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Sexo e as Negas

Sexo e as Negas

| Sally | | 111 comentários em Sexo e as Negas

Quando a patrulha histérica politicamente correta chega a um programa da Rede Globo, a emissora que toma mais do que cuidado com o conteúdo que divulga, é porque estamos diante de um cerceamento de expressão muito mais grave do que o imaginado.

Não tratei do assunto antes, apesar de toda a polêmica, porque pensei, em minha inocência, que depois que “Sexo e as Negas” estreasse, essa palhaçada acabaria, afinal, seu conteúdo não é de forma racista, discriminativo ou qualquer coisa do tipo. Mas parece que não. Parece que mesmo depois da estreia a histeria despropositada continua. As pessoas ou não sabem ou fingem não saber o que de fato é racismo.

Para começo de conversa, as “mentes brilhantes” que resolveram implicar com “Sexo e as Negas” o fizeram ANTES de conhecer seu conteúdo. Me explica, como é que você faz uma série de denúncias acusando uma obra de ser racista sem ter acesso ao seu conteúdo? É como dizer que um livro é racista pelo título ou pela sua capa. Perdão, mas isso é de uma burrice sem precedentes. Me parece que o preconceito está é na cabeça das pessoas que começaram com essa confusão e não na obra do Falabella.

Um dos motivos de tanto barulho foi o título, apenas o título! Para quem não sabe, o título é uma brincadeira/paródia com o seriado “Sex and the City”. Em vez de retratar o mundo de quatro mulheres ricas e brancas a proposta é retratar a realidade de quatro mulheres negras e pobres, mostrando como podem ser lindas e bem resolvidas. Te parece racista? A mim não. O que me parece racista é não poder usar o termo “Negras” e “Sexo” na mesma frase sem que disso se depreenda algo pejorativo. Tá baixa a autoestima do pessoal dos movimentos sociais, hein?

Atos públicos no Rio e em São Paulo, fúria em redes sociais e ataques dos donos da verdade na internet não param. Mais de cem denúncias foram efetuadas à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Social. Críticas que não se sustentam atacando desde o título até a existência de supostos personagens racistas me embrulharam o estômago. Onde foi parar a cognição das pessoas?

Basta ter uma mínima noção de dramaturgia para compreender que são necessários protagonistas, antagonistas e conflitos para criar um roteiro. Colocar um antagonista racista não é fazer apologia ao racismo, é expor um conflito para apreciação e julgamento do público. Se você não gosta do que vê quando olha no espelho, não adianta chutar o espelho. Racistas existem e que bom que o seriado os mostra para que o assunto possa ser debatido!

Andaram reclamando que comentários supostamente racistas ficaram “impunes”. Não seria ofender a inteligência do público precisar apontar que racismo é feio de forma expressa e panfletária? Porque não foi tratado de forma tatibitate, caracteriza a série como racista? Que grupo é esse que passa décadas pedindo por igualdade de tratamento mas, contraditoriamente, quando isso acontece, reclama? Estou falando de pessoas com ensino formal que se comportam como analfabetos funcionais, pinçando uma frase de um contexto e se ofendendo com ela sem compreender o significado global do roteiro. É de fazer cair o cu da bunda.

Me explica como se faz para escrever dramaturgia no Brasil neste momento. Porque se fazem um trama com uma mocinha loira e magra, é racismo e estimula a anorexia. Porém se fazem uma trama com protagonistas negras mostrando sua realidade (e racismo é uma realidade), também é racismo! Muita crítica e pouca solução. A solução, qual seria? Retratar mulheres negras em um lindo mundo da imaginação perfeito e sem racismo? Bacana a proposta: combater o racismo não falando dele e fingindo que não existe! Um minuto de silêncio pela morte da coerência.

Quer dizer, pela lógica distorcida, se eu escrever um roteiro sobre um assassino ou um estuprador que consegue fugir da polícia e não é punido, eu estou incentivando assassinato e estupro? Lastimável. Um seriado que poderia gerar discussões interessantes gerando ódio e tentativa de censura. Uma lógica estuprada fruto de anos de politicagem protecionista barata que em vez de incluir segrega ainda mais alçando certos grupos à categoria de “Intocáveis”, como se de fato fossem inferiores e precisassem dessa proteção.

E, vamos combinar, se é para patrulhar a ferro e fogo todo o conteúdo supostamente impróprio da televisão brasileira, que supostamente deixa a desejar cultural e eticamente, então muita gente vai ter que ser notificada também. Cada vez que uma senhora negra se jogar no chão para pegar um aviãozinho de dinheiro atirado pelo Silvio Santos tem que ter Ministério Público na porta do SBT. Cada vez que programa policial mostrar negro algemado com legenda pejorativa chamando de bandido, tem que ter protesto.

Mas não, esse grupo histérico escolhe algumas obras pontuais para avacalhar em uma campanha imbecilóide. E atraem seguidores naquele esquema que a gente aqui do Desfavor conhece bem: pessoas que nem viram, nem leram nem sabem nada, mas acreditam na simples afirmação de ser uma obra racista e saem malhando sem se informar melhor. Porque meter o pau em racismo te faz parecer uma boa pessoa, então, toda oportunidade é uma boa oportunidade para mostrar que se é uma boa pessoa. Foda-se a injustiça que isso vai acarretar, a promoção pessoal fala mais alto.

Fiquei especialmente triste porque, como já comentei aqui várias vezes, acho que o Falabella não merece isso. Um dos poucos que ainda consegue fazer um humor em dramaturgia que foge ao politicamente correto, uma pessoa que sempre está tentando inovar, empurrar um pouco mais para frente a linha que limita o socialmente aceito, que genuinamente contribui para o humor nacional, sofrer esse tipo de imbecilidade? Injusto e revoltante.

A ousadia na dramaturgia já é pouca, se começarmos a bater em uma das únicas pessoas que pensa outsidethebox e tem capacidade e coragem para apresentar algo minimamente ousado e diferente, vai ser pior para todos nós. Ninguém no Brasil, eu disse NINGUÉM, retrata a pobralhada como o Falabella, com esse azedinho-doce, misto de deboche e carinho que normalmente destinamos ao sacanear um irmão ou um amigo querido.

Desde os tempos que ele Cacoantibizava metendo o pau em festinha de pobre com cajuzinho já ganhou meu amor incondicional. O que aconteceu? Porque antes todo mundo ria, agora não pode rir porque os pobres em questão são negros? Negro só pode ter papel de culto, rico, santo e assexuado na TV brasileira? Aliás, perguntar não ofende: ser pobre ofende alguém exatamente porque?

Mas o pior nem são as críticas, porque cada um gosta ou desgosta do que quer. O pior são as medidas administrativas e judiciais que vem sendo ensaiadas contra Falabella e a Rede Globo. Se chegamos a um ponto de tentar censurar a Rede Globo, é porque o grau de histeria chegou a um patamar inaceitável. Não gosta? Não assista. Querer calar quem fala algo que você não gosta é uma punhalada no Estado Democrático de Direito.

Vamos diferenciar uma pessoa que se ofendeu do cometimento de um crime? Porque alguém se ofendeu, não significa que tenha sido cometido um crime ou até mesmo um desrespeito. Indignante pensar que tem gente acreditando que seu sentimento pessoal, individual, é norteador para a aplicação da lei. Fica o recadinho: você não é tão importante.

É óbvio que, legalmente, isso não vai dar em nada, porque é uma tremenda palhaçada. Mas muito se engana você se pensa que esse tipo de circo não nos afeta só porque não haverá condenação judicial. O efeito disso é mais passivo do que ativo: todo mundo está escrevendo na retranca por medo desse tipo de reação. Ninguém mais tem interesse ou culhões de sair do socialmente aceito e empurrar as fronteiras um pouquinho mais. Esse tipo de histeria intimida, não pelo medo ou culpa e sim pela encheção de saco que gera.

Vocês tem noção do desespero e do desânimo que deve dar perceber a existência dessa massa burra, cansativa e ofendida interpretando de forma inconcebível o seu trabalho? Eu tenho noção disso porque faz cinco anos que recebo desde xingamentos até ameaças de morte pelo que escrevo aqui, e vou te dizer, dá uma desesperança danada. Desanima, desencoraja.

Muitos que gostariam de fazer algo nessa linha não o farão por medo, muitos que faziam acabarão parando de fazer e os poucos que sobrarem com coragem e disposição para tocar em “intocáveis” serão pentelhados ao extremo. Resultado: continuaremos a ver mais do mesmo, dramaturgia embutida, que aborda apenas assuntos socialmente seguros, chata e repetitiva. Quem perde? Todos nós.

E, como sempre, deixo aqui a mesma pergunta: porque quando fazem série estereotipando argentino ninguém reclama, muito pelo contrário, acham lindo qualquer deboche? Não me lembro de “Copa do Caos” gerar revolta em rede social, e, basicamente, o princípio era o mesmo: pegar um grupo e mostrar sua realidade com humor.

Falabella, vamos combinar assim: na próxima vez você faz um seriado sacaneando argentinas que tá tudo certo, vai ser só aplausos: “Las Chicas y el Drama”, debochando da vertente melodramática do argentino. Vai receber os aplausos mais hipócritas da sua vida.

E depois vocês me perguntam porque eu não consigo emplacar minha carreira de roteirista. Se tá puxado para o Falabella, dá licença que eu vou ali vender churros na esquina, porque meu futuro é negro. Perdão, não quis ofender… retiro o que eu disse. Meu futuro é afrodescendente.

Para mostrar seu analfabetismo funcional e me chamar de racista, para mostrar seu oportunismo e me processar ou ainda para mostrar sua indignação com essa babaquice e deixar um comentário ácido: sally@desfavor.com


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