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Flertando com o desastre: Elite branca.

| Somir | | 14 comentários em Flertando com o desastre: Elite branca.

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Hoje falo em nome da elite branca deste país. Tudo bem que a conta bancária não corrobora, mas não consegui nenhum dos outros membros realmente abastados do clube para escrever aqui por hoje… Vão ter de se contentar comigo. Não se preocupem, pelo menos a parte do “branca” eu garanto! De qualquer forma, tenho uma mensagem para todos vocês: Está muito fácil! Queremos um pouco mais de desafio.

Eu sei que a maioria dos membros do meu clube opressor não gostam muito de versar a opinião em questão, mas nas nossas reuniões secretas não se fala em outra coisa. Houve um tempo onde vocês oprimidos invadiam nossos castelos com a intenção de separar nossas cabeças de nossos corpos! Hoje em dia? Hashtags no Twitter!

Não estou pregando violência, que fique claro. Apesar da agressividade exacerbada ter sido a pedra fundamental sobre a qual construímos nosso domínio sobre os outros povos, acredito que essa coisa toda de linchamentos e revoluções sangrentas deve mesmo se tornar cada vez mais obsoleta. Coisa de livros de história, e só. Mas havia uma excitação única na ideia de que um abuso qualquer poderia ser o estopim de uma revolta popular e o fim de nossos domínios.

Toda relação precisa de uma dose de risco. Nada pior do que a rotina para nos deixar flácidos e preguiçosos. Vários dos membros da elite branca costumam contar histórias sobre antepassados que passaram por grandes apuros nesse complicado dosar de batidas e assopros. Os camponeses de outrora contentavam-se com muito menos que os atuais, mas bastava um erro estratégico para que eles tentassem retomar o poder usurpado.

Mesmo com alguns de nós usufruindo de berços melhores, somos todos humanos. Gostamos de fingir que não nos misturamos com a plebe, mas sabemos que por dentro todos temos as mesmas tonalidades vermelhas. Vermelhas como a raiva de alguém que se sente injustiçado e quer buscar para si o que acredita ser seu. Fazíamos coisas horríveis com esse povo revoltoso, mas… admirávamo-nos.

Afinal, a busca pelo poder é algo com o qual nos identificamos prontamente. De uma certa forma, os pobres coitados vivendo sob nossos regimes tirânicos eram nossa última linha de empatia pela humanidade em geral. Sabíamos que naquelas figuras maltratadas batia um coração tão desejoso quanto o nosso. Que eram pessoas que estavam apenas esperando uma chance de sentar em nossos adornados tronos.

Alguns eram ainda mais nobres! Não queriam o poder para benefício próprio, mas para dividir com seus irmãos de miséria e abandono. Quantos deles tivemos que executar em praças públicas ou mesmo em porões sombrios só para manter o status quo… Pintamo-nos feito párias, mas é claro que mereciam mais respeito. Mas eram eles ou nós. Ou pelo menos nos convencemos disso.

Sim, a elite branca ainda abriga personalidades caricaturalmente vilanescas; sim, ainda nos beneficiamos das barbáries perpetradas contra povos inocentes demais para jogar nosso jogo de dominação econômica, militar e cultural; sim, ainda tramamos nas sombras para perpetuar nosso poder… mas… o mundo anda menos brutalizado. Alguns de nossos membros aliados às mais nobres mentes alheias à elite branca conseguiram avanços incríveis nos últimos séculos.

Pasmem: em vários casos por honesto desejo de dividir com o resto do mundo as benesses oriundas de nossas origens. Não foi mera bondade que extinguiu a escravidão institucionalizada ou mesmo que criou cartas universais de direitos humanos, mas acreditem que havia sim esse elemento em algumas das almas responsáveis pelas mudanças.

Não podemos negar nosso passado, mas podemos moldar o futuro. Novamente, não necessariamente por bondade, mas não completamente alheios a ela. Implodir nossa própria dominação racial responde aos desejos justíssimos de povos arrastados à força para nossas convenções sociais, mas também é a solução perfeita para um mercado consumidor estagnado. A elite branca não se basta mais. Temos que agregar esses novos bilhões de seres humanos ao mercado se quisermos ter uma chance de continuar relevantes.

E, oras, somos mais do que vilões de cinema mudo, cofiando os bigodes enquanto gargalhamos do sofrimento alheio. A miséria alheia é a pior contrapartida para uma vida confortável. Alguns de nós ainda tem um ponto fraco pelo sofrimento de outros povos, mas garanto que eles sentam cada vez mais afastados dos líderes em nossas reuniões. Ficaram ultrapassados! Se a tecnologia avançar como o previsto, sábio será quem aprender a liderar na abundância ao invés de regular na escassez.

Mas mesmo nós que não estamos planejando ativamente estragar a vida dos que não se encaixam em nossa descrição ainda temos que lidar com a culpa e a vergonha dos séculos e séculos de atitudes inaceitáveis contra nossos colegas de espécie. A maioria de nós não tem sequer coragem de se aviltar quando percebemos preconceito óbvio. Compreensível: não deixa de ser bem feito. Mesmo que não tenhamos participado diretamente dos abusos contra os que nos acusam, eles também não fizeram nada além de nascer para lidar com um sistema fortemente desequilibrado contra eles.

Lá na elite branca muitos de nós rimos bastante com um comentário do comediante Louis C.K., onde ele diz que se tivesse uma máquina do tempo sempre escolheria voltar para o passado do que ir para o futuro. Motivo: ele também é branco. Tudo o que fizemos tende a ser devolvido com juros e correção. Não tem nada a ver com justiça e sim com vingança. Podemos até não concordar com isso, mas há sim uma dose de realidade nessa ideia.

Não sei se isso resolve alguma coisa, mas sim, sabemos que nossos antepassados construíram nossas vantagens na vida sobre as costas de outros povos. Até racionalizamos: África e América do Sul eram paraísos comparados com boa parte da Europa e da Ásia. Os nossos precisavam jogar muito mais duro e sujo do que os seus. E quando os povos começaram a se encontrar… Não falo por todos, mas falo por vários: nem parece tão absurdo assim que um povo bem mais casca grossa tenha atropelado de tal forma tantos outros. Nossos filhotes tinham mais irmãos do que tetas disponíveis, por assim dizer.

Mas é claro, o resultado final não foi algo bonito. Temos uma desproporcionalidade incrível de descendentes de europeus no topo da cadeia alimentar social. Alguns de nossos até acreditam na imbecilidade de que somos naturalmente superiores. Perdoem-nos por eles. É muito fácil acreditar em merecimento se você acredita que só você merece.

Cá estou eu tergiversando. É realmente difícil fugir de apologias quando se está em nossa situação. Pois bem, muitos de nós mudamos nossa mentalidade, muitos de vocês também. E correndo o risco de ser incompreendido: nós acertamos mais no alvo que vocês. Previmos que esse amolecimento na estratégia de desumanizar o concorrente seria uma concessão dolorosa, mas no final das contas foi uma jogada de mestre.

Ainda não chegamos a um consenso se foi proposital ou não. Sabem como é, adoramos nos gabar. O que acontece hoje é que ficamos cada vez mais ricos e poderosos mesmo sendo finalmente execrados pelo o que somos. Demonstrar fraqueza era sinônimo de destituição no passado, mas hoje em dia… nos deixa mais fortes! A nossa parcialmente honesta assunção de culpa acabou infantilizando nossos oprimidos.

Eles parecem não querer mais o que temos. Ou pelo menos parecem não querer mais que as nossas posições sumam, caso tenham a possibilidade de ascender ao nosso status. Ao invés de pleitearem poder, querem mais ferramentas para nos calar publicamente. Se essa era a concessão que queriam, estão conseguindo. Não estou só falando de tolher liberdade de expressão do nosso clube, até porque no final das contas isso só se presta a nos fazer mentir e omitir mais. Mentir e omitir é muito lucrativo!

O que nos espanta é como se cria uma nova categoria de poder que em teoria defende o oprimido, mas na verdade acaba apenas mendigando migalhas dos opressores. O povo agora quer heróis para os representar contra nós. Insanidade! Quanto menos pessoas mirando nosso poder, mais fácil mantê-lo. Vocês realmente querem usar o nosso sistema de controle para conseguir alguma coisa de nós? Vão eleger representantes corruptíveis para lidar com os mais talentosos corruptores da história humana?

O que aconteceu? Enjoaram dessa luta? Ganhamos a mais antiga guerra de atrição de nossa existência como espécie? Não se enganem: qualquer grupo gerenciável o suficiente que estiver no poder pode e será absorvido por nós. Somos terríveis para manter o barco flutuando com toda a tripulação em motim, mas se houver um representante propenso a fraquejar… com certeza podemos negociar.

Se a mera ilusão de poder já os apetece, estamos lidando com a batalha mais anti-climática de todas. Se o problema é a cor da pele, nós vamos escurecer. Poder ficar mais tempo debaixo do Sol vai ser uma excelente adição ao nosso clube. Se for a língua solta, nós vamos nos policiar. Se não envolve dividir riquezas na prática, refestelem-se com todas as sobras que jogarmos. Se a elite branca é boa numa coisa, é em fazer negócios. Quando o preço para se manter no controle é um tapinha nas costas e um pedido de desculpas, podem ter certeza que vamos pagá-lo.

O triste é que isso acaba nos afastando. Com o passar do tempo vai ficar cada vez mais difícil nos reconhecer apenas pela aparência, mas mesmo assim vamos continuar dando as cartas. O medo é que isso torne nossas diferenças sociais ainda mais sólidas, como se fossem inerentes à nossa herança. Espécies diferentes, mesmo que com a mesma cor de pele e origens geográficas indiscerníveis.

Os que querem poder, os que não querem. Líderes e liderados. Ao invés de eliminar o preconceito e a dominação, vamos aperfeiçoá-los. E aí vai ser bem mais difícil achar outra brecha no nosso controle. Aproveitem essa. Pode ser a última. Esqueçam o branca e lembrem-se do elite. Nós vamos rir se a única contrapartida for valorizar complexo de vítima. Não entreguem esse poder na mão de quem vai virar fantoche nas nossas mãos. Fiquem com ele, cobrem MUITO mais caro de nós.

Vamos usar um exemplo simples: A elite branca inglesa inventou o futebol. O proletariado de todas as cores e credos desse mundo resolver jogar o MESMO jogo. Ficaram tão bons nisso que um dos países mais desorganizados, desiguais e injustos do mundo é o maior campeão do esporte. Os ingleses? Bom, estão indo pra casa agora com o rabo entre as pernas.

A elite branca não compra o mesmo discurso e joga o mesmo jogo que o resto da população. A elite branca faz seu próprio time, como sempre. Se eu fosse vocês, não torceria pelo nosso time. Se eu fosse vocês, eu aprenderia a jogar o jogo… Até porque já está chato ganhar sempre.

Para dizer que o texto foi muito chapa branca, para dizer que vai me processar por algo assim que descobrir sobre o que eu falei, ou mesmo para dizer que foi muito texto só para fazer uma analogia de pobre: somir@desfavor.com


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