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Flertando com o desastre: O lado podre.

| Somir | | 30 comentários em Flertando com o desastre: O lado podre.

Isso tende a dar muito errado. Mas, ei… a coluna existe por esse motivo. O vídeo que ilustra a coluna de hoje mostra a “polícia russa” (na verdade são os cossacos, na verdade não é exatamente polícia…) lidando com mais uma manifestação do grupo Pussy Riot. Abuso total, certo? Violência desmedida contra uma manifestação pacífica. Tudo o que detestamos por aqui no desfavor. Mas não é exatamente disso que vou falar, e sim de uma reação minha ao vídeo: Eu ri de forma satisfeita por alguns segundos.

E não tem nada de redentor nesta continuação: Eu ri porque imaginei a mulher pensando “Eu sou uma mulher livre e poderosa!” e tomando uma chicotada logo na sequência. Eu ri por motivos que beiravam à misoginia. Beirando porque na verdade era mais uma transferência (provavelmente indevida) do desgosto para com as ativistas feministas extremistas. Talvez até com um resquício de memória sobre a notícia (inconfirmada até onde eu sei) de um grupo feminista que imprimiu os nomes de virtualmente todos os homens de uma universidade americana e espalhou as listas pelo campus com o título “estupradores potenciais”.

Só sei que a reação “certa” ao vídeo foi tomada de assalto por uma satisfação pra lá de podre por ver aquelas mulheres apanhando de forma covarde. Foi-se tão rápida quanto veio (depois de ver a primeira pancada a realidade voltou) e deixou uma tremenda dúvida no caminho: de onde veio isso e porque fez tanto sentido mesmo sendo completamente incoerente?

E é aqui que reconheço que por mais alta estima que tenha por mim, não escreveria um texto só para fazer auto-análise. Na verdade eu já tenho uma teoria sobre o assunto há vários anos e não sinto mais culpa alguma a não ser pela burrice da ideia. Na verdade o foco deste texto é mesmo esse lado podre das nossa mente que aparece de tempos em tempos e a teoria de que isso não é desejo reprimido porra nenhuma, é uma falha pontual no processo lógico.

Eu provavelmente não fiz muitos amigos (e principalmente amigas) com o texto até aqui, mas aqui vai algo que muita gente também não vai gostar: o cérebro humano é uma máquina orgânica e os únicos problemas mentais existentes são bugs no sistema. Nada mais profundo do que isso. Psicologia não deixa de ser o aprendizado da linguagem de programação do cérebro, mas sem a Neurociência a engenharia reversa é impossível. Enfeitamos demais o que deveria ser apenas uma série de reações químicas e impulsos elétricos.

Ninguém é fundamentalmente “errado”, a questão é que a linha de produção de cérebros dificilmente ganharia uma certificação por padronização de seus produtos. Ainda bem, que fique claro. Variações são essenciais para a evolução e sem todo o espectro de possibilidades das mentes humanas nosso mundo seria bem mais chato e atrasado.

E antes que venham me encher o saco dizendo que estou pregando que todo problema da mente pode ser resolvido pensando bem, pense de novo e releia a parte onde eu falo sobre Neurociência. Tem coisa que depende de intervenções bem mais “práticas” sobre o funcionamento do cérebro. E acho que quem sofre de algum deles deve entender o conceito de ideia podre bem melhor: quando o maldito desequilíbrio químico ou “linha cruzada” de neurônios finalmente passa (nos casos onde passa, é claro), eles costumam perceber quais delas sacanearam sua melhor compreensão da realidade.

E além dessa variação toda nos projetos iniciais, ainda temos uma série de elementos que interagem com o desenvolvimento e funcionamento diário de nossos cérebros: desde a criação até a carga de stress diária na vida adulta. Muitas variáveis, muita informação coletada e processada pelos neurônios. Há de se entender que de tempos em tempos teremos falhas ou mesmo resultados duvidosos por causa dos inúmeros atalhos inerentes ao processo cognitivo humano.

Tudo isso para dizer que esse lado podre da mente humana dificilmente é um processo funcional dentro do cérebro. Alguma coisa está errada com a ideia na hora que ela é chamada pelos seus pensamentos, expressões e ações; e NÃO com a máquina em si. Pode ser meio alienante para quem é analfabeto digital, mas entendo a pior parte da mente humana (subjetivo, eu sei, mas o tema todo é…) como um arquivo corrompido na memória do seu computador. Não corrompido o suficiente para travar a máquina na hora, mas o suficiente para bagunçar tudo o que depende dela.

Voltando ao caso citado no começo do texto, a lógica me diz que mesmo que eu aceitasse sofrimento alheio como forma de melhorar a sociedade, ainda sim não havia conexão direta entre o vídeo que eu assistia e uma correção de curso das atitudes de ativistas descompensados. Análise fria: covardia pura com uma dose razoável de entendimento das vítimas sobre no que estavam se metendo. Motivo algum para sentir-se satisfeito.

Quanto mais controle você desenvolve sobre o seu processo lógico – premissas, conclusões e objetivos – mais livre se torna da influência desses “bugs cerebrais” no seu cotidiano. Eles dificilmente podem ser impedidos, mas reconhecê-los e conseguir destrinchá-los realmente ajuda no processo de manter a mente em bom estado de conservação.

Pensar coisas horríveis já não me deixa culpado, há muito tempo. E muito ao contrário do que indocrinadores de plantão adoram dizer, livrar-se da culpa e do medo de explorar o lado mais podre da sua mente pode muito bem te ajudar a agir de forma cada vez mais ética e humanista. É a velha história de não alimentar o troll, a partir do momento onde uma ideia tem poder para ficar livre de análise na sua mente, ela começa a te assombrar. Reprimimos ou deixamos correr soltas pela mente. Ambas péssimas soluções.

Fazer o que ganha status de ideia e/ou opinião na sua cabeça pagar um “pedágio de lógica” antes de se estabelecer ajuda muito a deixar a vizinhança mental mais bem frequentada. Normalmente são essas ideias podres fora de controle que começam a estragar uma pessoa. Todo mundo deve conhecer alguém que começou a enfiar os pés pelas mãos e fazer besteiras mesmo parecendo uma pessoa centrada e bem intencionada na maioria das vezes.

Sabem quando entrevistam a “mãe do bandido” e ela diz que o filho sempre foi amoroso, honesto e trabalhador? Eu sinceramente acredito que sempre tem um pouco de verdade ali. É até difícil ser uma pessoa tão simplória assim ao ponto de não passar impressões diferentes para pessoas diferentes. A ideia podre pode ser desde um preconceito até mesmo a dificuldade de calcular as chances de sucesso numa empreitada (criminosa ou não). Pode ser o ódio por pessoas de outros lugares ou outras religiões, pode ser até mesmo a tendência de se apaixonar por pessoas claramente incompatíveis…

E eu chamo de ideias podres porque normalmente quando a pessoa tem a oportunidade de reavaliá-las, começam a aparecer rachaduras nas certezas que tinham. Aquela história batida de filme onde uma pessoa é obrigada a conviver com pessoas diferentes que rejeitava e começa a enxergar valor nelas. Evidente: não há lógica que resista à ideia de que um grupo definidos por padrões arbitrários como gênero, raça, local ou mesmo crença religiosa possa ser tão homogêneo ao ponto de sempre confirmarem seus estereótipos.

Eu tenho uma opinião bem do contra sobre preconceitos, acho que são um subproduto negativo de uma das melhores e mais importantes habilidades humanas; mas daí a achar que na prática dá para prever atitudes e reações de outros seres humanos partindo de premissas simplistas como “violento”, “burro”, “covarde” ou tantos outros termos que usamos para diminuir outros humanos é passar atestado de burrice.

Parece extremamente amoral definir o lado podre humano mais por falhas lógicas no cérebro do que por um senso abstrato de justiça e altruísmo, mas pelo menos te protege de disfarçar burrices óbvias de opiniões fortes. É questão de assumir mais o controle sobre esse processo aparentemente caótico da mente humana.

O problema não é pensar algo podre, o problema é acreditar em algo podre. E você, já pensou no impensável hoje?

Para tentar explicar minha risada com alguma espécie de argumento ad-bucetam (e ainda achar que inventou a roda), para me aconselhar a simplificar meu auto-perdão, ou mesmo para dizer que me odeia porque riu também só porque “não podia rir”: somir@desfavor.com


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