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SIM SENHORA | Siago Tomir: Aquela do hóspede maldito.

| Somir | | 64 comentários em SIM SENHORA | Siago Tomir: Aquela do hóspede maldito.

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Em primeiro lugar, eu não sou a Sally e não vou escrever esta coluna exatamente como ela escreve. Até por causa do ponto de vista distinto. Ela sempre enxerga minhas frias e calculistas intervenções nas histórias como se eu fosse um maluco completamente fora de controle. Hoje tenho que contar uma história que ela nunca ficou sabendo, mas que ocorreu durante nosso relacionamento. Então vamos logo acabar com essa semana, um ponto baixo histórico no nível (que já não era grandes coisas) do desfavor.

Esse acontecimento tomou parte na segunda vez em que ela veio ficar mais tempo comigo aqui na minha cidade. Ainda estávamos no começo do relacionamento, o que me deixava bem receoso de apresentá-la a alguns amigos meus, mais notoriamente o Alicate… por motivos que vocês já devem estar carecas de saber.

Naquela ocasião, Sally chegaria no sábado de tarde. Estávamos combinados assim há quase um mês e eu me programei de acordo: Marquei de sair com os três na sexta de noite para evitar conflitos. Oras, acontecesse o que acontecesse (se não exigisse enterro, internação ou prisão) eu estaria suficientemente bem para encontrá-la no dia seguinte.

Chegada a sexta de noite, saímos eu, Beto, Jão e Alicate. Sendo uma pessoa muito racional, decidi encher a cara o mais cedo possível para adiantar todo o processo da ressaca e não me encontrar com Sally ainda sob efeito dela. O problema é que naquela época eu evitava mencioná-la para eles, temendo que eles quisessem conhecer minha namorada. Já imaginava que não seria uma boa mistura… E por causa dessa razoável omissão, eles não sabiam o porquê de eu estar bebendo tanto e tão rápido.

JÃO: Siago tá virando todas!
ALICATE: Mas nem fodendo que você vai ganhar de mim! Garçom, risca a cerveja e começa a virar tequila aqui na mesa. Alicate paga pros irmão!
JÃO e BETO: Aê!
TOMIR: Ai…

Alicate tomou aquilo como desafio e pediu uma garrafa de tequila. Eu, pensando apenas no bem estar de Sally, mantive sua chegada em segredo e entrei no jogo, um pouco também porque Alicate disse que quem bebesse menos seria chamado por um nome feminino por todos os outros por um mês. Jão trabalhava no mesmo prédio que eu e temi que isso pegasse também no trabalho. Lembro-me bem até a segunda garrafa… depois disso, só alguns flashes.

Só fui recobrar completamente a consciência ao ouvir meu celular tocando seguidas vezes. Estava deitado no sofá de casa, com a mesma roupa da noite anterior. Minha cabeça parecia que ia explodir a qualquer momento. Estava de dia. E o celular tocando. Depois de alguma dificuldade para alcançá-lo no bolso da calça, vi que era Sally. Sobriedade instantânea:

TOMIR: Desculpa!
SALLY: Aconteceu alguma coisa? Estou te ligando há quase meia hora!
TOMIR: Eu… fiquei… trabalhando num projeto até de madrugada… não ouvi o despertador…
SALLY: Ahã…
TOMIR: Já estou indo te buscar!
SALLY: Não, não… joga uma água na cara e acorda. Eu vou de táxi até aí.
TOMIR: Não precisa, foi mancada minha e…
SALLY: Não estou… muito… brava. Se você não acordou, não acordou. Não vamos brigar por isso. Deixa que eu pego um táxi, aí você paga para me compensar, pode ser? Hahaha…
TOMIR: Heheh… tudo bem. Estou te esperando.

Começo de namoro é uma coisa linda, não? Na vez seguinte onde eu realmente fiquei trabalhando até mais tarde e não fui buscá-la no aeroporto, tive que acompanhá-la por cinco horas de bate-pé num shopping local carregando sacolas, para aprender como é bom ficar esperando. Mas, voltando ao assunto: Do aeroporto até minha casa naquela época eram mais ou menos uns 40 minutos de carro. Sally aprendera o caminho e dificilmente seria levada para passear por muito mais tempo pelo taxista.

Fui tomar um banho para tirar aquela catinga desgraçada de bêbado na manhã seguinte. Fui meio que nem zumbi, passando pelo quarto para chegar no banheiro da suíte. Fui soltando as roupas pelo caminho, nem me dei ao trabalho de acender a luz. E esse foi meu grande erro.

O banho foi demorado, banho de encontrar namorada, sabem como é… Devo ter ficado mais de meia hora por lá, colocando os assuntos em dia. Ainda com a toalha enrolada na cintura, saí do banheiro e sentei na lateral da cama. A luz que vazava pelo banheiro era suficiente para abrir o armário e procurar uma cueca que não estivesse furada (começo de namoro, coisa linda, etc.). Foi quando aconteceu o que vocês já devem estar imaginando que aconteceu:

VOZ FEMININA: Hm… ficou cheirosinho pra mim?

Não era a voz da Sally. Meu coração parou. Eu faço muitas merdas nessa vida, mas desse tipo simplesmente não era meu estilo. Sabe quando dá aquela esperança ridícula de que se você não se mexer vai tudo voltar ao normal? Dizem que funciona com ursos, e prevendo toda a desgraça que isso desencadearia, eu quase torci para que fosse mesmo um urso ao invés de uma mulher estranha no meu quarto.

VOZ FEMININA: Pegou o dinheiro? A noite já foi, se quiser mais vai ter que pagar mais a hora, viu?

Esclarecendo que eu nunca tinha pegado uma puta em minha vida. Não admito pagar por algo que é de graça, além de ter um certo problema com a expressão “lavou tá novo”. Aquilo era terrível por dois motivos: Sally já terminaria comigo automaticamente pelo acontecido, mas se adicionássemos o agravante dela ser uma puta, eu temia por um ataque contra meu sistema reprodutor com uma tesoura enferrujada.

TOMIR: Quem é você? *voltando-me para ela*

O quarto ainda estava suficientemente escuro para não conseguir discernir muito bem as feições dela. Mas como ela não parecia ter nenhuma vergonha, pelo menos dava para ver que pelo menos mulher era. Quando você está na merda, aprende a valorizar as pequenas vitórias.

MULHER: Não me vem com essa não… cadê o meu dinheiro? Eu não saio daqui até você me pagar.
TOMIR: Quanto, porra? Eu pago!
MULHER: Quinhentos pela noite.
TOMIR: Comeu cocô? Eu não tenho esse dinheiro em casa.
MULHER: Mas você não foi no caixa eletrônico para tirar?
TOMIR: Que caixa eletrônico? Eu não lembro de porra nenhuma… Caralho, eu te passo um cheque então…
MULHER: Cheque é o caralho! Dinheiro na mão ou eu não saio daqui!
TOMIR: Eu não pego puta, nunca peguei! Isso não pode estar certo…
MULHER: E eu não tomo calote, nunca tomei. Paga de uma vez!
TOMIR: Pega o meu relógio, vale o dobro do que você está cobrando!
MULHER: Vale na loja, meu bem. Eu quero em dinheiro ou sem conversa.
TOMIR: Eu vou chamar a polícia se você não sair!
MULHER: CHAMA! Quero ver! Chama a polícia então…

Eu blefo mal quando estou nervoso. E evidente que a porcaria da porta da frente se abriu nessa mesma hora. Eu sabia que não fazia sentido estar com uma puta na minha cama, mas isso nunca seria explicável para uma namorada como a Sally. Nunca. Estava quase tendo um infarto quando ouvi o doce som de uma voz que eu deveria ter esperado ouvir eventualmente:

ALICATE: Siago?

Eu pulei para fora do quarto, Alicate ri até hoje dizendo que eu estava branco feito papel e com os olhos esbugalhados, parecendo um fantasma.

TOMIR: Cara, não sei o que aconteceu, mas tem uma puta…
ALICATE: A Deisy. Fui pegar a grana dela, ontem eu torrei tudo que tinha na carteira com aquela pingaiada toda! Hahaha…
TOMIR:
ALICATE: Ôu, você liga se eu der uma esticada com ela no seu quarto? Peguei uma grana a mais, sabe como é? Hahahah…
TOMIR: TIRA ELA DAQUI AGORA! AGORA! AGORA!
ALICATE: Muito bicha essa sua frescurinha com puta. A gente sempre paga, mano.
TOMIR: SÓ TIRA ELA DAQUI, MANO! VAI! VAI!
ALICATE: Tá, tá… calma. Ô DEISY, TROUXE O SEU DINHEIRO!

Entramos no quarto eu e Alicate, Deisy estava começando a se vestir. Eu fiz um gesto para apressá-los enquanto começava a me vestir freneticamente. Conseguir colocar a cueca e uma bermuda antes da merda estancar de vez. A campainha estava tocando. Sally chegara.

TOMIR: Sai pela janela e dá a volta pelo fundo. Os dois!
ALICATE: Mas quem é na porta?
TOMIR: *murmurando*
CAMPAINHA: *tocando*
DEISY: *vestindo uma saia que mais parecia uma fita*
ALICATE: Fala que nem homem! Não tô ouvindo porra nenhuma.
TOMIR: Minha namorada!
ALICATE: Opa! Namorada?
TOMIR: Longa história. Vaza com a sua puta agora!
DEISY: Eu tenho nome.
TOMIR: Seu nome é FORA DAQUI! Fora! Pela janela! Os dois!
CAMPAINHA: *tocando muito*
ALICATE: Como é que você não diz que tá namorando pro seu melhor amigo?
TOMIR: Isso não é hora, caralho!

Informação relevante: Alicate pode ser magoado. É um acontecimento raro, meio aleatório, mas sempre de grandes proporções.

ALICATE: Deixa comigo. Eu saio de perto da sua namorada, melhor que ela não me veja, né? Você tem vergonha do seu mano.
TOMIR: O problema principal aqui é a puta!
DEISY: DEISY!
TOMIR e ALICATE: Cala a boca.
ALICATE: Vai lá, me esquece aqui. De boa. Vai…

Não dava para equilibrar mais esses pratos. Se um ia cair, que fosse o que eu poderia consertar depois. Saí desembestado até a porta, onde encontrei uma Sally com um olhar de irritação que nunca havia visto antes (mas acabei vendo muito com o andar da relação).

SALLY: Tá difícil encontrar você hoje, hein? Paguei eu mesma o taxista.
TOMIR: Eu… eu estava… no banhe… *passando a mão na barriga*
SALLY: Tá bom, tá bom! Tudo que eu preciso saber! Intimidade demais mata amor.
TOMIR: Foi bem de viagem?
SALLY: Sim. Foi bem de porre?
TOMIR: *olho arregalado*
SALLY: Você acha que eu sou tonta, Siago? Agora, posso entrar?
TOMIR: Ah, claro! Claro! Eu pego as suas malas.
SALLY: *entrando* Vem cá, você não está com frio não? Se está sem camisa nesse tempo, ia andar pelado lá no Rio.
TOMIR: Eu acabei de tomar banho.
SALLY: Sabe que é uma boa ideia? Vamos fazer o seguinte, eu vou tomar um banho para tirar a nhaca da viagem e a gente come alguma coisa depois.
TOMIR: Perfeito!

Sally foi se dirigindo para o meu quarto.

TOMIR: NÃO!

Sally para e me olha com cara assustada.

TOMIR:

Eu não sei mais o que fazer nessa hora. Se os dois ainda estivessem no quarto, teria que explicar uma puta na minha casa e apresentá-la ao Alicate. Ambas péssimas ideias. Sally percebeu meu desespero. Mas logo deu um sorriso compreensivo e passou a mão na barriga de leve.

TOMIR: É… Chernobyl. *fazendo cara de nojo*
SALLY: Precisava dizer isso? Eu já tinha entendido… Intimidade demais, Siago, intimidade demais.

Bom, já gastei páginas demais… No final das contas, esta história explica três coisas que Sally parece nunca ter entendido: Por que o Alicate a odiou desde o primeiro encontro entre os dois, algumas semanas depois; e por que eu passei alguns meses usando aquele perfume terrível. Sally estranhou o cheiro no quarto e eu tive que começar a comprar um parecido para dizer que era meu. Pior: O perfume não era o da puta, era o do Alicate. A terceira é o porquê de ficarem ligando para falar com a Valdirene lá na minha casa, quem apaga primeiro sempre perde a aposta…

Para dizer que ainda prefere os escritos pela Sally porque são mais injustos comigo e meus amigos, para dizer que agora entende que eu sempre fui a vítima, ou mesmo para me mandar cagar: somir@desfavor.com

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