e se agarra à sua tábua de salvação: “Não acredito! Eu sou alérgica! Sou suuuuper alérgica!”.

Não se preocupe, você pode dizer que é alérgica a arroz, ele não vai lembrar. Homem heterossexual só foca atenção em mulher nesse grau se ainda não fez sexo com ela, depois disso ele para de computar. Ele vai esquecer, dificilmente vai te confrontar. E se confrontar, você é mais esperta do que ele “tenho alergia a alguns tipos de arroz, como o arbóreo, qual foi o arroz que você usou naquele dia? Quais eram os grãos?”. Ele nunca saberá. Mente sem dó quando o assunto for comida, mas jamais minta sobre futebol, carro e e-craps.

Quando você passar por uma placa ou um cartaz escrito “Só Cristo salva”, lembre-se de mim. É MENTIRA, SÓ A ALERGIA SALVA. Ora para Cristo e vê se ele faz sumir da sua frente esse prato com gororoba! NÃO FAZ! CADE O SEU DEUS? Pode anotar aí: SÓ A ALERGIA SALVA. Não confronte o imbecilóide com sua própria incompetência, saia pela tangente da alergia. Aproveite a mentira e diga que tem que correr para casa para tomar remédio se não sua cara incha e sua garganta fecha. Se quiser meter um medinho, cite “edema de glote”. Saia da casa dele e passe em um restaurante ou um um fast food qualquer, coma, vá para casa e assista um bom filme ou leia um bom livro que você ganha mais.

E vocês, SEUS MERDAS, aceitem que não sabem cozinhar, que cozinha demanda prática e estudo, como qualquer coisa nessa vida. Se quiserem agradar a mulher ou aplacar a culpa, cinco letrinhas: JÓIAS. Vão se foderem.

Para confessar que depois de tantos anos se afeiçoou ao meu lado maluco e provar minha teoria que homem se sente instintivamente atraído por mulheres descompensadas, para dizer que quer ser minha amiga porque ao meu lado você vai parecer normal ou ainda para ter certeza que este texto foi baseado em minha experiência pessoal com Siago Tomir: sally@desfavor.com


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