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Banheiro público.

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| Somir | | 14 comentários em Banheiro público.

Recentemente, vazaram centenas de fotos e vídeos íntimos de várias celebridades numa pancada só. O evento acabou apelidado de The Fappening (Fap = gíria ‘internética’ para masturbação + Happening = Acontecimento) e gerou uma grande bagunça, principalmente na internet ianque. Normalmente seria um tema ‘grandes merdas’ para o desfavor, mas… não é que no final das contas e dos dramas ao redor caso, as fotos e os vídeos ficaram em segundo plano? Se isso é uma coisa boa ou ruim, bom, é isso que vamos tentar entender aqui.

Confesso que mal conhecia as ‘famosas’ desnudadas nas fotos que apareceram, talvez por isso tenha tido tão pouco impacto por aqui. Aparentemente a mais conhecida de todos estrelou um daqueles filmes para adolescentes chamado “Jogos Vorazes”. Sei que é alienante fazer essa abordagem Silvio Santos “nunca ouvi falar”, mas o rabo de quem apareceu ou não é de pouca valia para esta análise. Se você quer ver essa gente pelada, está na internet inteira, se vira!

Já tomei pedrada aqui ao dizer que quem se expõe ou se deixa expor voluntariamente para fotos e filmes está se colocando numa situação arriscada (caso, é claro, não queira exposição ainda mais pública) e deveria ter mais capacidade de prever os resultados disso. Mantenho. Não quer ser exposto? Faça por onde. Existe um caminhão de diferença entre proteger privacidade invadida e evadida. E uma tem imensa prioridade sobre a outra.

Imagens capturadas sem consentimento são muito mais invasivas. Defendo uma escala de gravidade, e não a culpabilidade da vítima junto com quem vaza as imagens. É necessário que se eduque mais sobre os riscos inerentes à facilitar sua exposição… muito embora esse ponto vá passar em brancas nuvens novamente. Oito ou oitenta, certo?

De qualquer forma, parece que minhas ressalvas sobre vítimas de exposição indesejada na internet estão cada vez menos relevantes no mundo atual. A imagem exposta começa a perder relevância. E evasão de privacidade está tão banalizada que eu já não sei mais para quem dedicar o conselho de preservação da imagem.

Evidente que milhões de pessoas correram para ver as imagens vazadas pelo ‘hacker’, mas o preço das ações continuou o mesmo. O mundo continuou girando e não aprendemos muito com tudo isso. Para quem não leu nada sobre o assunto ou pegou suas informações dos estagiários que escrevem as matérias de grandes portais: havia uma falha de segurança GRITANTE nos servidores do iCloud da Apple.

Através de um método ancestral chamado “Força Bruta”, vários conhecedores da falha (chamar de hacker é forçar a amizade) foram capazes de ‘metralhar’ os servidores da Apple com milhares de tentativas de senhas até uma pegar, sério, chutaram senhas até acharem as certas. E no meio de todos esses ataques, contas de pessoas famosas. E dentre os arquivos na ‘nuvem’, as fotos e vídeos íntimos dessas pessoas.

O importante é que a Apple mostrou como é confiável e segura. Fotografa seu rabo e salva nos servidores deles, salva… o iCloud virou mesmo a Festa da Nuvem! Com certeza cabeças rolaram na empresa da maçã, a falha é o equivalente de ter uma porta dos fundos enferrujada dando diretamente no interior de um cofre.

Parece que ainda tem mais coisa para aparecer, mas o que já saiu fez barulho o suficiente. Desviei um pouco do assunto para sacanear quem acredita na Apple (eles não se importam com privacidade, não é o lance deles e nem nunca foi) e para dizer que dessa vez nem foi tão bizarro do ponto de vista técnico por parte das vítimas. Elas até tentaram manter o conteúdo em um lugar mais seguro do que na cara de qualquer um que pegasse seu laptop (oi Carolina, como vai sua lei?), mas mesmo assim deram com os burros n’água.

Se o material existe, ele pode ser divulgado. Existem várias formas de dificultar sua propagação (como ter uma porra de uma senha que um dicionário padrão de brute force não adivinhe!), mas certeza mesmo só naquela coisa católica de “não fazer sexo para não pegar AIDS”. O curioso aqui é como a percepção do que é privado está mudando e gente como eu está demorando demais para entender. Talvez você esteja no mesmo barco… então pensemos juntos.

Eu enxergava diferença entre alguém colocar uma câmera escondida no banheiro de uma pessoa para vê-la se trocando e uma ‘selfie’ da mesma pessoa se mostrando nua no banheiro. Parecia claro que a intenção de se mostrar fosse um atenuante na divulgação da imagem, mas… para muita gente atualmente não é mais. A foto no banheiro agora é análoga a um espectador cuja presença foi consentida.

A foto é tão parte da vida dessas pessoas que ela se torna equivalente ao presencial. Elas não enxergam mais como um registro duradouro de momento único. A foto é o momento. E há completa ignorância seletiva de como ela é perene. Estou parecendo alguém com 90 anos de idade falando essas merdas, mas é impressionante como os pixels já viraram realidade. Eles são o momento privado enquanto existirem.

E adicionando mais algumas décadas à minha idade mental: a realidade foi terceirizada. Estar nu na imagem é como estar nu sozinho. Talvez por isso tanta gente fique horrorizada quando digo que a pessoa ajudou muito na sua exposição: é como se a tecnologia de captura de imagem estivesse tão enraizada no inconsciente coletivo que não se pensa nela mais como ferramenta. Não tem pixels, zeros e uns correndo pela rede, podendo ser capturados a qualquer momento, só existe a imagem como se fosse um momento real. Como acontece é de pouca importância, o que acontece é o foco.

E nesse esquecimento coletivo de como a tecnologia funciona, o mundo todo vira um banheiro. Com a impressão errônea de que não podem ser vistas, as pessoas vão continuar o processo de evasão de privacidade num grau cada vez maior, e cada vez mais surpresas quando algo der errado. A reação das celebridades envolvidas passou muito pela indignação por outros estarem vendo imagens que não foram feitas para eles. Não disputo que quem as viu invadiu a privacidade delas, mas é impressionante como não parece que se entende mais como funciona uma foto ou um vídeo! Registros visuais são feitos para todo mundo com capacidade de enxergar.

Os terabytes de dados trocados com as fotos vazadas não me deixam mentir. Eu aceito que o banheiro é da outra pessoa, mas… puta que pariu, a porta estava aberta! Não adianta querer que a tecnologia funcione de outra forma, fotos e vídeos digitais tem essa característica de serem disseminados na velocidade da luz.

Mas nada temam, negadores da tecnologia: o mundo vai te acomodar, como sempre o fez. Foto vazada de celebridade é um acontecimento cada vez menor nesse mundo. A única coisa que fez uma considerável parcela da internet efervescer nesse último caso foi a escala e a antecipação do vazamento de mais imagens. O ‘hacker’ foi a estrela. Os sites onde as imagens apareceram foram o palco… as fotos, mais do mesmo.

Mais uma bunda na internet! Parabéns! Em sentido contrário, a cada um desses casos, renasce por alguns momentos a discussão de mais punições para quem consome e dissemina esse tipo de conteúdo duplicado (roubado não é – o original continua onde está), mais defesas para quem é exposto para o público indesejado… e a mesma falta de noção de como as coisas funcionam.

Vai continuar ser fácil distribuir esse conteúdo, mas vai se defender cada vez quem produziu o conteúdo. É um círculo vicioso que fatalmente resultará em mais e mais vazamentos de imagens íntimas até que praticamente ninguém mais dê a mínima para isso. De uma certa forma, não deixa de ser uma tática de mudança social baseada na força bruta: “Vamos jogar tanta gente pelada na sua cara até você não dar mais a mínima.”

E aqui, talvez um alento: é realmente uma babaquice pensar mal de uma pessoa só porque ela está sem roupa numa foto. Não indica nada sobre caráter ou capacidade. Aliás, a não ser que a pessoa tenha te mandado a imagem, nem da sua conta é. Acho uma derrota para a humanidade quando alguém perde emprego ou status social por causa de algo assim. Cada um que mostre o rabo para quem bem entender. Cada um que faça o que bem entender com o próprio corpo. Há muito mais coisas importantes do que patrulhar o figurino alheio.

Se o mundo ‘enjoar’ de fazer juízo de valor sobre pessoas peladas, até que estamos no lucro. Mas para não deixar de ser chato: vitórias sociais assim ensinam muito pouco para as pessoas. Uma dessas – oriunda da ignorância em relação à tecnologia e suas implicações – vai acabar sendo específica demais e não combater outras formas de preconceito que também já estão fazendo hora extra na nossa sociedade.

Tudo bem entender que estamos agora todos dentro de um grande banheiro global (vai dizer que você achou que a globalização daria nisso?), mas duvido que vão parar de dizer que a própria merda cheira melhor do que a dos outros.

Para pedir as fotos, para me chamar de velho, para dizer que prefere deixar isso para os profissionais, ou mesmo para dizer que poderia ter morrido sem entender o significado de “Fappening” (foi mal): somir@desfavor.com


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