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Não regula.

Não regula.

| Sally | | 66 comentários em Não regula.

O pensamento é livre. Qualquer pessoa mediana vai te afirmar isso com o maior orgulho, como se vivêssemos de fato em uma sociedade onde podemos expressar o que pensamos. Não é verdade, o que você pensa nem sempre pode ser dito, pois pode ser punido, seja pela lei, seja pelo linchamento público, sendo ele físico ou não. De que vale poder pensar o que quer se não pode falar quase nada? Pensamentos em clausura mental que não possam ser externados configuram uma violência contra a pessoa. Você já parou para pensar quão invasivo é o Estado ou a sociedade regularem quais dos seus pensamentos você pode externar?

É ABERRANTE O ESTADO REGULAR O QUE VOCÊ PODE FALAR. Estamos vivendo um espécie de ditadura moral hipócrita.

A lei brasileira, que outrora defendi com unhas e dentes, se transformou em uma babaquice repressora hipócrita, que te permite pensar o que você quiser mas não te permite falar. Parece coisa de crente, que fica repetindo que “a palavra tem poder”. Pois bem, eu acho que a palavra está hiperestimada. É hora de dar menos importância ao que todos falam.

Se eu fosse legisladora, aboliria todos os crimes contra a honra: calúnia, injúria, difamação e cia, todos para a lata do lixo. Isso não quer dizer que uma ofensa que gere prejuízo fique impune, porque quem fala sempre estará sujeito a indenizar quem se ofendeu caso se exceda. Isso significaria que ninguém seria preso por ofender outra pessoa, o que já acontece na prática, porque a pena para todos esses crimes (inclusive aquela injúria que adoram chamar de crime de racismo) tem pena menor do que quatro anos e, no direito brasileiro, crimes com pena inferior a quatro anos costumam ser convertidos em penas alternativas.

O crime existe, mas ninguém é preso por praticá-lo. O crime existe basicamente para chatear. Para onerar o Estado e, por consequência o nosso bolso, com algo que não vai dar em nada a não ser em um processo demorado que no final de fato não dá em nada. Isso é tão Brasil que deveria ter batuque e mulata sambando quando o juiz proferisse uma sentença em processos versando sobre crimes contra a honra.

Se como legisladora eu aboliria os crimes contra a honra, como dona do mundo eu aboliria qualquer punição em função do que foi falado a menos que se pudesse comprovar de forma cabal um prejuízo financeiro muito significativo, porque não acho razoável que pessoas se importem tanto com o que os outros falam. Isso tem que ser tratado, e não recompensado.

A dor, a angústia e o sofrimento oriundos do que os outros pensam sobre você não merece qualquer recompensa, merece sim terapia, porque se importar tanto com o que os outros pensam ou falam a seu respeito a ponto de sentir uma angústia imensa é probleminha de cabeça. Ao indenizar um idiota que se incomoda com o que um estranho pensa sobre ele se está recompensando retardados emocionais.

Infelizmente a lei brasileira vem sendo interpretada cada vez mais no sentido de proibir a livre expressão. Pode até pensar, mas não ouse falar, porque é crime. Isso é um incentivo ostensivo à hipocrisia, porque se você não quer que uma pessoa PENSE merda, se dá educação, para que ela perceba a merda que está pensando. Mas não, imagina se vão educar este povo, jamais. Se educarem o povo ele nunca mais vota nessa cambada de filho da puta que tem por aí. Mas proibir de falar pode, um Estado que deixa criança morrendo de fome e pai de família morrendo na fila do hospital se acha no direito de te impor o que você pode ou não dizer. Sensacional.

Não educam o povo, daí as pessoas pensam merda e essas mesmas pessoas que não foram educadas são punidas por pensar merda. É como brigar com um cachorro que mijou fora do lugar sem ensiná-lo onde deve fazer xixi. Uma política esquizofrênica onde as pessoas acabam sendo recompensadas por pensar merda mas calar a boca e mentir, ou seja, o atual sistema forma hipócritas.

Eu sinceramente não me acho tão importante a ponto de que um pensamento babaca meu possa emburacar o país ou a humanidade. Ok, um pensamento babaca meu pode facilmente chatear algumas pessoas, mas porra, a lei não existe para evitar mágoa de caboclo e sim para coisas maiores e mais importantes. Até porque, spoiler, isso é impossível. As pessoas se chateiam pelos mais diversos motivos, não tem como calar a boca alheia o suficiente de todo mundo para não chatear ninguém.

Que tal se em vez de tentar compulsivamente calar a boca dos outros para não chatear alguém, se desse autoestima para esse povo e fosse ensinado a não se ofender com o que os outros pensam? Não, não pode. Sabe porque? Porque a indústria da ofensa movimenta milhões: é dinheiro que entra para advogado, para a imprensa (que faz um fuzz em torno do assunto – e rende cliques) e até mesmo para o ofendido. Tudo pago pelo meu, pelo seu, pelo nosso bolso. A ofensa compensa, se ofender compensa e assim perdemos cada vez mais o direito de falar o que pensamos.

Eu vejo gente boa, gente inteligente, argumentando sobre a pertinência do que está sendo dito condicionado ao direito de falar. Não faz sentido. Se eu quiser achar que os bombeiros são todos filhos da puta, eu tenho que ter o direito de dizer que eu acho que os bombeiros são todos uns filhos da puta. O resto do mundo que olhe para mim, me despreze e pense “Nossa, que mulher babaca, ela acha que todos os bombeiros são filhos da puta!”. E só. Nada além disso.

Mas parece que no Brasil o povo é tão sem critério, tão burro, tão influenciável que se você fala uma merda imediatamente um grupo de imbecilóides aderem a você e se cria uma espécie de seita da estupidez. E não vai ser proibindo de falar que isso vai mudar, porque o mesmo ocorre com atos estúpidos, vide os linchamentos que são o novo modismo.

E não é só no Brasil não, em diversos lugares do mundo, mesmo em países desenvolvidos, o direito a falar o que se pensa mesmo sem qualquer prejuízo econômico é limitado. Vamos que eu seja maluca. Vamos que eu seja acometida de uma ignorância galopante e decida pensar, contra todas as evidência cabais, que o Holocausto não aconteceu. Se eu afirmar isso em diferentes países, poderei ser processada e punida. POR QUÊ? Por que caralhos o meu achismo é importante? Dá licença de ser escrota, de pensar escroto, sem intervenção estatal? Pelo visto, não.

Desculpa, mas eu quero viver em um mundo onde todos possam expressar seu pensamento, por mais burro que ele seja. Não em uma sociedade seletiva, onde algumas burrices (tipo criacionismo) sejam toleradas e outras não. Aliás, quem é que determina exatamente O QUE é um pensamento aceitável ou não? Nosso Legislador? Pessoas como Tiririca vão traçar essa linha? Não, obrigada. Nem fodendo. Me prendam se quiserem, eu não vou deixar o Tiririca traçar essa linha nem o Estado determinar quais burrices posso ou não posso falar. Vou falar o que eu quiser.

E justamente por não permitir que faça isso comigo, eu tento não fazer isso com mais ninguém. A pessoa é racista? Não vai ser proibindo-a de falar que ela vai deixar de ser racista nem atacando-a. Apesar de alguns “ólogos” discordarem veementemente de mim, eu insisto que apenas calar a boca de uma pessoa racista não extermina o racismo. Mesmo que a pessoa não verbalize, seus atos demonstram e atos, meus caros, valem muito mais do que palavras. Assim se cria um racismo velado muito mais difícil de combater.

Muita preocupação com o que as pessoas falam e pouca preocupação com seus atos. Deprimente esse modelo social que se está formando. A pessoa passa a perna no colega de trabalho, trai a esposa, sonega imposto mas patrulha uma piada “de mau gosto” que humorista faz. Porque fazer ok, mas falar… ahhhh… falar não pode. E o Brasileiro Médio aprendeu direitinho e foi conivente com esse pacto social perverso: vamos atirar bastante pedra em quem fala, assim as atenções ficam votadas para eles e quem sabe assim ninguém repara nos que fazem. Está funcionando.

Vamos ser pessimistas. Vamos imaginar o que poderia acontecer de pior se amanhã fossem abolidas todas as leis que limitam opinião. Tá liberado, todo mundo pode falar o que pensa, o que quer. O que poderia acontecer de pior? Certamente ouviríamos muitas coisas horríveis, mas coisas que sempre estiveram lá, nada teria nascido em decorrência do direito de falar. Veríamos a cara verdadeira da atual sociedade, sem maquiagem, sem Photoshop. Você tem medo de vê-la? Eu não tenho. Muito pelo contrário, só podemos tentar melhorar a situação se jogarmos um holofote nela e percebermos o tamanho do problema.

Não se combate pensamento babaca obrigando o babaca a calar a boca por medo, intimidação, punição. Isso é uma tremenda estupidez. Gente que não fala besteira por medo de ser preso, processado ou por medo de escândalo é um ficção social para inglês ver e, em algum momento, esse pensamento babaca vem à tona na forma de atos tão babacas quanto. Eu te desafio, passa em certas lojas de luxo e encontrar vendedores negros. Não vai achar. Mas se você perguntar eles te dirão que não são racistas e que contratam negros sim. Atos, não palavras. Foco nos atos.

Vou repetir uma frase que digo com freqüência aqui desde 2009: as pessoas tem o sagrado direito de serem babacas. E neste exato momento, tem diversas pessoas que acham VOCÊ um babaca. Então, silenciar babaca é tudo uma questão de ponto de vista, de opinião, de política. Amanhã o babaca a ser silenciado pode ser você, porque quem te acha babaca conquistou algum poder silenciador. Para uma democracia efetiva, a regra de ouro tem que ser todo mundo poder falar tudo, por mais que seja babaca. E porra, LIDEMOS COM ISSO, sem agredir, sem ir atrás da pessoa, sem espezinhar. Canso de ver gente falando merda na internet, pergunta se eu perco meu tempo indo lá perseguir a pessoa? Deixa o infeliz falar merda, porra! Não gosta? Não leia, não dê atenção, não dê importância. Silenciar os outros para mim é algo hediondo.

E “poder falar” não significa que tenhamos que ouvir tudo calados, resilientes, inertes. Se você não gostou pode adotar o caminho da luz e tentar mostrar ao babaca que ele está sendo babaca, o caminho digno que é não dar muita importância nem deixar que aquela pessoa afete sua vida. Só não adote o caminho neurótico, que é o adotado pelo Brasileiro Médio, de fazer escândalo, de se vitimizar, de se deixar afetar por um mero babaca. Meu ponto é: a pessoa que fala deve estar preparada para a reação, e assim como há babacas que falam, também existem respostas babacas. Porém você, que se sabe superior ao Brasileiro Médio, tenta não ser babaca na hora de lidar com a babaquice alheia, pois uma não justifica a outra. Chamar menina supostamente racista de piranha é ser babaca ao quadrado.

Esse impedimento em falar o que a pessoa pensa é uma forma de impor uma falsa educação na base do medo, quase que um adestramento para cachorro. Isso tem que acabar. As pessoas tem que aprender que não há como silenciar quem de alguma forma discorda delas, as aborrece, as critica, as esculhamba, as denigre. Quem sabe assim parem de dar tanta importância à opinião alheia. E quem sabe assim pare essa caça às bruxas de perseguir, fazer pessoa perder o emprego, apedrejar casa, inundar rede social com ofensas.

Eu quero poder falar o que penso. E se meu pensamento for merda, bem, a sociedade que lide com isso, que olhe para dentro e pense “caramba, que tipo de pessoa estamos produzindo aqui? Algo tem que mudar!”. A sociedade que lide com isso de forma construtiva, que meu erro fique bem claro, patente e que se pense o que fazer para melhorar isso. Que se ataque o erro, e não a pessoa que erra, porque, queridos, nós somos humanos, erramos o tempo todo.

Eu chego a me perguntar se essa opressão politicamente correta não é em parte responsável por uma sociedade pior. O não poder falar vai gerando uma série de sentimentos represados, pois como já disse, o fato de não poder falar não educa, não muda a mentalidade, apenas varre a sujeira para debaixo do tapete. E a sujeira se acumula, cria um bolinho e transborda. O que vai acontecer na nossa sociedade quando as pessoas se cansarem de não falar o que pensam?

Talvez o que aconteceu com a torcedora do Grêmio. Vocês acham que tanta revolta foi por solidariedade do rapaz negro? Pois eu conheço pessoas que não contratam negros, em suas palavras “porque não tem boa aparência e fedem” que super se indignaram com a torcedora do Grêmio. E confrontados, eles disseram “Eu não contrato mesmo, mas a menina não precisava esculachar”. Ou seja, velado pode, declarado não.

Daí essas pessoas que SIM, SÃO RACISTAS, mas aprenderam a conter o que falam por medo de um processo ficam putíssimas quando alguém rompe com o pacto social: “Como assim eu tive que engolir tudo que eu penso e chega uma menina e fala o que pensa? Estou indignado, se eu não posso falar, ninguém pode falar!”. É isso, é uma reação egoística, camuflada de solidariedade e cidadania.

Gente que faz piada com japonês, com português e com argentino se sentindo no direito de comer no esporro quem faz uma comparação pejorativa com um negro. Foda-se que pega um dedal e compara com o japonês, uma mula e compara com o português e um tolete e compara com um argentino. Foda-se, porque não estamos na era da coerência, estamos na era da aparência.

Sonho um dia poder viver em um lugar onde todos possam expressar suas opiniões livremente, por mais equivocadas ou escrotas que elas sejam. Chega de ter que dizer o que é socialmente aceito. Chega de seres humanos moldados, artificiais, falsos, mentirosos. Prefiro os seres humanos feios, escrotos, racistas, babacas, mas verdadeiros. Chega do Estado te punindo pelo que você pensa, isso para mim é aberrante.

Para se ofender de uma forma que eu nem consigo imaginar, para dizer que esse assunto já deu ou ainda para dizer que gosta do Estado te dizendo o que fazer pois dá menos trabalho: sally@desfaor.com


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