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Textão.

Textão.

| Sally | | 51 comentários em Textão.

Texto é coisa do passado. Texto já era. A nova mídia é composta por imagens, preferencialmente vídeos. Texto anda tão em baixa que está sendo tratado até de forma pejorativa nas redes sociais: “textão”, como se escrever um texto longo (e para essa gente, logo é acima de 140 caracteres) fosse um demérito. O texto está em baixa. Nós estamos em baixa.

Desponta uma geração com a concentração de um peixinho dourado, graças às dezenas de estímulos às quais são submetidos diariamente. Uma geração que nasceu com uma tela touch na frente dos olhos desde a mais tenra idade, fruto de pais irresponsáveis que não sabem os danos (já comprovados!) que isso causa aos filhos e em troca de alguns minutos de silêncio delegam a tarefa indelegável de brincar e distrair a criança a um eletrônico.

Essa geração sem foco, sem atenção e sem senso crítico, precisaria mais do que qualquer outra ler textos interessantes. É sempre bom exercitar nossos pontos fracos, é isso o que nos torna melhor. Ninguém precisa se aprimorar naquilo que já faz muito bem feito. Mas os medíocres preferem repetir aquilo que fazem bem feito à exaustão para acalmar seus egos do que se enveredar pelo árduo caminho de exercitar seus pontos fracos. Daí a paixão pelos vídeos.

Um vídeo não demanda tanto da sua atenção quanto um texto, tanto é que pode ser visto enquanto se executam várias tarefas em paralelo. Um vídeo é fácil, rápido e não exige concentração (e raramente inteligência). Um vídeo é um texto contado, tal qual nossos pais faziam conosco quando éramos pequenos antes de dormir. Isto é, os pais presentes, porque tem uns aí que nem presentes em casa estavam quando o filho ia para a cama.

Tal qual crianças, os adultos parecem estar querendo que lhes contem as coisas: histórias, notícias e até mesmo opiniões prontas às quais possam aderir. Ler parece ser perda de tempo. Ler é mais difícil, muitos, mas muitos mesmo, não conseguem ler um texto do Desfavor inteiro, pois os neurônios não alcançam e a concentração de uma ameba impede que fiquem dez minutos totalmente dedicados a uma única coisa. Triste.

A saída dos medíocres em situações onde simplesmente não conseguem é sempre a mesma: desvalorizar. “Lá vem ela escrevendo textão”. É ruim um texto ser quatro páginas? Filho, como você se formou na faculdade? Eu para me formar tive que ler muito mais de quatro páginas, muito mais de quatro mil páginas. Sabe, que tipo de profissional você é que resiste a textos longos? Um bom profissional, de qualquer área, precisa estar constantemente lendo livros e mais livros inteiros. Estudos científicos em outros idiomas, revistas especializadas e tantas outras fontes que em muito excedem as inocentes quatro páginas do Desfavor.

Que tipo de profissionais essas pessoas são? Profissionais de merda. Profissional que não lê livro é um profissional de merda, desculpa a sinceridade. Livro não é plus, livro não é luxo, não é opcional. Sim, existem coisas que só se aprendem na prática, mas existem coisas que também só se aprendem nos livros. Quem não lê é um medíocre e mau profissional.

Por muitas vezes ao longo desses seis, quase sete anos, tive rompantes de “chega dessa merda, vamos ganhar dinheiro com o Desfavor, quero fazer o que eu gosto como ganha-pão”. Somir, muito paciente comigo, sempre repete a mesma coisa: para ganhar dinheiro, a mídia da vez é o vídeo. E, segundo ele, eu venderia muito bem em vídeo, seria só querer. Infelizmente o que eu gosto de fazer é escrever. Infelizmente minha cachaça é ficar atrás da câmera e não na frente dela. Infelizmente não entendo essa egolatria de estar se mostrando, se fotografando, editando as próprias fotos, esse brilho no olhar de se ver em um vídeo ou em um meio de comunicação. Quão cagada é a autoestima de uma pessoa que gosta disso? Muito. Chego a nutrir um desprezinho por isso. Estou pobre? Certamente. Mas essa sou eu, eterna otária.

Então, vejamos: eu, pessoa que lê, pessoa que se esforça, pessoa que estuda, estou aqui na minha e não jogo pedras em quem se sustenta na base de foto no Instagram, sem maiores conteúdos. Mas não, vem os medíocres jogar pedras em quem estuda. É o poste mijando E cagando no cachorro, não é não? Quem escreve textos longos agora é ridículo: textão. Quem escreve texto longo, e, acreditem, quatro páginas é considerado longo, é um chato que faz textão. Só observo. Em breve quem usar palavras para se comunicar vai ser chato. Qual será o apelido para quem escreve palavras? Palavrão? O lendário texto premonitório do Somir vai se concretizar e as pessoas vão falar só com desenhos.

Não duvido nada que na pressa e mediocridade dessa nova sociedade que se desenha em breve as pessoas estejam “falando” só com emojis e ridicularizando quem escreve frases. Reductio ad absurdum? Pode ser, mas da forma como as coisas vem mudando em pouquíssimo tempo ultimamente, não duvido. Voltaremos aos tempos das cavernas, onde contávamos uma caçada desenhando bonequinhos, lanças e um tigre. Parabéns pela involução. Espero não estar viva para ver.

Sim, é bem verdade que muitas pessoas que decidem escrever um texto “longo” hoje em dia o fazem sem conteúdo: textos para se promover, se vitimizar ou falar achismos sem o menor fundamento. Mas a culpa é das pessoas, não do formato.

É raro encontrar textos bem embasados, onde a pessoa babaca perdeu tempo pesquisando, mastigou o conteúdo e o devolveu de forma palatável e gratuita para o mundo. Mas, no caso, a crítica não tem que ser ao tamanho do texto e sim ao conteúdo vazio com muitas páginas preenchidas. Um texto longo ou um texto com opinião pessoal não devem virar um “textão” automaticamente. A maioria o é, mas poxa, dá licença, ainda tem gente escrevendo bacana.

Essa coisa de “textão” está criando um preconceito babaca contra a escrita, contra a exposição de opiniões e contra a leitura em si. Um desserviço a uma sociedade cada vez menos leitora. Textão é o caralho, eu escrevo TEXTOS e babaca é quem se restringe a 140 caracteres ou apenas a vídeo, pois diversidade enriquece. Textos longos são necessários para aprendizado e aprimoramento pessoal por toda a vida, e quem não consegue encará-los tem um grave problema cognitivo. Não venham meter o malho nos textos para parecerem menos burros. Se você anda lento textão, selecione melhor as suas fontes, e não o formato da mídia. Longa vida aos textos!

Para reclamar que foi um textão, para dizer que bom mesmo é um “textículo” ou ainda para deixar um textão nos comentários: sally@desfavor.com


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