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Vestido para alienar.

Vestido para alienar.

| Desfavor | | 22 comentários em Vestido para alienar.

+Azul e preto ou branco e dourado? Vestido polêmico ‘quebra’ a internet. Foto postada por internauta é o assunto mais comentado no Twitter. Rede social se dividiu entre os que veem #PretoEAzul e #BrancoEDourado.

Hã? Desfavor da semana.

SOMIR

Enrolamos para falar disso de propósito. Fora de moda com muito orgulho.

Se me dissessem o que aconteceu antes de acontecer, eu consideraria uma esquete de algum grupo de humor. Ver tanta gente discutindo sobre as cores de um vestido parece uma sátira ao comportamento do internauta médio. Mas, de ficção não teve nada. Aconteceu.

Não, nem acho que é o fim do mundo. A minha pouca fé na humanidade permaneceu inalterada. Espera-se que o cidadão médio desse planeta seja fútil o suficiente para se interessar por uma discussão dessas. Não fosse o vestido, teria sido qualquer outra banalidade.

Mas tem algo de revelador aí: o principal motivo para a popularização do tema não foi exatamente relacionado ao vestido ou às suas cores, e sim pela possibilidade de polarização proporcionada. Mais importante do que tudo, um tema sobre o qual pode-se formar uma opinião rápida e encontrar defensores prontamente.

Vivemos numa sociedade viciada em opiniões. Até mais importante do que descobrir a realidade é a necessidade de postular sobre ela. E com o menor dispêndio de sinapses possível! O assunto só se torna saboroso se temperado opiniões descartáveis. Se os “times” não tivessem se formado, com certeza a maioria das pessoas não teria nem a curiosidade de descobrir se o vestido era branco e dourado ou preto e azul.

O tema pode ser interessante de um ponto vista científico, o vestido em si era preto e azul, mas as cores sampleadas da imagem pendiam mais para o branco e dourado. Mas de ciência se viu pouco aqui. Não era sobre conseguir uma resposta objetiva. A pergunta em si já era uma armadilha opinativa: “que cor você vê?”. Cada um pode argumentar o que quiser e ninguém pode provar que você viu algo diferente!

E no fundo, esse é o tipo perfeito de discussão para muita gente: uma na qual não se pode ser provado errado. Se fosse algo como “qual a cor do vestido original” ou “quais as cores dos pixels da imagem”, teríamos respostas claras e reprodutíveis. Mas sem toda a diversão de opinar de acordo com a própria visão das coisas.

O problema – e isso aqui é o Desfavor da Semana no final das contas – é que o tema fez sucesso até demais, mesmo considerando seu potencial de divergência natural. As pessoas parecem já condicionadas a reagir dessa forma. As redes sociais venceram a guerra pela mente da maioria, fazendo-os acreditar piamente que suas opiniões valem alguma coisa independentemente de quanto esforço foi colocado nelas.

A pessoa se sente compelida a dar seu testemunho, como se todos estivessem esperando por isso! Pior, talvez estejam mesmo. Quando os lados de uma discussão viram torcida, cada aderente reforça a mensagem. E aí não é mais sobre o tema, e sim sobre sua popularidade. Essas pequenas batalhas sobre os mais diversos temas que abundam na grande rede são parte de uma guerra perdida.

O povão acreditou que o que diz vale! Não estou sendo elitista e tirando o direito de cada um se posicionar sobre o que bem entender, não estou nem dizendo que deva-se proibir opiniões rasas na internet: quem defende liberdade de expressão defende até o que não gosta de ouvir.

O que realmente incomoda aqui é que essa mensagem do valor da opinião é enganosa: a maioria não tem voz real nesse mundo. O desinteresse por assuntos mais complexos e um sistema talhado para funcionar mesmo sob o ruído da discordância generalizada criam essa ilusão de importância nas pessoas.

E o perigo é que isso suplante de vez a voz popular. Sua opinião de nada vale quando poderosos decidem quem vai mandar e desmandar em você, mas a internet está te esperando de braços abertos sobre aquele vestido da foto! É até natural que as pessoas acabem direcionando suas atenções para algo do qual finalmente se sentem parte.

E se é só o vestido e a próxima eliminação do BBB que contam, então serão esses os assuntos discutidos. É isso que vai inflamar as pessoas e gerar alguma reação de verdade. Adoro a internet, mas o que ela está fazendo com o mundo está deixando a antiga caixa bestificante (TV) como algo inocente em comparação.

Não tínhamos voz alguma antes, e isso gerava reações. As pessoas precisavam desabafar e se fazer ouvidas por alguém. Agora, temos uma válvula de escape perfeita para acalmar os ânimos: cidadão vai discutir cor de vestido na internet. Não vai mudar nada nesse mundo, mas serve como “caloria vazia” para apaziguar nossa fome de atenção.

Podia ser o vestido, podia ser qualquer outra coisa. Mas o conceito por trás de tudo isso é sempre o mesmo: manter pessoas distraídas o suficiente. Não sei se é uma conspiração ou se é uma tendência humana natural para conseguir lidar com a impotência (pendo para a tendência), mas seja lá o que for, vai funcionando.

O Brasil se acabando e a internet falando de um vestido. Conveniente, não?

Para dizer que acha que o vestido é azul, rosa ou verde (quem se importa?), para dizer que a gente encana com cada bobagem, ou mesmo para dizer que foi igualzinho nas eleições: somir@desfavor.com

SALLY

A semana bombou de desfavores, vocês podem conferir com seus próprios olhos na coluna A Semana Desfavor. Entretanto, tudo passou de forma superficial pelos olhos do Brasileiro Médio. O assunto da semana não foi a lista do Lava a Jato, não foi o Estado Islâmico barbarizando nem as sacaneadas que o PT dá nos trabalhadores ou os afagos que faz nos empresários. O assunto da semana discutido à exaustão foi a cor da porra de um vestido.

Uma foto de um vestido gerou polêmica: algumas pessoas enxergaram o vestido nas cores azul e preto enquanto outras pessoas enxergaram o mesmo vestido nas cores branco e dourado. O que seria uma mera curiosidade, um fato para se ater por dez minutos, virou o assunto da semana. Enquanto isso, fatos importantes no país e no mundo ganharam não mais do que alguns minutos de atenção. Coroação da inversão de valores.

O curioso é que logo que surgiu a polêmica, surgiu também uma explicação científica para ela. Não foi um fenômeno estilo “chupa-cabra”, onde se especula para tentar achar uma resposta. Cada ser humano enxerga as cores de um jeito diferente e, dependendo da quantidade de células em cada olho, pode sim haver uma diferença significativa na interpretação de algumas tonalidades. Mais: a fabricante do vestido se manifestou matando de cara a polêmica: o vestido era azul e preto.

Mesmo assim as pessoas continuaram falando sobre o maldito vestido. “Que cor você viu? Que cor você acha que é?”. Pessoas olhando a foto da porra do vestido várias vezes por dia para ver se tinham uma percepção diferente da cor. Se olhassem para os filhos, cônjuges, relacionamento, ou trabalho com tanto afinco certamente este país seria um lugar melhor.

É o culto ao nada. Pega-se um nada e inflaciona-se um nada até virar assunto. Enquanto isso, o tudo, o grave, o urgente acontece debaixo dos olhos de todos e é varrido para debaixo do tapete. Isso me assusta. Sempre me escorei na esperança de que quando as coisas ficassem insuportáveis no país o brasileiro cansaria, em algum momento, de alguma forma, e eclodiria uma reação em massa. Não digo uma revolução nem nada muito digno, apenas uma reação que mude e sacuda a realidade. Nem que fosse todo mundo atirar fezes na Dilma, feito chimpanzés. Qualquer coisa servia.

Mas não. Aparentemente a situação ficou insuportável e o brasileiro, em vez de fazer algo para mudar a realidade do país, fez algo para mudar apenas a sua realidade: se agarrou a pequenos factoides irrelevantes para se alienar e suportar a merda que o Brasil e a sociedade foram se tornando. Um mecanismo que talvez nem seja de todo consciente,está sendo passado adiante para a próxima geração sem nem ao menos perceber. Combater a realidade desagradável, criticá-la, se chatear com a situação atual do país virou algo chato, desvalorizado.

Bacana, descolado e tendência é ignorar uma realidade desgraçada, uma barbárie social e se apegar a Memes, a assuntos virais, a discussão da cor de um vestido, bastante brega, por sinal. Legal e moderno é se anestesiar, se alienar lendo apenas as manchetes mais importantes para estar a par do que acontece, mas na hora de aprofundar, correr para assuntos mais palatáveis como a cor de um vestido, a Madonna caindo ou uma briga no BBB. Sentir-se injuriado, afrontado, revoltado, é coisa obsoleta, de gente chata que reclama de tudo.

Enquanto tiver onde “se esconder”, o Brasileiro Médio não vai lidar com problema, vai fugir dele. Redes sociais utilizadas como depósito de imbecilidade e futilidade representam a fuga ideal já que são um alívio para uma vida miserável de baixa autoestima e privações nos mais diversos setores.

Ao gerar distração e diversão vazia, tornam suportável um sofrimento e retrocesso de qualidade de vida empurrados goela abaixo por uma quase ditadura burra e grotesca. Pior: ninguém nem ao menos percebe o mecanismo. Apenas o fazem por sentir que, de alguma forma, aquilo lhes é agradável. Muito mais fácil um paliativo que torne o sofrimento um pouco menos insuportável do que mergulhar na raiz do problema e resolvê-lo.

Assim vamos, com um assunto idiota por semana ou por dia dominando as redes sociais e a vida real. Mesmo quem não tem redes sociais é afetado. Portais de notícias falam do assunto até hoje e não consegui passar um dia desta semana sem que alguém saque um celular e me mostre uma imagem do tal vestido, perguntando qual era a cor que eu via. Enquanto não comecei a pagar de maluca e jurar de forma séria que o vestido era vermelho, não pararam de me encher o saco.

Só eu tenho essa sensação de “puta que pariu, eu tenho tanta coisa mais importante e urgente para fazer da minha vida do que especular sobre a cor de um vestido”? Pior do que isso é a sensação de ter que guardar essa observação para mim, sob pena de parecer chata, encrenqueira e mal humorada. Fato é que eu tenho coisas mais importantes para fazer do que discutir a cor de um vestido e lamento muitíssimo por quem não tenha. Enquanto estivermos focados nessas pequenas inutilidades, permitimos que essa corja que domina o país pinte e borde impunemente.

E nem me refiro a fazer uma revolução. Falo em prestar atenção ao que realmente interessa, para não cometer velhos erros. As pessoas perdem tempo e energia em babaquices que não acrescentam nada e não lhes sobra muito para aquilo que realmente interessa. Se unem para votar e eliminar um vilão do Big Brother por ele ter brigado com a mocinha, mas não se unem para votar e eliminar do poder uma filha da puta que está sacaneando o povo sistematicamente por anos.

Fica aqui meu desabafo: a versão moderna do pão e circo são as redes sociais. O Coliseu onde gladiadores tiram sangue um dos outros para deleite e alienação do povo são as redes sociais. O esquema continua o mesmo: brigas, diversão, distração e futilidade, porém de forma um pouco menos física e um pouco mais intelectual.

Na essência, o efeito é o mesmo. Fazer com que um povo bunda explorado suporte melhor e por mais tempo as sacaneadas que leva de quem está no poder. Assim como índios ganhavam espelhos, nós ganhamos redes sociais para postar selfies. Passam os séculos e o ser humanos continua esse lixo, otário e vaidoso, que cala a boca por qualquer merreca.

Para ignorar tudo que foi dito e ficar discutindo a cor do vestido nos comentários, para reclamar sobre eu reclamar muito ou ainda para postar este texto em redes sociais e ser trucidado pela opinião pública: sally@desfavor.com


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