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Mentes em branco.

Mentes em branco.

| Desfavor | | 60 comentários em Mentes em branco.

+O Ministério da Educação divulgou na tarde desta terça-feira (13) o balanço final da edição de 2014 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Entre os alunos participantes, 529.374 obtiveram nota zero na redação da prova (8,5% dos candidatos). O MEC informou ainda que 250 candidatos tiveram nota mil na redação – a máxima possível.

Vota, faz filho, etc. Desfavor da semana.

SOMIR

A vida imita a internet. Está aí a geração opinião de 140 caracteres ou menos mostrando o seu valor. Uma saraivada de notas baixas já seria preocupante pela baixa capacidade de expressão, mas quando falamos de mais de meio milhão de notas zero, algo de ainda mais nefasto começa a aparecer: não é só não saber se expressar, é não ter nem o que dizer.

Não que eu acredite que as pessoas já foram menos burras em geral, mas mesmo levando em conta que a maioria tem a capacidade de escrita de um babuíno bêbado, é assustador que mesmo essas gerações com acesso praticamente irrestrito à informação continuem passando esse tipo de vergonha na hora de escrever uma redação.

O bonde da história passou e o brasileiro médio não fez questão de pegar: com o advento da internet, o mundo ficou conectado e as discussões pipocaram em todos os cantos. Com tanta informação disponível, era de se esperar um aumento substancial na capacidade de argumentação das pessoas, mas… é claro… desperdiçamos tudo com bobagens.

A era da informação feita de um grande tablóide global onde os participantes se contentam em berrar obscenidades para as telas (cada vez menores) em suas frentes. Gente que passa tanto tempo discutindo e dando opiniões deveria ser mais capaz de se articular! Mas o que vemos na prática um excesso de “o quês” sem “porquês”.

Atualmente a opinião parece uma entidade separada da sua justificativa. Ambas podem existir de forma independente, desde que existam curtidas o suficiente. Opinião é peça de vestuário, acessório da moda que adorna quem quer parecer mais interessante. Tem que ter uma opinião, mas não precisa se preocupar demais com ela.

O problema obviamente não era extrair uma opinião desse povo sobre o assunto, isso eles fazem todos os dias sobre os mais diversos assuntos. Opinião é a parte fácil. A coisa complica na hora de justificar a opinião. “Opa! Isso não faz parte do combinado! Eu dou minha opinião e me escondo atrás do direito de opinar se for confrontado”.

Mas quando o meio no qual se opina não é um antro de masturbação ideológica como as redes sociais, só ter a opinião não basta. Querem saber se cidadão pensou no assunto para aferir sua capacidade de compreensão do tema. E é aí que cidadão tira nota zero. Não tem nada a dizer de verdade, só sabe berrar alguma coisa razoavelmente conexa de tempos em tempos.

A pessoa fica absolutamente vendida na história assim que surge a condição de justificar o que pensa. Como justificar o que não se entende? O bacana é ter uma opinião e brigar com quem tem uma diferente, mas saber porque essa diferença existe é forçar a amizade. É mais simples e mais conveniente para quem governa que o povo tenha opiniões sem fundamentação: elas são ao mesmo tempo frágeis quando a máquina estatal está contra elas e muito fortes quando a campanha é de reforço.

Povo sem ter o que dizer reage melhor às estratégias de controle. Opiniões fundamentadas são difíceis de derrubar e raramente estão em acordo com o tipo de ideia que sai de um poder forjado para se auto-sustentar. Mas isso nem é culpa exclusiva do PT, isso é tão velho quanto o Brasil, estamos só vendo mais um grupo tirando vantagem disso.

O mais triste é que essa gente consegue se virar na nossa sociedade. Não estou desejando o mal delas, estou apenas dizendo que há pouco ou nenhum incentivo para a melhoria. Como o idiota vai perceber que é idiota se estiver cercado por iguais? Como exigir algo na redação que a vida não vai pedir? A maior sacanagem não é o brasileiro ser tratado como gado pelos seus governantes e líderes em geral, é a glorificação desse padrão bovino de pensamento.

Tudo bem ser imbecil, você vai ser acomodado em algum lugar da sociedade, mesmo que tenhamos que te pagar só para ter filhos. Isso é fácil de fazer, não? Eu gostaria de ver uma sociedade menos tolerante com analfabetos funcionais não pelo sofrimento que causaria para muitos, mas pela criação de uma necessidade mais urgente de evolução intelectual.

Mas sabem o que eu acho que vai acontecer? No próximo ENEM as notas vão melhorar. Não porque terão feito por onde, mas para que cabeças não rolem. É muito mais simples baixar o padrão de exigência do que fazer o povo se adequar a um mais alto. Mais notas máximas e menos notas mínimas como propaganda pronta de um país em evolução.

E os nossos postulantes ao ensino superior continuarão sem nada a dizer. Quer dizer, até pelo menos saírem da prova e puderem ligar seus smartphones.

Para dar nota zero para a minha redação, para dizer que o tema foi difícil, ou mesmo para dar uma opinião bem fundamentada: somir@desfavor.com

SALLY

Lembra do tempo em que o Desfavor da Semana era descobrirem fraudes na prova do ENEM? Pois é, bons tempos aqueles. Não que hoje a fraude tenha deixado de existir, ela existe e estampou diversos jornais. O desfavor é que apareceu coisa pior do que ela: mais de meio milhão de candidatos tiraram nota ZERO na redação.

Nota ZERO, Minha Gente. Nora zero não é tirar uma nota baixa, nota zero significa que do aglomerado de palavras que aquele aluno escreveu, NADA se aproveita. NA-DA.

Eu não tinha ilusões de que todos os habitantes brasileiros fossem letrados e capazes de fazer uma redação, mas eu achava que ao menos aqueles que se prontificam a fazer o ENEM e passaram por algum tipo de educação formal eram capazes de escrever ao menos uma redação ruim. Não. Nem isso. Escrevem linhas e linhas de onde nada se aproveita.

Pessoas que não conseguem concatenar ideias de forma lógica traduzidas em frases que façam sentido. Mais de meio milhão de pessoas que se achavam preparadas apresentam esse resultado. Chegamos a esse ponto: as pessoas não conseguem escrever algo que faça sentido. Não conseguem organizar suas ideias de modo a expressar uma opinião sobre um tema que lhes é apresentado.

Não tenho dúvidas que essas pessoas sabem ler e escrever. Essas pessoas provavelmente passam metade de seus dias em redes sociais. Sabem escrever um discurso repetido, uma coisa sem nexo, sem coerência, sem sentido. Não sabem argumentar, confundem sua opinião/convicção com argumento. Ao perder a capacidade reflexiva, ao perder a multiplicidade de referências focando sua vida apenas em redes sociais, a capacidade argumentativa se atrofia.

Em um mundo de selfies, aparências e eu, eu eu, a capacidade de argumentar está se perdendo porque não é nem ensinada, nem cultivada. As pessoas acham tal coisa e atacam quem discorda delas. O grande problema é: isso não funciona em uma redação. Taí o resultado. Em um exame com mais de seis milhões de candidatos inscritos, apenas 250 tiraram nota máxima na redação.

O que se pratica hoje não é a escrita, a argumentação, o questionamento e a reflexão. O que se pratica é a histeria em rede social, a opinião sem fundamento que mais parece uma diarreia mental e o culto ao ego, às aparências, a si mesmo. Taí a porra do resultado: mais de meio milhão de pessoas vai para uma prova acreditando ter aptidão para fazer uma redação e apresentam algo de onde NADA se aproveita.

Mais alguém está chocado, tirando nós aqui no nosso cantinho disfuncional? Parece que não. Não vi nenhum pronunciamento de Ministro da Educação dizendo o que pretende fazer a respeito para melhorar uma realidade tão alarmante. Detalhe que não foi apenas gente de baixa renda quem zerou redação, tá? O sistema educacional brasileiro, assim como quase tudo nessa vida, se tornou um ramo falido ou um negócio com fins exclusivamente lucrativos.

Uma pessoa que não consegue escrever e concatenar ideias está virando socialmente aceitável. Ela é tida como funcional, arruma empregos. A pessoa não percebe que suas ideias vagam sem sentido em um emaranhado de palavras, onde a introdução (se é que há) não guarda pertinência com a conclusão. Pessoas apenas falam/escrevem, sem ter nada a dizer. Falam pelo ego, por pensarem que sua maravilhosa opinião basta. Não. Escrever é uma arte, conseguir se expressar com clareza e prender a atenção de alguém mantendo a coerência é uma arte. E está prestes a se perder.

Sim, ainda existem pessoas que escrevem bem, até mesmo nessa geração lixão que está vindo aí. Os honrosos 250 que tiraram nota máxima são prova viva disso. O problema é: cada um deles terá apenas 249 pessoas preparadas e dispostas e ler o que escrevem. Percebem o problema? Mesmo com bons escritores, não haverá público para eles e o que se popularizará e reproduzirá serão aterros sanitários literários como Paulo Coelho e 50 Tons de Cinza.

Como nos tempos de hoje o que ganha publicidade é o que rende dinheiro, o que ganha publicidade será algo que a grande massa consumidora esteja apta a consumir. Certamente não é uma redação sua ou minha e sim algo no nível deles. Idiotas orbitam em torno de idiotas e são estes mesmos idiotas, por serem maioria, que ditarão aquilo que vai alimentar nossa cultura pelas próximas décadas. Ou seja, estamos todos muito fodidos.

Houve uma queda de quase 10% nas notas de redação, quando comparadas ao ano anterior. Duvido que essa queda reflita uma queda no ensino público, que continua a mesma bosta faz tempo. Essa queda reflete uma queda no QI do povo mesmo. É comportamental. E tende a cair cada vez mais.

Olha que o tema não era difícil: publicidade para crianças. É pão pão, queijo queijo. Contra ou a favor? Em quais termos? Não era sequer uma avaliação com uma “resposta certa ou errada”, era tudo questão de saber justificar e explicar seu ponto de vista. Mas nem isso foi possível.

O pior de tudo vem agora: muitos desses reprovados acabarão em universidades e acabarão prestando serviços como profissionais para mim, para você e para os seus filhos. Seja pelo sistema de cotas, seja pelas universidades pagas nada seletivas, seja por tantos outros motivos, o Brasil acolhe gente incapaz de concatenar ideias de forma lógica e lhes dá um diploma. E o mercado, movido a contatos e indicações, acaba por absorver muitos desses ignóbeis.

Só eu vejo uma grande bola de neve catastrófica vindo em nossa direção? Pessoas burras nos afetam, mesmo que tenhamos dinheiro para pagar bons profissionais, porque pessoas burras, quando constituem uma maioria, ditam o ritmo no qual a manada vai correr.

Senhoras e Senhores, a sociedade está cada vez mais desacelerando para correr no ritmo desses ignóbeis. Gente boa ou sofre desinteresse, ou está enferrujando por ter que se sujeitar a produzir mediocridade para essa massa de público incapaz.

Pátria educadora – pausa para rir.

Para dizer que preferia não ter lido esse texto, para indicar qual posto da Polícia Federal tem menos tempo de espera para tirar passaporte ou ainda para me informar que no momento existe coisa bem pior que Paulo Coelho bombando no mercado: sally@desfavor.com


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