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Tio Malvado.

Tio Malvado.

| Somir | | 29 comentários em Tio Malvado.

A história é a seguinte: um ex-funcionário de uma escola em Barueri (SP) foi acusado de molestar três crianças de três anos. As provas que constam contra ele são os depoimentos e reconhecimento das crianças. Agora, ele acaba de ser condenado. A juíza achou as evidências suficientes para prendê-lo. Mas… será que são?

Em primeiro lugar, não tenho uma opinião forte sobre o caso, não faria sentido ter: o que eu sei, sei através da mídia. Em segundo lugar, não estou fazendo uma análise jurídica: me falta o conhecimento específico. Então, o que diabos eu pretendo fazer tocando nesse assunto?

Ah, que bom que você perguntou. Eu estou preocupado com a possibilidade desse homem ser inocente. E agora, o motivo disso ser um Flertando com o Desastre: mais preocupado até do que com a risco de alguém que coloca a mão em genitálias infantis sair ileso. Já te perdi, né? Tudo bem, eu entendo, isso é um assunto delicado.

Gente que abusa de criança mexe com todos nossos instintos, gera uma reação poderosa de revolta que não deixa espaço para mais nada na cabeça. Até mesmo uma acusação nos retira imediatamente a simpatia com uma pessoa. Tudo bem, eu também fico puto quando fico sabendo dessas coisas. É natural.

Mas não é necessariamente racional. Entre acusação e comprovação vai-se um longo caminho no qual se baseia nosso sistema de justiça, por vezes até longo demais, é claro, mas há um método suficientemente lógico pelo qual essa acusação percorre. Precisamos ter o mais próximo possível de certeza para punir alguém.

Crimes que nos ofendem mais tendem a turvar a visão sobre o processo. Queremos ver a justiça sendo feita o mais rápido possível, e queremos que o criminoso sofra as consequências pelos seus atos. Novamente, compreensível. Novamente, não necessariamente racional.

Esquecemos da parte da certeza. O crime incomoda tanto que queremos que ele suma de nossa vista o mais rápido possível. A certeza se torna mais maleável, o processo menos criterioso. Tudo contra o risco de deixar o possível criminoso sair dessa impune. Esse é o grande medo da maioria das pessoas: que não se puna.

O que eu quero apresentar aqui hoje é um medo maior, ou pelo menos que deveria ser maior: o medo de que se puna injustamente. Teoricamente, nosso sistema se baseia na ideia que somos inocentes até que se prove o contrário; na prática, somos inocentes até sermos acusados de algo horrível.

Até onde pude apurar, contra o acusado de molestar as crianças existem depoimentos de crianças de 3 anos, reconhecimento de pessoa conhecida por fotos, e um laudo psicológico onde se diz que existe a possibilidade de um abuso ter acontecido. Mais prático do que isso, nada.

Quer dizer que o cidadão não abusou das criancinhas? Não. Quer dizer que ele tenha? Também não. Coube à juíza definir qual das duas opções era a mais provável, e ela se decidiu pela culpa dele. Talvez para quem está dentro do caso outros elementos possam ter interferido nessa escolha, repito que o que eu sei, sei pela mídia. Mas eu levanto a probabilidade aqui da juíza ter tido mais medo de não punir do que de punir um inocente.

Se ele fez ou não eu não sei, a não ser que surja uma prova contundente, não saberemos. Agora, se havia certeza suficiente para puni-lo? Isso não é o que parece. O argumento de que ele fora reconhecido como uma personagem maligna de uma peça de teatro ao invés de o perpetrador de um crime tem força. Crianças nessa idade não sabem muito bem onde a ficção termina e a realidade começa. E até onde eu sei, uma das crianças mudou o discurso numa segunda audição.

Sem contar que normalmente não se leva muito a sério o que diz uma criança de três anos de idade. Nada contra elas, mas essa coisa toda de entender a consequência de suas ações demora muito mais para assentar no cérebro humano. Crianças são facilmente induzidas a falar algo para agradar os adultos… Se você começar o assunto da forma errada, elas vão simplesmente seguir com o que acreditam que o adulto espera ouvir.

A advogada dele é mãe de uma criança que estuda na escola, existe um abaixo-assinado de pais defendendo sua inocência… São todas coisas que precisam ser levadas em consideração. Muita gente acredita na inocência dele.

Oras, isso dá alguma certeza que o cidadão é inocente? Claro que não. É realmente estranho que uma criança mencione esse tipo de contato do nada. Não estou sendo advogado do diabo só pela polêmica, confesso não pender nem para um lado, nem para o outro.

Agora, o que isso quer dizer na prática me faz discordar da atitude da juíza. Se está difícil de se ter certeza, a obrigação não seria pender para o lado da inocência? Também temo pela possível liberdade de um molestador de crianças, mas temo em dobro que um inocente pague por esse crime horrível. Isso significa que acusação tem um peso desmedido.

Se o crime fosse roubar dinheiro e as três testemunhas fossem crianças, não haveria sequer um caso sem outras provas. Mas como esse mexe muito mais conosco, o medo de não punir vence todos os outros. E se eu não estou parecendo uma pessoa horrível ainda, vamos acertar isso:

No quadro geral das coisas, um culpado de cutucar crianças solto é menos grave que um inocente preso por esse crime. Para quem está envolvido de forma mais pessoal nisso, entendo querer ver o acusado pendurado pelas bolas numa cerca de arame farpado, mas não é à toa que temos todo um sistema jurídico para evitar ‘pulos’ no processo de acusação e punição.

O culpado que escapou ou controlaria seus impulsos (menos provável), ou tentaria de novo. E se acontecesse de novo, as coisas ficariam mais difíceis para ele escapar. O cara não vai conseguir mais emprego perto de crianças pelo resto da vida, um poder que só a acusação já tem.

O inocente punido está com a vida destruída, família junto. Imagine saber que não fez algo e ter de pagar com TUDO o que tem pelo crime. Ser considerado pedófilo e estuprador por sentença judicial é para terminar a carreira de alguém nessa vida. Se sair vivo da cadeia, não consegue mais nem varrer chão para ganhar a vida. As pessoas não vão mais se aproximar dele, ele vai ter um segredo horrível pronto para estourar na sua cara a qualquer momento… e tudo isso sendo inocente!

Sim, eu tenho medo que o culpado não seja punido. Sim, eu acho terrível que outras crianças possam sofrer na mão dele. Mas se tem algo que deveria estar acima disso na escala de absurdos da vida, é ser condenado de algo pesado assim sendo inocente.

Entendo que hoje seja difícil concordar comigo, eu mesmo estou com alguma dificuldade de fincar o pé nessa opinião. Mas o caminho mais nobre sempre tem suas dificuldades. Renegar o asco de um possível molestador em prol do princípio de inocência dá muito mais trabalho que o normal.

Muito mais fácil apontar para o “Tio Malvado” e ter a certeza de que está fazendo justiça. Sally que me corrija se quiser dar sua opinião, mas eu tenho a nítida impressão que a juíza do caso se livrou de uma batata-quente e fez média com a grande maioria que tem seus medos ranqueados pelo o que é mais fácil de se fazer. Ainda tem recurso para ele. Talvez surjam as provas, talvez não… mas e se continuar nessa dúvida?

Medo de não punir ou medo de punir o inocente?

Qual deles deve ser maior?

Para dizer que tema requentado do Fantástico é dose, para dizer que não encosta nesse assunto, ou mesmo para responder a pergunta final (não é retórica): somir@desfavor.com


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