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Analfabetos científicos.

Analfabetos científicos.

| Desfavor | | 31 comentários em Analfabetos científicos.

+A maioria da população brasileira não domina a linguagem científica necessária para lidar com situações cotidianas, tais como ler resultados de exames de sangue, calcular se o tanque tem gasolina suficiente para uma viagem, relacionar e entender o impacto de ações no meio ambiente ou entender a cobrança da conta de luz.

Só não dizemos que isso explica muita coisa porque provavelmente não saberiam do que estamos falando. Desfavor da semana.

SOMIR

Como ser dotado de uma quase doentia vaidade intelectual, por vezes me pego pensando se eu sou mais inteligente que a média ou se as outras pessoas que são burras. Parece a mesma coisa, mas tem diferença sim. Destacar-se apesar da mediocridade conta muito mais que destacar-se por causa da mediocridade. Ironicamente, falta-me capacidade de responder a pergunta.

Definir inteligência em todas suas variáveis e nuances é um desafio complexo. No final das contas acabamos percebendo inteligência alheia através da concordância… não soa muito brilhante, mas é o suficiente para acalmar um pouco uma mente inquisitiva. Males necessários de temas ‘teóricos’ como esse.

Por sorte, nem todos se contentam com mero exercício intelectual. Para tirar o conhecimento humano das garras de nossa ‘vã filosofia’, ainda não há nada melhor do que o método científico. Claro que ele não vem sem seus defeitos e limitações, mas uma mecânica bem definida para explicar a realidade facilita demais a retenção e o aprimoramento do aprendizado sobre o mundo que nos cerca.

Alfabetização científica é um parâmetro bem mais prático do que inteligência. Uma forma de medir o quanto uma pessoa é capaz de aplicar o seu aprendizado na vida real. Com quase quatro quintos da população tupiniquim incapaz de entender um manual de instruções, dá para cravar com muito mais segurança: eu não sou inteligente, os outros é que são burros.

Os resultados da pesquisa são deprimentes. A analfabetismo funcional já era assustador o suficiente com a ideia de que a maioria das pessoas tem dificuldades sérias de compreender e comunicar ideias, mas o científico vem para demonstrar que sequer entendem o básico sobre a realidade! Aliás, talvez uma coisa explique a outra: como é que alguém pode se expressar sobre algo que sequer imagina como funciona?

Que só 5% dos brasileiros consigam relacionar informações para formar argumentos (ou ao menos suposições) educados o suficiente explica demais sobre o estado no qual o país se encontra. E eu nem estou assinando a carteirinha desse clube plenamente letrado: talvez eu também não me encaixe exatamente nessa faixa mais elevada. Duvido inclusive que nosso público habitual por aqui também esteja homogeneamente dentro dos tais 5%, e nem precisa ser esse o objetivo final.

São os 64% com conhecimento científico muito abaixo do esperado de um adulto em pleno século XXI que preocupam de verdade. Mesmo soando condescendente: deve ser assustador viver com esse nível de afastamento da realidade. Não surpreende então tanto medo do diferente e rejeição ao que é intelectual.

Para muita gente, entrar numa discussão com alguma expectativa além de gastar saliva deve ser parecido com pular de pára-quedas! Um salto no vazio da própria ignorância sem a menor noção do que os espera lá em baixo. Pior: não há sequer a vaidade de querer saber para não fazer papel de bobo no futuro. A pessoa não sabe e tem raiva de quem sabe.

E nessa armadilha colocada no próprio caminho, ela vira presa fácil. Dizer que “ignorância é uma bênção” é um dos maiores golpes já aplicados na humanidade… Ignorância gera medo. Medo reforça ignorância. Ambos são rentáveis para quem sabe explorá-los. E só.

Sim, vai muito além das pessoas não terem vontade de aprender, faltam condições. Mas em outro círculo vicioso, quem não sabe o que está perdendo com ignorância científica não vai cobrar o suficiente pela sua diminuição (eu até diria erradicação num mundo ideal, mas não precisa de tanto assim). Saber o suficiente para começar a relacionar informações e prever resultados já mudaria demais o cenário político e social do país.

Num lugar onde as pessoas conseguem entreter mais do que uma ideia na cabeça ao mesmo tempo, Tiriricas e Felicianos jamais seriam eleitos. Esculacho e preconceito poderiam até divertir os mais inclinados a concordar, mas seriam vistos num contexto mais complexo. Relacionar ideias e aplicar conhecimento científico na vida cotidiana também aumenta a capacidade de pensar em algo além do próprio umbigo.

A vida lá fora é menos assustadora para quem está prestando atenção. É mais fácil também enxergar que existem outros pontos de vista e que eles… acreditem se quiser… podem fazer sentido! Agora, se o cidadão fica confuso com um manual de instruções dizendo-lhe exatamente o que fazer, como é que vai lidar com liberdade de escolha?

Educação científica é muito mais do que decorar fórmulas, é a fundação para a compreensão de causas e consequências, da geração de novas ideias e da revisão das antigas. Nada mais limitado do que uma mente imutável, a percepção limitada e imediatista do funcionamento da realidade, onde tudo acontece sem explicação e reação é sempre mais útil do que planejamento.

Poucas estatísticas são mais decisivas do que o letramento científico. Povo sem base alguma para tomar decisões vai parecer aleatório. O que, novamente, explica as pesquisas de intenção de voto, não? Pensamento sem estrutura mínima de compreensão científica equivale a estar num carro desgovernado o tempo todo. E não precisa estar nos 5% para perceber como as chances dele chegar no seu destino não são as melhores…

Meu reino pela mediocridade.

Para dizer que pelo menos na estatística da arrogância eu estou indo bem, para dizer que a ciência não é perfeita (e ser banido, não por estar errado, mas por ser um desperdício de oxigênio), ou mesmo para dizer que sempre se sente burro quando lê um manual de instruções: somir@desfavor.com

SALLY

Este é um dos poucos textos em que eu gostaria muito que leiam a notícia até o fim antes de ler o texto. Se for possível, gastem qualquer cinco minutinhos e cliquem no link da notícia para ler, pois é estarrecedor e não vamos conseguir abarcar todos os assuntos analisados no texto. Não precisa fazer o teste, apenas leia a notícia.

Em um resumo bem grosseiro, o brasileiro médio está cada vez mais Brasileiro Médio. Sabe aquele índice de massa corporal (IMC) que a gente usa para saber se a pessoa está gorda? Pois é, tem um medidor desses para intelecto, para saber quão burro é um povo: o ILC, Índice de Letramento Científico.

Não pense você que estamos falando de física quântica, o que se mede são coisas bem prosaicas como compreender um manual de instruções ou rótulos de produtos e até mesmo compreender um texto de forma global. Ou seja, a maior parte dos brasileiros tem uma cognição tão precária que são, basicamente, cachorros bípedes.

Apenas 5%, eu disse CINCO POR CENTO, dos brasileiros são capazes de dar uma resposta argumentando com algo diferente do que foi apresentado no questionamento. Ou seja, pouquíssimas pessoas conseguem acrescer, fazer o link mental entre o que está sendo perguntado e toda a informação que seu cérebro contém que seja de alguma forma relacionada com aquilo, para elaborar uma resposta.

Não sei se é por falta de conteúdo ou por falta do exercício de analisar a “big picture”, mas as pessoas pensam pequeno, pensam errado. Talvez seja um pouco de tudo: falta de estímulo intelectual na infância, preguiça de pesquisar e estudar, desencorajamento social para o estudo e conhecimento, incapacidade de compreender e se concentrar somado à boa e velha burrice. O fato é que o brasileiro não sabe PENSAR. E ninguém parece se incomodar com isso.

Não sabem acessar seus arquivos mentais e resolver problemas, captar as informações pertinentes a aquele assunto e uni-las em uma linha de raciocínio. E isso as impede de desempenhar tarefas básicas do dia a dia com competência, coisas como entender as contraindicações de um remédio ou conferir a conta de luz. Fatalmente, isso nos afeta.

Primeiro porque em uma sociedade com uma maioria intelectualmente disfuncional todos sofrem, pois gente disfuncional provoca incêndio, provoca acidente e muitos outros transtornos e desastres que nos alcançam. Segundo porque o percentual de cães bípedes é tão alto, mas tão alto, que fatalmbete abarca profissionais e prestadores de serviço com os quais cruzaremos algum dia.

Essa massa de cães bípedes está ditando o ritmo intelectual da manada toda. Os filhotes de cães bípedes são maioria e ditam o quanto o professor vai poder exigir de uma turma. O Brasil está sendo nivelado cada vez mais por baixo, em parte também por esse fenômeno inclusivo mal entendido, que dá o peixe em vez de ensinar a pescar e acha que pena e favor são inclusão.

Na direção em que estamos, a tendência é piorar. O brasileiro não é capaz de consultar dados sobre sua saúde na internet nem de ler qualquer texto inteiro e explicar seu significado em uma frase. Compreende cada palavra que está sendo lida mas não consegue compreender o teor global, a ideia central que está sendo passada.

E isso se reflete também na hora de escrever. Pessoas começam a escrever e se perdem no meio do seu próprio texto, que geralmente fica sem conclusão, sem sentido. Podemos ver tudo isso no Desfavor: gente que não compreende o significado global do texto e comenta pinçando uma frase fora de contexto e gente que deixa uns comentários que, puta que pariu, não se entende onde queria chegar.

A burrice do brasileiro médio é maior do que a gente imaginava e também é maior do que os pesquisadores imaginavam. Esse resultado surpreendeu negativamente até quem trabalha com isso. Não fica difícil perceber que tudo que vem sendo feito para melhorar a educação no país está dando errado. É uma enorme placa de PARE que ninguém está lendo.

E mesmo aqueles supostamente inteligentes, estão sendo burros, pois deixar a imbecilidade chegar a esse percentual populacional é ruim para todos. Querer uma meia dúzia de burrinhos manipuláveis para executar tarefas menos nobres já seria ideologicamente ruim, mas uma maioria social de imbecilóides é tiro certeiro no pé.

Não se enganem, amigos intelectualmente privilegiados, essa burrice cedo ou tarde chega na gente. Cedo, acredito eu. A fila do banco demora? A prestação de serviços está ruim? Tá tudo errado e ineficiente? Pois é, deve ser porque boa parte das tarefas da sociedade atual são desempenhadas por esses cães bípedes. Não tem jeito, uma engrenagem enferrujada pode detonar o mais potente dos motores.

Daí eu volto a bater na mesma tecla que venho batendo há cinco anos: somos um organismo. Essa coisa do “eu”, “eu”, “eu”, do “meu”, “meu”, “meu” é uma armadilha. Olhem para o lado. Um corpo lindo e saudável só precisa de uma célula cancerosa para degringolar. Somos um organismo, se uma parte dele não está bem, cedo ou tarde o resto será severamente prejudicado. Se você pensa que está bem nessa sociedade, pense novamente. Mais cedo ou mais tarde você vai depender dos cães bípedes para alguma coisa. Boa sorte.

Para se surpreender por ainda se surpreender com a burrice alheia, para dizer que a faxina que fizemos veio em boa hora ou ainda para desistir pela milésima vez do Brasil: sally@desfavor.com


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