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Maior pena.

Maior pena.

| Somir | | 52 comentários em Maior pena.

A PEC da Maioridade Penal vai ganhando cada vez mais fôlego em Brasília. Provavelmente a Sally vai poder nos informar melhor o quanto de fogo há nessa fumaça, mas eu quero me concentrar em outro aspecto dessa sanha toda para reduzir a maioridade penal para 16 anos: o incrível suporte popular. Por que as pessoas pensam assim?

Se pararmos para pensar, que os políticos estejam focados nessa proposta é bem razoável, mesmo que pelos motivos errados. O povão gosta tanto dessa ideia que quem pegar carona nela tende a ganhar mais votos nas próximas eleições. Até parece que a maioria se importa com a eficácia ou não do que sugerem: existem medidas populares e impopulares. Eficiência é um plus.

Mas, novamente… de onde vem tanta concordância num país tão heterogêneo como o Brasil? Já vi dados de pesquisas onde mais de 90% dos entrevistados queriam a redução da maioridade penal. Pergunte para pobres, para a classe média, para os ricos… quase sempre você tem a mesma opinião sobre o assunto.

E na esmagadora maioria das vezes, essa gente é imune a qualquer argumento sobre a real utilidade da medida na diminuição da criminalidade. Normalmente ignoram o que você diz e ficam entrincheirados em argumentos emocionais. Nem vou entrar nessa argumentação agora: já escrevemos sobre isso aqui diversas vezes. O ponto que eu quero levantar agora é que além de ser uma opinião muito popular, ela ainda é defendida com unhas e dentes na maioria dos casos.

Se o brasileiro demonstrasse metade dessa vontade quando o assunto é corrupção, aposto que as cadeias estariam lotadas de políticos. É impressionante. Acho importante mesmo entender porque essa ideia deu tão certo… até por um ponto de vista mais egoísta: é um case de propaganda impressionante. E foi analisando as conversas, online e offline, com pessoas dos mais diferentes tipos e histórias, que eu comecei a perceber uma coisa: apesar de ser central ao argumento, a ideia de que maioridade penal existe para proteger quem ainda não tem a formação necessária para entender nossa sociedade raramente entra na discussão.

Acabamos falando mais sobre se vai reduzir ou não o crime do que do motivo pelo qual o conceito existe para começo de conversa. E nem sonhe entrar nesse ponto com um dos defensores da redução: vai ouvir que pessoas de 16 anos já sabem muito bem o que fazem em questão de segundos. E pode apostar que todo mundo ao redor vai reforçar o coro. Ninguém parece nem entreter o argumento. 16 anos é adulto, todo mundo concorda, ponto.

E é aí que as coisas começam a fazer sentido. Bom, pelo menos para mim. A ideia de que uma pessoa precisa mais que 16 anos para ser plenamente responsável por seus atos é TÃO alienígena para o brasileiro médio porque o brasileiro médio normalmente atinge seu auge de desenvolvimento intelectual bem antes disso. Com 16 anos boa parte desse povo já tem até filho! Mas é óbvio, estava na cara o tempo todo.

Quanto mais atrasada uma sociedade, mais cedo a pessoa é considerada apta a viver a vida adulta. Para um povo que perde a curiosidade do aprendizado lá pelos 12 anos de idade (quando tem alguma), é claro que um adolescente de 16 anos já é adulto feito! Em outros tempos, meninas de 13 anos já estavam no ponto de ter o primeiro filho: ela ia fazer o que além disso na vida? Começasse logo, até porque filho morria de baciada e ninguém durava muito além da idade reprodutiva.

Atualmente as coisas são muito próximas disso em países realmente atrasados (por guerras e intolerância dos religiosos). Países ‘preguiçosos’ feito o Brasil conseguiram um mínimo de evolução, mas o que não falta é menina de 15 anos grávida por aí. Numa sociedade pobre e com poucas oportunidades, a pessoa já meio que sabe o que vai fazer no meio da adolescência mesmo. Não tem muito espaço para estudar e se preparar para fases mais maduras da vida.

As pessoas não são incentivadas a se tornar adultas muito além da esfera do sexo e do consumo. As condições de vida precárias cobram muito do brasileiro médio já muito cedo em sua vida. Não tem essa de conhecer o mundo e novas culturas, de aprender sobre o mundo e a filosofia… arranja um emprego, faz alguns filhos e enche a cara no resto do tempo.

É sempre complicado bater no BM. Por um lado ele faz muita coisa errada, mas também não se pode negar que ele é vítima de um sistema. Pergunta Tostines: o BM faz merda porque o sistema é cagado ou o sistema é cagado porque o BM faz merda? A resposta provavelmente é ‘ambos’.

A verdade é que um ser humano precisa até mais do que 18 anos para ter o desenvolvimento cerebral necessário para viver em sociedade por conta própria. Se esse bolo sair cedo demais do forno, vai solar. Mas em sociedades como a brasileira, o bolo solado é a norma. As pessoas acham normal esse tipo de comportamento adolescente de irresponsabilidade, inclusive acham bonito. Beber muito é status!

A maioridade penal é uma ideia para evitar que tanta gente seja jogada no mundo antes da hora. Pode não ser extremamente eficiente num país atrasado, mas definitivamente tem sua lógica. O que mais me espanta no caso do brasileiro sedento pela redução da maioridade penal não é exatamente a vontade de resolver seus problemas na base da porrada, é uma sociedade inteira admitindo abertamente que por essas bandas 16 anos de idade é o suficiente para ser adulto.

Porque só vamos cobrar isso da pessoa: “Sabe fazer filho? Sabe ganhar algum dinheiro? Tá bom demais! Seu cérebro não vai ser exigido muito além disso.” É como se tivéssemos aceitado que esses dois anos extras de formação são supérfluos, e provavelmente vai cair mais ainda se formos ser realmente honestos sobre o que se precisa para ser cidadão no Brasil. Vão perceber rapidamente que os bandidos estão convocando garotos e garotas de 15 anos de idade e vão chorar por mais uma redução. E AINDA SIM vai estar mais ou menos na faixa máxima de desenvolvimento do brasileiro. Quem tem 14 consegue fazer filho e trabalhar, não consegue?

E aqui algo que talvez surpreenda: se a ideia é abrir mão do conceito de desenvolvimento humano pós puberdade, realmente tem lógica baixar a idade da maioridade penal. Se do jeito que está, está bom, então vamos baixar até 12, até porque em bandidos de 11 anos é bem mais fácil bater! Eu sou contra essa redução porque acho que um mínimo de 18 já uma boa meta para a sociedade moderna. Se houver estímulo e oportunidades, uma pessoa evolui consideravelmente do começo da adolescência até ali.

Mas, se não for ter mesmo… bom, aí é melhor aceitar logo a derrota e começar a colocar essa molecada toda na cadeia. Claro, eles vão sair MUITO piores (estão na idade IDEAL para aprender) e a criminalidade VAI aumentar, mas… ei… quem quer viver na lama não pode reclamar se ficar mais sujo, não é mesmo?

O brasileiro médio parece ter desistido. Não sei se o culpo ou se tenho pena dele. Talvez ambos.

Para contar sua história de superação e perder o ponto do texto, para dizer que já desistiu faz tempo, ou mesmo para dizer que agora muita coisa começa a fazer sentido: somir@desfavor.com


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