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Papai Noel

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| Desfavor | | 31 comentários em Papai Noel

E a série filhos hipotéticos continua: aproveitando a data que se aproxima, Sally e Somir discutem sobre os positivos e negativos da segunda maior mentira natalina. Os impopulares nos presenteiam com sua opinião.

Tema de hoje: Conta para seu filho que Papai Noel não existe?

SOMIR

Não, deixa o pirralho chegar nessa conclusão sozinho. Das mentiras que contamos nessa vida, o bom velhinho é uma das mais ‘seguras’ para se colocar na cabeça de uma criança. Entendo a opção de abrir o jogo de uma vez, mas acredito que exista um plano de ação mais eficiente.

Mentimos. Mentimos muito. Desde as mais simples até as mais elaboradas, as mentiras servem como uma espécie de graxa que faz as engrenagens da humanidade funcionarem minimamente bem. Muito bonito o discurso de que só devemos falar a verdade, mas sabemos que na prática é complicado demais. Sou a favor de um mundo mais honesto, claro, mas ignorar como a sociedade funciona não vai ajudar ninguém.

Mentimos tanto que algumas delas saem completamente de controle. Neste exato momento a maior parte da população mundial acredita num ser mágico que nos observa dos céus e nos pune ou recompensa de acordo com nossas ações! Papai Noel muda de nome quando crescemos. Eu entendo sim que existem paralelos demais entre as divindades mais famosas e o velho gordo do Pólo Norte, mas mesmo assim acredito que o problema não é uma criança acreditar no Papai Noel… o problema é quando os adultos o fazem.

E os religiosos que me perdoem, mas eu seria um fracasso retumbante como pai se meu filho chegasse na vida adulta com a capacidade de compreensão da realidade de uma criança. Não temeria a possibilidade dessa mentira se perpetuar. Enquanto criança pode acreditar em qualquer bobagem, desde que vá se livrando delas durante a vida.

Acredito que algumas coisas nessa vida se aprende melhor na prática. Lidar com mentiras é uma delas. Uma coisa é criar seu filho fazendo ele saber que Papai Noel não existe, outra é deixá-lo ligar os pontos e fazer seus neurônios chegarem nessa conclusão sozinho. Contar a verdade é privar a criança de um exercício intelectual precioso, é dar o peixe ao invés de ensinar a pescar.

Não estou dizendo aqui que é para deixar a criança descobrir que mexer com panela é perigoso na prática, estou apenas dizendo que a mentira do Papai Noel permite um dos poucos ambientes ideais para treinar uma criança a lidar e derrubar mentiras. Ela VAI ter que lidar com elas durante a vida, nada melhor do que começar cedo.

Descobrir que Papai Noel não existe pode ser doloroso (para mim não foi, eu fiquei me sentindo o máximo por ‘quebrar o código’ dos adultos), mas existem formas de diminuir o baque: se os adultos próximos reagirem bem, como se a criança acabasse de passar num teste importante, ela vai entender que vai continuar ganhando os presentes e ainda se sentir mais inteligente. Defendo a mentira do Papai Noel porque não vai traumatizar ninguém e ainda vai ensinar algo valioso.

E nessa de descobrir que os adultos estão dando os presente vem mais uma lição bacana: que as coisas não surgem do nada. Os presentes tem que vir de algum lugar. Criança muitas vezes não entende que os pais não podem dar tudo para ela porque nem entende o conceito de transferência de valor, de que as coisas tem origem e cada um pode prover até certo ponto. É tedioso para ele aprender isso sem uma história bacana para acompanhar.

Sim, existe a escrotice de fazer a criança achar que alguém a está observando, mas caso você já tenha esquecido: crianças se preocupam com qualquer coisa por no máximo uns dez minutos. O foco de atenção minúsculo e falta de capacidade de pensar de forma muito complexa são o motivo da mentira colar e também a garantia que ela não vá sofrer. Que criança se preocupa com o Papai Noel fora do Natal?

Deve-se criar um filho prezando pela honestidade, mas uma mentirinha ou outra são bons treinamentos para a vida adulta. Pais muito eficientes nessa coisa de falar a verdade podem criar filhos com dificuldades de filtrar informações antes de reagir a elas. Alguém que não espera mentiras vindas dos outros.

E muito se engana quem acha que acreditar em Papai Noel fere sua capacidade de pensar de forma crítica no futuro. Eu acreditei nele, no Coelhinho da Páscoa e até no deus cristão quando era criança, hoje sou provavelmente a pessoa mais cética daqui. A capacidade de evitar as armadilhas do pensamento fantasioso devem ser treinadas constantemente sob o risco de você ceder à tentação na primeira dúvida. Tornei-me ateu mais ou menos da mesma forma que deixei de acreditar no Papai Noel: “Peraí, isso não está fazendo muito sentido…”

Um pouco de fantasia na vida não faz mal: temos cérebros muito capazes disso e seria até um desperdício não fugir um pouco da realidade para exercitá-lo. O risco é deixar a fantasia ditar suas ações na vida real, mas basta ter bem exercitada a capacidade de separar as coisas para minimizá-lo.

Não faz mal que a criança acredite no Papai Noel, desde que os adultos ao seu redor saibam que aquilo é apenas uma fase. Há de se respeitar a inteligência do pequeno quando ele começa a fazer as perguntas certas. E quando a criança perguntar porque você mentiu, diga a verdade: para te testar. Parabéns, você passou!

Como diria a campanha de sabão em pó: criança tem que se sujar um pouco. Pegar alguns anticorpos. Contar a mentira do Papai Noel é que nem deixar ela brincar na lama, não como soltá-la num lixão do jeito que a Sally vai tentar te convencer. É uma mentira leve que ensina coisas valiosas assim que é descoberta.

E ainda ajuda a sacanear os cristãos, roubando o significado da festa deles!

Para dizer que não esperava isso de mim, para dizer que esperava justamente que eu fosse defender a mentira, ou mesmo para dizer que ainda acredita no Papai Noel: somir@desfavor.com

SALLY

Contar para seu filho que Papai Noel não existe ou educa-lo dento da mentira padrão? Contar. Mil vezes contar. Sou contra qualquer mentira de cunho místico que iluda alguém, por uma questão de coerência, sempre vou defender contar.

Uma criança fica feliz com a imagem ilusória de Papai Noel? Talvez. Ainda assim, não é a única fonte de felicidade possível. Estimular felicidade e esperança com base em um ser imaginário nos levou ao catolicismo. Não, obrigada. Jogar limpo com os filhos me parece um dos principais caminhos para se criar um ser humano decente.

Sim, é uma mentira com prazo de validade curto, fatalmente a criança descobre que Papai Noel não existe, mas não acho que isso traga nada de bom. Gera desconfiança das figuras nas quais a criança mais confia: dos próprios pais. O que se aprende com isso? Que não dá para confiar em ninguém? Que uma fonte de alegria é mentira? Que quando se confia se faz papel de otário? Que para ter esperanças é preciso acreditar em mentira?

A própria figura do Papai Noel me parece nefasta. SE você se comportar bem, ganha presente, se não, não. Só que no final das contas, tudo não passa de um blefe escroto, pois toda criança cuja família tem um mínimo de condições acaba ganhando um presente de natal. Pior: crianças que se comportam bem de famílias sem condições acabam por não ganhar presente. Não me admira que a roupa dele seja vermelha: só os riscos são recompensados por ele, não importa o que façam. Só faltou a estrela.

Tem também o lado amargo da criança descobrindo que foi enganada, que fez papel de otária, geralmente pela boca de outro colega. Não é possível que alguém ache isso bom. Deve ser bem frustrante. Pais que passam uma vida dizendo que não se deve mentir deixam este belo exemplo: mentem por anos seguidos. Contraditório. Quer dizer, quando for com “boa intenção” pode mentir? Péssimo.

Fora o ridículo da mentira: um velho que vive no meio da neve, sobre em um trenó que voa, com renas e em uma noite dá presentes para todo mundo. Oi? As crianças de hoje não são mais espertas do que isso não? Acho ofensivo com a inteligência de uma criança moderna contar essa ladainha. É quase que um desestímulo ao raciocínio: os pais se aproveitam da confiança que o filho tem neles e empurram uma mentira que atrofia a capacidade de questionar.

Há quem diga que a criança precisa acreditar na magia como parte necessária de sua formação. Desculpa, não parece estar dando certo. Ao menos no Brasil. O povo parece crescer e continuar acreditando em um senhor barbado que vai lhes dar presentes sem qualquer mérito. Essa ideia da conquista dada de cima para baixo me causa revolta. A conquista boa é a que vem de baixo para cima, a que você batalha e consegue.

Sei lá, tenho sérias ressalvas com esses seres imaginários no geral: Papai Noel, Deus, Gnomos… tudo no mesmo saco para mim. Todos nocivos, cada um a seu jeito. Todos um desfavor, um desserviço, servindo de muletas para as mais diversas carências humanas.Nos levam a crer que podemos conseguir coisas na vida sem nosso esforço pessoal.

Outra coisa que me incomoda: os pais não estimulam a crença em Papai Noel para incentivar a fantasia e imaginação das crianças. Na real, eles USAM Papai Noel para fazer o que eles, pais, não conseguiram: educar uma criança ou chantageá-la. “Se não fizer tal coisa Papai Noel não vai deixar um presente para você”. “Papai Noel não dá presente para criança que não come brócolis” e daí para frente. Feio. Feio demais não ter moral suficiente com o próprio filho e usar uma figura imaginária para manipular uma criança.

Mesmo a decepção que gera quando o mito cai não é das mais saudáveis. Gera a vontade de procurar um novo mito. A criança que conversava, pedia ou se apoiava na figura do Papai Noel cai para outra armadilha, tipo Deus. Sempre pulando de muleta em muleta emocional. O ideal é jamais estimular essa muleta, para que a criança cresça forte, suficiente, bastante sem ela.

Optar por não mentir e explicar isso para a criança gera admiração dos filhos por seus pais e constrói pessoas mais fortes e independentes. Um pacto com a verdade, só para variar, seria algo a se considerar em um mundo que cada vez mais valoriza imagem, aparências, parecer ser. Mostrar ao filho um mundo talvez menos colorido porém mais realista forma adultos mais preparados.

Mentira é sempre um problema. Mentira desnecessária sempre deve ser evitada. Fato: algumas mentiras são necessárias e infelizmente temos que lidar com elas. Estas já bastam. Se dar ao luxo de inserir em sua vida mentiras desnecessárias é algo que eu realmente não consigo entender.

Papai Noel é uma figura incoerente, ultrapassada e que não ensina nada de bom a ninguém. Usar um mito para conseguir obediência do seu filho é canalhice e falta de pulso firme. Usar de um ser imaginário para arrancar do se filho coisas que ele deveria fazer por respeito a você é de uma falta de moral avassaladora. E mentir apenas por mentir, para ver seu filho feliz, é burrice. Passou da hora de ensinar às crianças a serem felizes com as verdades que temos.

Para defender o Papai Noel, como se fosse ele o atacado, para aproveitar, desabafar e falar tudo que pensa do natal ou ainda para cantar “Papai Noel, filho da puta”: sally@desfavor.com


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