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Desfavor da semana: No limite.

| Desfavor | | 26 comentários em Desfavor da semana: No limite.

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Génesis Carmona, Miss Turismo do estado venezuelano de Carabobo em 2013, era mais uma estudante que protestava na cidade de Valencia quando foi baleada na cabeça na noite de terça-feira. Levada para o hospital por manifestantes, Génesis, de 23 anos, morreu na tarde desta quarta-feira. FONTE

Milhares de membros da tropa de choque armados com canhões de água e granadas de efeito moral entraram em confronto com manifestantes antigoverno no centro da capital da Ucrânia, Kiev, deixando ao menos 25 mortos. Entre os mortos estão pelo menos sete policiais e 14 civis. FONTE

Venezuela e Ucrânia são as bolas da vez. Protestos recebidos com repressão violenta dos governos estão numa alta histórica e o brasileiro acha que ainda não é problema dele. Desfavor da semana.

SOMIR

O ser humano é adaptável. Para o bem e para o mal… A capacidade de perceber padrões e começar a se moldar a eles com certeza nos ajudou em situações como a colonização de áreas mais extremas do planeta. Ao invés de querer mudar (em vão) a temperatura de uma região, por exemplo, criamos formas de nos manter aquecidos ou hidratados apesar disso. Mas do lado oposto dessa moeda está a tendência a começar a achar normal se concentrar em formas de conviver com as regras ao invés de tentar mudá-las.

Mesmo se as regras podem ser mudadas. Estamos num momento importante de nossa história como ser racional e social: O modelo democrático ganha cada vez mais seguidores entre as nações, boa parte dos países onde as grandes revoltas dos últimos anos aconteceram são democracias jovens. Povos com pouca ou nenhuma experiência com toda essa coisa de governar seus próprios rumos.

Pode-se argumentar que em casos como o da Venezuela e democracia não passa de fachada, você pode escolher mas o governo manipula as escolhas. Mesmo assim o simples fato de precisarem de uma fachada para exercer poder totalitário já diz muito sobre como ditaduras assumidas estão cada vez menos em voga. Há muito mais oportunidades de perder o controle sobre o país tendo que interpretar um papel de sistema democrático.

Pode-se argumentar também que em casos como o brasileiro a democracia é quase um truque de mágica mantido pelos ricos e poderosos: você pode escolher o que quiser, mas não consegue enxergar as opções. Verdade também, mas ilusionistas não conseguem fazer seu papel se a plateia começa a invadir o palco. Seja como for a configuração da democracia ou projeto de democracia implantada num país, ela é muito mais favorável à população do que um regime autoritário sem nenhuma vergonha de se portar como tal.

Quando praças públicas tornam-se campos de guerra, quando uma parcela razoável do povo irrita-se o suficiente para enfrentar o poder constituído e exigir que cabeças rolem… aí sim que deveríamos perceber como o problema não é só o que os poderosos fazem com o poder cedido pelo povo, mas também COMO essa gente acabou no poder para começo de conversa.

Democracia é prática. Prática no sentido que tende a ser reflexo imediato das escolhas de um povo e prática no sentido que exige experiência inclusive de quem vota para funcionar de forma ideal. Agentes do governo atirando com munição letal em manifestantes é um atestado de despreparo total dos governantes e também uma indicação que CLARAMENTE essas pessoas não poderiam estar dando ordens.

Vamos botar essa na conta do povo também então? Calma… Esses problemas são menos conscientes do que parecem. Abri o texto falando de adaptação humana e é aqui que as coisas começam a se explicar: quem vive numa sociedade onde violência é comum e educação fica sempre em segundo plano tende a ver o mundo de forma mais egoísta e brutalizada. Necessidade de adaptação. Quando o sistema te convence que é cada um por si, difícil formar o conceito de colaboração social na cabeça das pessoas.

E aí a democracia parece menos democrática. Desde que o problema não te afete, as coisas parecem estar em ordem. Se a violência não ceifa vidas próximas à sua, se a repressão não deixa marcas na sua carne… Então é como se você tivesse sorte (ou juízo) de não estar no olho do furacão. De uma certa forma, é como se o povo de democracias jovens e dúbias como Venezuela, Ucrância, Egito e Brasil já considerasse injustiças e abusos como uma inevitabilidade, e suspirasse aliviado enquanto o problema não se move em sua direção.

A verdade é que o que acontece em escala mais assassina nos dois países usados como exemplo deste texto e também no Brasil sem uma contagem de mortos tão elevada são todos absurdos! Estado democrático não existe para reprimir reivindicações populares, MUITO PELO CONTRÁRIO. Quem bota tropa de choque nas ruas para controlar manifestação está cagando no sistema que dirige. Não tem meio termo. Quer fazer diferente disso não se chame democracia.

EM TODOS OS CASOS RECENTES (Egito e Primavera Árabe em geral, Turquia, Venezuela, Ucrânia, Tailândia e Brasil) as manifestações explodiram de forma violenta depois de repressão policial/militar. Todas começaram com um grupo reduzido e pacífico que foi reprimido de forma violenta e aí sim ganhou apoio popular suficiente para gerar a confusão que geraram. Isso não é o povo perdendo a linha por causa de redes sociais e sensacionalismo midiático, isso é falha ÓBVIA do sistema democrático. Quando o povo quer falar uma coisa, é obrigação do governo escutar. Se não o faz, não é democracia.

Parece que essa safra recente de democracias ainda não tem muita noção do que são, governo e povo inclusos. Continue não dando a mínima para manifestações e isso vai desaguar num movimento reacionário mundial. Democracias e Ditaduras são mais ou menos cíclicas em nossa história. Quando o povo finalmente se adaptar à democracia atirando em manifestantes, não vai mais fazer diferença o nome do sistema de governo.

Para dizer que está cagando para um povo que apoiou o Chávez (estrangeiros podem dizer o mesmo sobre o Lula), para dizer que deveriam usar munição real contra quem atrasa texto (está postado!), ou mesmo para dizer que democracia é supervalorizada: somir@desfavor.com

SALLY

Mais alguém está com a impressão que o mundo está involuindo? Apesar de todos os avanços científicos, eu tenho a sensação que, em matéria de relações humanas, caminhamos de volta à barbárie, por único e exclusivo descuido nosso.

O que está ocorrendo na Venezuela e na Ucrânia é inadmissível, do começo ao fim. Não é apenas um retrocesso para os respectivos países, o brasileiro retrocede junto quando assiste a isso calado, sem se indignar, canalizando sua indignação para situações, digamos, mais próximas. Ilusoriamente se pensa que questões mais próximas nos afetam mais, porém, quem enxerga mais longe percebe o quando esse desarranjo mundial prejudica e pode vir a prejudicar a todos nós de forma intensa. Não se indignar, não fazer nada, também é uma forma de involução, além de ser uma clara prova de burrice.

Parece que perdemos a capacidade de indignação quando, em um país vizinho como a Venezuela, ocorrem as mais diversas violações aos direitos humanos. Não fosse o bastante, também perdemos a capacidade de indignação ao ver esse Governo endossado por nossa atual Presidente da República. Pessoas que ficam putas se um cachorro apanha mas parecem ser indiferentes ao outros seres humanos apanhando. Ninguém deve apanhar, nem cães nem gente. Não proponho deixar de se solidarizar com os cães, mas sim passar a se solidarizar com as pessoas, no mínimo, em igual intensidade. Não, melhor não, porque entrar em contato com esse sofrimento humano pode trazer mal estar. Mal estar é proibido, vamos todos ser felizes full time, vamos tomar ansiolítico e fechar os olhos para a realidade, que é mais agradável. Está crescendo uma geração incapaz de lidar com a dor.

Talvez parte da culpa por essa indiferença seja da internet, pois ela permite que cada um crie seu mundinho falso onde deseja viver e crie também seu próprio avatar, sua personalidade falsa, com uma foto falsa que quase nunca retrata a aparência de seu usuário. Uma ferramenta que poderia ser usada para acesso à informação vem sendo usada como forma de alienação. Assim, as pessoas recriam seu mundinho e esquecem do mundo real. Ok, quem sou eu para recriminar a criação de um mundinho, afinal, Desfavor nada mais é do que isso. O grande problema é quando esse mundinho vira às costas para o mundo real e serve para vivenciar uma falsa felicidade que não foi alcançada na vida real. Não é medíocre viver alimentado por felicidade virtual? Deixa pra lá, a maior parte das pessoas nem mesmo vai chegar a ter ciência desse mecanismo um dia.

Não aprendemos nada com a história. Quando começa essa permissividade com sequestro, tortura e mortes em nome da pátria a coisa não acaba bem. Não acaba bem e muitas vezes se alastra para os países vizinhos, principalmente quando a Presidente do país vizinho parece manter relação de amizade e admiração para com o Chefe de Estado que está perpetrando estas atrocidades. Vamos parar por um segundo de pensar em tal coisa que queremos comprar, em tal pessoa que queremos ficar e vamos dar uma olhada no que está acontecendo no mundo? Vamos usar rede social para discutir e recriminar esse tipo de barbárie em vez de controlar se o celular da mocinha da novela estava de cabeça para baixo? Vamos não votar em quem de alguma forma endossa essas atrocidades?

Falta no brasileiro médio a noção de coletividade. Uma sociedade individualista, egoísta e infantilizada que sempre pensa no seu umbigo de forma imediatista. É hora de amadurecer. É hora de perceber que se o vizinho não vai bem, é preciso se mobilizar. Não acho exigível que ninguém compre briga pela Venezuela, apenas peço que olhem para o que está acontecendo e reflitam se querem votar novamente em uma Presidente que se alia a isso, porque manter no poder alguém que acha isso aceitável é trazer isso para dentro da sua casa. Ninguém acha que vai acontecer, até que acontece. E os primeiros indícios estão aí, para quem quiser ver: Poder Público cortando a luz nas ruas durante protesto para que a polícia possa bater e prender sem ser recriminada e tantas outras atrocidades que tomaram forma em 2013. Você conhece um Estado pela forma como ele trata seus inimigos, pois os amigos todo mundo trata bem.

É hora de aprender a ler as placas de “Pare”. A história conta vários exemplos de países que eram democráticos até a página 2, quando tudo muda repentinamente. O brasileiro está se achando muito certo, muito garantido de suas conquistas. Vamos dar uma olhada fria na atual realidade? Partido dos Trabalhadores, com histórico de reivindicações nas ruas, espancando e prendendo manifestante. Os indícios de que a massa do bolo está desandando estão bem evidentes. Mas as pessoas estão muito ocupadas ostentando uma falsa felicidade e superioridade no Facebook, twitando comentários sobre TV ou jogando FlappyBird. Enquanto a situação não as incomodar ou prejudicar diretamente, não vão se mexer. Não percebem que quando isso acontecer, terá sido tarde.

Como pode os mesmos que se escandalizam pela morte de um cinegrafista em protestos não se escandalizar pela morte de dezenas de pessoas em protestos internacionais? Evidente que quando acontece no nosso quintal choca mais, mas como pode não gerar uma presunção negativa uma Presidente da República que, NOS ATOS, endossa esse tipo de coisa? O brasileiro tem que dizer “Não concordamos com isso” e “Não vamos votar em quem não se opõe a isso”. Tem que se unir para discutir o assunto em rede social. Tem que procurar se informar do que está acontecendo nos países vizinhos e no mundo. Basta um clique, bastam dez minutos do seu dia. O preço da liberdade é a eterna vigilância.O brasileiro talvez seja o único povo do MUNDO que se sente no direito de ser desinformado.

Tristeza de ver o que tem sido priorizado pelo Brasileiro Médio. Medo de pensar que a ideia em abstrato dessas atrocidades não incomode, por si só. Medo de que quem de alguma forma, direta ou indireta, se vincula a elas não sofra uma rejeição social imediata e massiva.Tristeza e medo de que se um dia o povo brasileiro incomodar o suficiente, a situação aqui se agrave e descambe para isso. Às vezes dá vontade de ter uma rede social só para tentar falar de coisas que me parecem realmente importantes, mas daí eu lembro que não adianta nada falar para quem está desinteressado em ouvir e a vontade passa.

O Brasileiro Médio perdeu a capacidade de se chocar com algo que não o prejudique. Talvez esteja perdendo a capacidade de empatia, tamanho seu egoísmo, o que o coloca no mesmo patamar de animais rudimentares. Se não houver identificação com a vítima, não há indignação. Se não atrapalhar sua rotina, não merece um segundo olhar mais atencioso. Tudo isso vindo de um povo que se acha e se diz solidário e religioso. Alto grau de hipocrisia. Muito cansada da alienação do Brasileiro Médio para o que acontece no resto do mundo. Este povo vai acabar muito mal e nem ao menos está se dando conta disso. Voltem para a fila da Apple Store, façam planos para comprar uma roupa nova, postem selfie em rede social enquanto podem e continuem desinformados do que acontece no resto do mundo, mas não reclamem se em breve a sujeira do quintal dos outros entrar na sua casa, por causa de sua inércia contemplativa.

Para dizer que além de pessimista agora eu também estou ficando alarmista, para dizer que não leu o texto mas que não concorda ou ainda para dizer que caiu aqui pesquisando pela palavra Flappy Bird e está frustrado com o resultado: sally@desfavor.com


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