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Ligação a cobrar.

Ligação a cobrar.

| Desfavor | | 40 comentários em Ligação a cobrar.

+Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgada nesta quinta-feira (18) revela que 64% dos domicílios brasileiros em situação de insegurança alimentar grave (privação de alimentos para adultos e crianças) têm celular, segundo dados da Pnad 2013 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

Isso que é um país com suas prioridades no lugar. Desfavor da semana.

SALLY

MAIS DA METADE DAS PESSOAS QUE PASSAM FOME NO BRASIL TEM CELULAR. MAIS DA METADE DAS PESSOAS QUE PASSAM FOME NO BRASIL TEM CELULAR. Vontade de continuar por duas páginas escrevendo esta frase, pois ela fala por si só. Qualquer outra coisa que eu diga é redundância ou floreio.

Os dados vem do IBGE: 64% dos domicílios brasileiros em situação de insegurança alimentar grave, o que significa privação de alimentos para adultos e crianças, tem celular. Ou seja, a prioridade é ter celular e não alimentar os filhos ou a família! SOCORRO!

Outros dados colhidos na mesma pesquisa também são alarmantes, porém compreensíveis: ter fogão e geladeira é bastante necessário para COMER, uma função vital ao ser humano. Ter carro é bizarro, mas o número foi reduzido. Televisão eu também entendo porque é a única fonte de cultura e lazer de uma família. Mas celular? CELULAR? Passar fome e ter celular?

Aposto que não é celular velho e fodido, porque pobre não tem celular velho e fodido. Pobre sempre tem “celular ostentação”. No Brasil, quem não É, compensa tendo. Um bom medidor para ver a classe social e cultural de alguém é o celular: gente com celular foda ou de alguma forma o tem como instrumento de trabalho ou é pobre. O pobre parece se sentir menos pobre com um celular que ostente. Mal sabe ele que, muito pelo contrário, nada é mais a cara da pobreza do que um celular caro.

Sabe quem pagou por esses celulares de casas onde não há comida? Você e eu. São pessoas que recebem benefícios governamentais (se quem não passa já recebe, imagina quem passa fome). O que a pessoa faz com esse dinheiro? COMPRA CELULAR, porque se comprasse comida, não estava no rol de “situação de insegurança alimentar grave”. Parabéns, parabéns a todos os envolvidos.

Isso porque estamos levando em conta a parcela da população imbecil o suficiente para ter coragem de declarar uma idiotice dessas: “passo fome, mas tenho celular”. Boa parte deve ter escondido esse fato. Qualquer ameba saberia que levanta suspeitas receber algum subsídio público por passar fome e comprar um celular. Isso se chama discrepância, incoerência, falta de noção, falta de bom senso. Isso se chama O FIM DO MUNDO.

E, convenhamos, ainda que estas pessoas que passam fome não recebam qualquer subsídio público, continuam sendo igualmente idiotas, pois são pessoas que escolheram, com o pouco dinheiro que tem, comprar um celular. Ainda que seja o mais barato de todos (coisa que eu duvido muito), é inegável que um celular sempre será mais caro que um prato de comida. A pessoa que compra um celular, tinha poder aquisitivo para comprar arroz e feijão, apenas optou por não fazê-lo em detrimento de uma porra de um telefone!

Vocês acham que pessoas que preferem ter um celular a colocar comida na mesa podem ter filhos? Vocês acham isso plausível, decente, coerente e ético? Porque todo mundo se indigna quando eu ameaço dizer que deveria existir um rol de critérios mínimos para permitir que pessoas tenham filhos, mas não vejo a mesma indignação quando uma cambada de filhos da puta sujeita seus filhos a passar fome para ter um celular. Cadê todas as pedras que sempre vem em mim, voltadas para estas pessoas? Cadê?

Não, não. O direito de ter filhos é sagrado. É lindo. É intocável. Já deixar uma criança passando fome para ter um celular é apenas errado. É PREFERÍVEL deixar uma criança passando fome para mamãe poder postar uma selfie no “Face” do que impor um limite ao direito de procriar. Gente, eu odeio intervenção estatal na esfera privada, mas a coisa chegou a um ponto onde não se pode mais deixar o Brasileiro Médio ter livre arbítrio em questões realmente importantes e que afetam terceiros.

Falar do lado negro da gestação não pode, que vem essa pobralhada maldita, fedida, oleosa e cheia de erros de concordância meter o malho. Mas deixar a família passar fome para ter celular pode. Alguém entra no “Face” ou qualquer bosta de rede social igualmente medíocre para trucidar uma pessoa que tem um celular mas não alimenta bem o filho? NÃO! NÃO FAZEM! Vem jogar pedras na gente, que ousa levantar a lebre da hemorroida na gestação! Olha, um Vai Tomar No Cu bem grande para o povo brasileiro…

ESTOU INDIGNADA. ESTOU AFRONTADA. Quando eu achei que nada nesta semana poderia ser pior do que o Luciano Huck perguntando para uma tetraplégica (LaisWhatever, a que ganhou a bolsa-cadeirante) se a tatuagem na perna dela doeu e, diante da negativa, dizer que era uma vantagem ser tetraplégica, me surge isso. PESSOAS PASSAM FOME, SUJEITAM SEUS FILHOS A PASSAR FOME, MAS TEM CELULAR. Pior: mais da metade das pessoas que passam fome fizeram essa escolha bizarra! Pior ainda: o cacete do celular nem sequer é funcional, porque pobre vive sem crédito para ligar! É o ter pelo TER, na tentativa desesperada de SER através do TER.

Não dá para sequer conviver com gente que tem essa mentalidade. Não dá para levar a sério o que pensam, o que fazem, o que dizem. Gente que sujeita criança a passar fome para poder ter celular não tem a menor noção de moral, de responsabilidade, de NADA. DE NA-DA. E, ainda assim, essas porras votam, elegem Presidente da República, elegem os energúmenos que fazem nossas leis e, infelizmente, continuam botando pencas de filhos no mundo para continuar passando fome.

Nojo, asco, indignação e desesperança. O Poder Público deveria ter um controle rígido de quem adquire bens supérfluos, não para controlar para perpetrar poder, como nas ditaduras, mas sim para escolher a quem presta subsídios. Uma pessoa que diz passar fome ter um celular é uma afronta ao bom senso. Os cadastrados em todo tipo de bolsa-esmola deveriam perder o benefício automaticamente ao comprar bens supérfluos. Ou então perder a guarda dos filhos, porque, puta merda, pais que preferem celular a ver o filho comer devem ser afastados dessas crianças para seu próprio bem. Vai acontecer? Não vai acontecer.

Não dá, gente. Não dá. Com esse tipo de material humano não há qualquer condição do Brasil melhorar uma vírgula sequer. A inversão de valores, a escrotidão, o egoísmo e a falta de ética sufocam quem ainda tem um pingo de bom senso. Morri um pouco por dentro depois de ler essa notícia, me fez fisicamente mal.

Para tentar me mostrar que celular pode ser mais importante que alimentar os filhos e levar O Fora da sua vida, para dizer que melhor isso do que dar esse valor para um pastor evangélico ou ainda para reiterar sua vontade de deixar esse país de merda: sally@desfavor.com

SOMIR

Com Sally apontando o elefante na sala, eu posso me concentrar mais na outra parte cagada dessa história toda: como uma indústria conseguiu reverter as prioridades básicas do ser humano, fazendo celulares até mais importantes que alimentação.

Dá para entender o fogão, a geladeira, a televisão, até o telefone fixo como necessidades humanas básicas sendo saciadas por algum produto. Desde nos alimentar até nos comunicar, temos uma série de necessidades com raízes em nossos instintos mais primais. É natural que mesmo quem tem dificuldades financeiras tenha esses desejos.

Agora, o celular é fruto de uma espécie de golpe que o mercado de consumo aplicou na humanidade: a fabricação de uma necessidade. Você tem um bom mercado quando as pessoas querem seu produto, mas você tem um ainda melhor se elas ainda nem souberem que o querem. Claro que envolve mais riscos, afinal, o que não falta por aí é exemplo de bens de consumo que não ‘pegaram’.

Mas quando dá certo, é espetacular. O celular herda as funcionalidades do telefone, mas vai muito além. Virou bem de consumo e sinal de status. Não se tem mais um celular porque existem vantagens em se ter um, na verdade o importante é não ser a única pessoa na Terra sem um! Evidente que depois de conseguir um encontramos utilidades para ele, a maioria que nem sabíamos ser úteis até ali.

Calma, não é uma crítica ao celular em si. Já fui mais chato com isso, mas aprendi a gostar do meu e das coisas que ele pode fazer. Estou falando aqui da ideia que se criou ao redor dele, como uma obrigatoriedade na vida de uma pessoa. As funcionalidades podem ser muito bacanas, mas como tudo nesse mundo, tem que dar lucro.

E daí surge o status e a descartabilidade. Justamente as duas coisas mais nocivas e lucrativas sobre a indústria dos telefones de bolso. O celular deve representar seu posto na sociedade, o atual ou o desejado. O celular deixa de ser aceitável assim que outro mais novo surge no mercado. Você precisa ter um celular porque ele é uma extensão da sua própria personalidade.

Você pode até não concordar com as afirmações acima, mas são elas que norteiam toda a indústria e criam nas pessoas a necessidade artificial de gastar seus recursos com eles, num ritmo cada vez mais frenético. O que importa aqui é que o golpe funcionou. Pessoas de todas as idades e camadas sociais se mostram cada vez mais suscetíveis a essas ideias.

E quando essas noções encontram uma população pobre e pouco instruída como a brasileira, alastram-se como fogo no mato seco. Sem mobilidade social suficiente para todos, a pessoa acaba com a escolha de ser pobre sem celular ou ser mais pobre com celular. Ser mais pobre com celular vence, como podemos ver em mais da metade dos domicílios da pesquisa.

Não se deve passar a mão na cabeça desse povo com as prioridades fora do lugar, mas há de se compreender que eles lidam com as necessidades reais que todos temos e ainda ganham de presente uma necessidade fabricada para pessoas com muito mais dinheiro do que elas. Com a ilusão da obrigatoriedade do celular, gastam os recursos que não tem.

O mercado inflado por uma nova e falsa classe média agradece. Vende e revende celulares para quem não necessariamente precisa deles, e ainda deixa seus consumidores felizes com um dos poucos itens de status disponíveis para eles. Porque tem isso: a maldade é maior porque o celular é vilanescamente acessível até para quem não tem o que comer.

Não é caro como um carro que a maioria deles não pode ter, mas é caro o suficiente para parecer uma conquista. Seus filhos vão comer menos, mas seja muito bem vindo ao Século XXI! É absurdo que essa seja uma prioridade, mas também é absurdo que ela seja incutida na cabeça dessas pessoas.

Há problemas em todos os lados dessa história. Sally cobriu muito bem a parte da mentalidade desse povo que abre mão de comida mas não de celular, acredito já ter falado sobre a indústria da aspiração incentivando o comportamento, mas tem uma terceira parte envolvida aqui que também contribui para o problema: o populismo vigente no Brasil.

O mercado e a publicidade fazem coisas horríveis desde sempre para empurrar seus produtos e serviços, mas o fazem em nome do lucro. Empresas devem ser reguladas por quem (em tese) tem os interesses do povo em mente: o governo. Mas não há interesse algum de quem está no poder de arrefecer esse ímpeto irresponsável de consumo.

Como eu disse, o celular é caro o suficiente para ser comprado com sacrifício e virar uma conquista. A quem mais interessa que esse povo acredite estar conquistando alguma coisa? Oras, quem vai se reeleger com essa ideia. O celular serve como um lembrete constante de uma vitória numa vida de dificuldades. Passa a ilusão de inclusão.

Não estou dizendo que é tudo um plano do PT, sou oposição (até mesmo da oposição) com um mínimo de massa cinzenta. Estou dizendo apenas que o Brasil praticamente não combate a parte realmente ruim da indústria da aspiração (exploração) porque o consumismo é parte integrante do processo de criar a sensação de conquista num povo abandonado à própria sorte.

Deveria chamar muito a atenção que mais de 60% dos que passam fome no Brasil tem um celular. Não vai chamar. Os únicos que ganhariam com isso são justamente os que nunca ganham nada.

Além de um novo celular ao assinar um plano mais caro. Claro.

Para dizer que estamos ligando demais para isso, para dizer que só temos Enveja dos celulares deles serem melhores que os nossos, ou mesmo para dizer que eles seriam pobres de qualquer jeito: somir@desfavor.com


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