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Desfavor da semana: Quem não te conhece…

| Desfavor | | 87 comentários em Desfavor da semana: Quem não te conhece…

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O jornalista dinamarquês Mikkel Jensen desejava cobrir a Copa do Mundo no Brasil, o “país do futebol”. Preparou-se bem: estudou português, pesquisou sobre o país e veio para cá em setembro de 2013. (…) Descobriu a corrupção, a remoção de pessoas, o fechamento de projetos sociais nas comunidades. E ainda fez acusações sérias. (…) Desistiu das belas praias e do sol o ano inteiro. Voltou para a Dinamarca na segunda-feira (14). FONTE

… que te compre! Desfavor pelo óbvio para quem mora por aqui, desfavor por algumas reações “mulher de malandro” da população. Desfavor da semana.

SOMIR

O complexo de vira-lata relatado por Nelson Rodrigues sobre o futebol brasileiro era só a ponta do iceberg. Afinal, bastou uma geração talentosa e vitoriosa para restaurar o orgulho nacional. Oras, apesar desse orgulho se apresentar até com uma certa soberba nos dias atuais, difícil negar que nesse aspecto o Brasil se mostrou extremamente capaz. Pode ter sido mais sorte do que juízo, mas no final das contas essa gente bronzeada mostrou mesmo o seu valor dentro das quatro linhas.

Um complexo resolvido, todos os outros pendentes. Dentro das tantas outras linhas que formam a identidade tupiniquim, as coisas vão mal. A Copa no Brasil é uma ideia interessante sob o aspecto de tradição futebolística, mas é uma aberração no resto. A taxa de aprovação da Copa pela população está no seu ponto mais baixo: 48%. Eu diria que está 48% mais alta que deveria, mas não espero melhoras significativas nesse campo.

O brasileiro transmite seu complexo de vira-lata para suas opiniões sobre basicamente tudo o que envolve estrangeiros. Com o resto do mundo percebendo a estupidez de dar eventos como Copa e Olimpíadas para o Brasil, a tendência é que a população local comece a reagir em sentido oposto. O vira-lata amaldiçoa a necessidade de se alimentar através de uma lata de lixo, mas acha ainda pior quem aponta o fato.

E começa a achar defeitos em quem o faz. A reação à notícia sobre o dinamarquês levando um choque de realidade com o “país do futebol” exemplifica muito bem como estar enfiado dentro de uma lata de lixo mexe com sua percepção sobre as coisas. Sempre surge o argumento que o Brasil tem problemas, mas o resto do mundo também. Como se uma coisa tornasse a outra mais aceitável, e pior: como se fossem situações análogas.

Tem corrupção, violência e pobreza na Dinamarca sim. Se tem uma concentração razoável de pessoas, essas coisas são praticamente inevitáveis. Mas há de se entender que a escala de nossos descalabros é ponto fora da curva para quem usa uma sociedade funcional como comparação. Não é hipocrisia vir para cá e dizer que o país tem problemas, é a honesta percepção de que os problemas brasileiros são absurdos em proporção e distribuição, além de ocorrerem numa sociedade pouco afeita a resolvê-los.

Desde o começo do projeto “enfiar bilhões pelo ralo para centenas de marmanjos chutarem bolas” quem pagou o pato foi o cidadão brasileiro. Os vira-latas correram para polir suas lixeiras, tentando evitar quaisquer críticas ao seu modo de vida. Governantes inescrupulosos assinaram papéis para remover os pobres de vista e colocar em seus lugares monumentos ao orgulho da gastança desnecessária. Basta estar aqui para perceber.

Faz tempo que denúncias sobre remoções autoritárias e políticas de higienização desumanas surgem nos nossos noticiários. No caso brasileiro, a caravana passa, mas os cães não ladram. Esse é o problema. Se um estrangeiro acostumado com uma sociedade que não aceita o absurdo nosso de cada dia dá de cara com o problema, não vai se resignar tão facilmente.

Mikkel falou o que já deveríamos saber. Verdade pode até incomodar, mas não ofende. Tem que viver em outro mundo (uma lata de lixo) para achar que as coisas são diferentes por aqui. O que ele trouxe à mesa sobre o espetáculo criado para os “gringos” não deveria ser novidade também. Achei extremamente digno ele ter ido embora por não querer pactuar com os abusos perpetrados em seu nome. Tomara que mais estrangeiros entendam isso e evitem fazer parte da platéia do patético show dos vira-latas.

E que os brasileiros entendam de uma vez por todas que esse país não é normal. Que ter números de violência humana apequenando guerras é viver longe da era moderna, que a taxação excessiva em troca de serviços públicos extremamente deficientes é sim de um atraso inaceitável. Não somos tão diferentes dos dinamarqueses, mas estamos alguns séculos no passado. Temos até mais celulares que eles, mas temos de prestar atenção para não fazê-los motivação para um assassinato!

Isso é viver numa era diferente do mundo civilizado. E o contraste é pungente para quem vem “lá de cima”. Pão e circo em pleno século XXI. O brasileiro não tem porque se ofender com as duras palavras de dinamarqueses, ingleses, alemães e franceses. Tem é que formar gerações talentosas e vitoriosas para acabar com essa sensação de derrotismo antecipado. Assim como foi feito no futebol.

Traçando um paralelo futebolístico como provavelmente me é permitido num texto desses: O Brasil não foi campeão do mundo só com talento natural de vira-latas. Preparação física acima da média e preocupação com fundamentos básicos lançaram a seleção canarinho num patamar superior às outras. O ex-técnico do Barcelona e atual do Bayern de Munique, Pep Guardiola, disse uma vez que não entendia por que o futebol brasileiro deixara suas raízes de lado para imitar as piores características dos europeus. Começamos a priorizar força física e capacidade de marcação! Faz algum tempo que nossos defensores são melhores que nossos atacantes.

Não estou fugindo do tema central: isso demonstra a hipótese da sorte sobre o juízo. O vira-latismo é tão forte que não conseguimos enxergar um caminho válido debaixo de nossos narizes. Abandonamos a filosofia que ensinamos ao resto do mundo só para parecermos melhores para os estrangeiros. Agora que os “gringos” aprenderam, não sabemos mais como fazer. Era pose, não era plano.

O complexo de vira-lata do futebol era só um sintoma de algo maior. Algo maior que ainda não foi devidamente tratado. Deixar de comer lixo não é a prioridade… enfeitá-lo sim. Se vamos depender da sorte para resolver problemas sociais, aceitemos então que boa parte do mundo civilizado não está interessado nesse jogo de azar.

Bem feito, Mikkel. Bem feito por vir… Bem feito por voltar.

Para dizer que eu deveria ser extraditado para a Dinamarca (obrigado!), para dizer que eu só tenho ENVEJA da sua lata reluzente, ou mesmo para falar que em terra de PT quem tem um passaporte é rei: somir@desfavor.com

SALLY

O jornalista dinamarquês Mikkel Jensen não é apenas um curioso que caiu por um azar no Brasil para cobrir a Copa do Mundo. Como todo bom jornalista deveria fazer, Mikkel se preparou: decidiu aprender português e estudar sobre o país no qual iria trabalhar. Mais: veio visitar o Brasil quase um ano antes da Copa. O que ele encontrou foi tão grotesco, que decidiu não voltar mais.

O curioso é que suas denúncias não são nada de extraordinário para os brasileiros: corrupção, violência, assassinato, impunidade. Isso choca alguém? É mais do que notório que de fato acontece com regularidade. Se ele falasse que viu uma sereia ou o Godzila, a gente até teria motivos para desconfiar do rapaz, mas nada, NADA do que ele disse soa absurdo. Daí, adivinha só o caminho que escolheram para contornar esse grande vexame? Desacreditar o coitado do jornalista, que não ganharia nada fazendo isso.

Porque uma pessoa investiria por tanto tempo (salvo engano ele começou a se preparar dois antes) para no final das contas desistir e inventar uma série de mentiras? Brasileiro se acha tão importante assim? Um profissional que vive em um dos países mais desenvolvidos do mundo iria perder dois anos investindo, estuando e visitando só para denegrir o Brasil? Meio absurdo, não acham? O PT não acha, já estão imputando conspirações, culpando terceiros e tentando tirar o foco das denúncias e transferi-lo para o denunciante.

Daí vem as ONGs, que sabemos bem o que significam no Brasil, dizer que não, que não tem nada disso, que nunca ouviram falar de nada disso. Lógico, se eu recebesse um valor de seis dígitos por mês do Poder Público para combater um problema e não fizesse absolutamente nada a respeito, eu também negaria que o problema existe em vez de admitir minha inércia contemplativa. O que uma ONG de proteção à criança vai dizer? “Sim, sim, existe extermínio de crianças pobres pelas ruas para não atrapalhar o turismo!”. Evidente que não. ONG negar não significa absolutamente nada.

Ainda teve quem diga, na maior cara de pau, que o o jornalista não “checou” a informação. O que esperavam do pobre dinamarquês? Que fique acocordado a madrugada toda atras de uma moita esperando para assistir um extermínio e só aí diga alguma coisa? Por favor… massacre da Candelária e tantos outros casos famosos depõe contra o Brasil. Isso ACONTECE, é perfeitamente compatível com a política pública violenta que vivemos hoje. Ainda mais no Nordeste, onde a violência do Estado e o descaso do Poder Público costumam ter proporções ainda maiores.

Engraçado que tentaram pintar a atitude do jornalista como sendo radical. Vamos lá, ainda que não houvesse um grupo de extermínio (que há, e são vários), será que o conjunto da obra não basta para que um dinamarquês se choque e não queira mais participar de um evento que gasta milhões enquanto o povo está na merda? Radical não, ele está indignado, coisa que o brasileiro está perdendo a capacidade de ficar. O jornalista se revoltou com a desigualdade social como um todo. Todos deveríamos. Errado é quem não se revolta. Mas como convém, ele vai ser pintado como radical.

Admitir o problema, se desculpar, fazer algo para melhorar, pedir ajuda internacional… nem pensar! Vamos desmerecer o interlocutor que aponta o problema. Além de ser mais fácil, o povo compra esse tipo de covardia. Vamos transformar um jornalista bem intencionado em um “vilão da pátria”, que ousa falar mal do querido Brasil, e fazer parecer que, por consequência, está falando mal de todos os brasileiros também. Vamos travestir tudo de exagero, iluminar o lado bom e ocultar o lado ruim. Essa postura já mostra uma breve sinopse do tratamento que será dispensado a aqueles que de alguma forma criticarem a Copa ou a questão social do Brasil. Que bela bosta, não duvido que em breve Dilma traga de volta a frase “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Não é exagero se chocar ao ver que um país com desigualdade social enorme, sem prestação de serviços públicos decentes, com altíssima carga tributária e que ganhou o título de menor retorno do poder público ao cidadão com o dinheiro dos impostos cobrados. É como morar em uma casa caindo aos pedaços, rachada, mofada, com furos no teto e resolver dar uma festa que custa milhões. É ridículo. É desproporcional. Se nós, que estamos afundados nessa lama já achamos absurdo, imagina quem vem de países desenvolvidos, que respeitam o cidadão e que tem os maiores níveis de IDH? Pra eles deve ser mil vezes mais chocante.

Não há a menor condição de vilanizar esse jornalista. Ele foi muito íntegro em se recusar, por questões de ordem ética, a participar dessa baixaria. Cheguei a ler outros jornalistas criticando-o, dizendo que é papel do jornalista conbrir o evento mostrando os prós e os contras. Não acho. Se um jornalista fosse mandado a um campo de concentração ou extermínio, assistiria passivamente a morte de pessoas? Antes de ser jornalista, é um ser humano e admiro que tenha declinado de um projeto desses porque se sente violentado, afrontado com a atual realidade brasileria. Não tem um pingo de falta de profissionalismo aí. Sinceramente? Parece que ele se importa até mais do que os próprios prejudicado.

Me recuso a meter o pau em quem está indignado e coberto de razão. Desfavor dá total apoio a Mikkel Jensen e deseja que todos os jornalistas do mundo reflitam sobre sua atitude. Se todos tivessem essa sensibilidade e essa ética, o mundo certamente seria um lugar melhor.

Chega, gostar do Braisl não significa negar seus problemas. Parece aqueles pais cujo filho está obeso e eles acham lindo, fofo e continuam entupindo o filho de comida. Não. O Brasil está doente, e dizer isso não me faz ser invejosa, desgostar do país ou tentar sabotá-lo. Ao contrário, perceber e discutir o problema é sim um gesto de amor, pois é o primeiro passo para tentar solucioná-lo.

Quem quer tapar o sol com a peneira e se consolar dizendo que apesar de tudo tem muitas coisas boas deveria saber que o certo é que estas coisas boas existissem SEM todas as mazelas. Coisas boas não anulam coisas ruins. Uma exuberância natural não compensa extermínio de seres humanos. Um povo simpático não compensa morte por falta de hospital. CHEGA. Chega de focar no suposto lado bom para se consolar. Queiram mais. Queriam TUDO funcionando direito. E respeitem quando alguém que vem de um país exemplo de desenvolvimento abrir a boca para criticar, ouçam e aprendam em vez de sair refutando e se defendendo ofendidos.

Povo de merda. Se antes eu torcia para cair estádio sem gente dentro durante a Copa, hoje eu reconsidero. Talvez seja melhor se estiver lotado.

Para começar a procurar intercambio para a Dinamarca, para dizer que é tudo inveja da maravilhos infraestrutura, educação e higine de Fortaleza ou ainda para dizer que foi tudo um mal entendido pois era apenas uma campanha de erradicação da pobreza: sally@desfavor.com


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