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Paga pau.

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| Somir | | 12 comentários em Paga pau.

Há muito tempo ouço e leio se falar sobre a disparidade entre salários de homens e mulheres, eles ganhando em média mais do que elas. Dados e argumentos contra essa diferença, dados e argumento a favor dela! E por mais que seja estranho mencionar isso, há méritos dos dois lados. O problema, como sempre, é entender as informações.

Vamos começar o assunto pisando um pouco no calo das mulheres. Não é Flertando com o Desastre à toa… se vocês me derem o benefício da dúvida por enquanto, garanto um final bem razoável. Pois bem… mulher ganha menos porque não se valoriza o suficiente no mercado de trabalho. Mulher ganha menos porque escolhe profissões de menor risco físico. Mulher ganha menos porque tem um foco maior em família. Mulher ganha menos porque a natureza escolheu seu corpo para realizar o “milagre da vida”.

Com exceção da última, que é inescapável, as outras tem muito a ver com as escolhas que elas fazem. E sim, tem machismo nessa conta. Mas vamos abstrair isso por enquanto, em prol do entendimento do ponto: se você solta uma vaga no mercado e pede currículos com pretensão salarial, adivinha qual dos sexos tem a pedida média mais baixa? Sim, eu sei que temos variáveis importantíssimas em jogo aqui que estão sendo desconsideradas, mas mulheres tendem a cobrar menos dinheiro pelo seu trabalho. Receber menos parece um fato de vida para muitas delas, e o único jeito de combater de igual para igual com currículos de homens é se vender mais barato.

“Porra, você mesmo disse que elas são obrigadas e diz que é escolha?” Bem apontado. Mas eu te pedi para ir com calma. Você presumiu que as escolhas eram essas, mas vai ver que não é disso que eu falei.

Mais uma coisa, mulheres dominam o mercado de trabalho em áreas como educação infantil. Mas você raramente vai ver uma limpando fossas sépticas. Muitas dessas contas que exibem a diferença entre rendimentos de homens e mulheres levam em conta médias de trabalhos distintos. Trabalhos considerados mais difíceis do ponto de vista físico – seja pela força necessária ou pela insalubridade imediata – são historicamente mais bem remunerados. Homem ou mulher, ninguém gosta da parte de arriscar a própria vida a cada turno de trabalho. Bote isso na conta da burrice ou da coragem masculina, mas no final do dia quem se afunda de merda para as coisas funcionarem normalmente tem um pênis.

“Vai se foder! Carregar peso é um trabalho bem menos complexo do que cuidar de crianças!” Novamente, enxergo o ponto. E agora você está começando a entender sobre o que eu quero falar…

Numa estrutura um pouco mais tradicional de família, o ônus FINAL da criação dos filhos recai sobre a mulher. Não digo que homem não tem obrigação de ajudar, mas a última linha de defesa de quase todas as famílias é uma mulher. Tem muita desnaturada por aí, mas na média quem vai mandar o trabalho à merda se ele a impedir de cuidar da família é a mulher. Homens inclusive contam com isso para funcionarem com 110% no trabalho. Isso é louvável da parte das mulheres, mas do ponto de vista de quem tem uma empresa para cuidar… o lucro não se importa com a estrutura familiar de ninguém. O lucro precisa continuar fluindo. Existem vantagens em contratar homens, principalmente na faixa etária que já se presume filhos.

“Sério? Quem é mais desnaturado merece ganhar mais?” Não. E agora chegamos onde eu quero. Muita gente vai argumentar sobre a correção do sistema de pagar menos para elas com argumentos muito parecidos com os quais eu acabei de colocar neste texto.

Se falarmos de equiparação forçada de salários entre os sexos, estamos tratando sintomas. A doença vai bem mais fundo, bem mais. Ao forçar os salários a serem iguais, estaremos criando MAIS um ônus para contratar uma mulher, ao invés de tratar da percepção errada que elas estão em dívida. Mulher vai continuar se valorizando menos, preferindo trabalhos de menor risco físico e ainda vão ter o bom senso de não colocar uma porcaria de uma empresa na frente da sua família. E ainda vão ter que receber mais.

A não ser que tenhamos cotas igualitárias obrigatórias para todos os postos de trabalho, vai ficar ainda mais fácil escolher um homem para a vaga. Se tem que pagar o mesmo para os dois, eu vou escolher o otário que se acha invencível e se mata para dar dinheiro para a empresa! E é aqui que eu vou muito fundo: do jeito que a sociedade humana desenvolveu-se, as mulheres acabaram com o trabalho de manter tudo funcionando no aspecto social, e os homens na infraestrutura e desenvolvimento tecnológico. Perca uma das variáveis dessa equação e não chegaríamos a resultado algum.

Já surgem indícios que as primeiras sociedades humanas eram igualitárias. O homem da pedra não era necessariamente machista ou feminista. E como tudo ainda era muito bagunçado, todo mundo fazia tudo. Como especialização é um dos nossos fortes como espécie, essa coisa de “trabalho de homem” e “trabalho de mulher” foi desenvolvida analisando pontos fortes e fracos de cada um.

Podem me chamar de machista (ou feminista, sei lá), mas do jeito que eu vejo, o desenvolvimento humano aconteceu mais ou menos como uma pilha de pedras: os homens com o trabalho de trazer mais pedras, as mulheres com o de equilibrar essa porra toda para não deixar desabar. Do jeito que a coisa se desenvolveu, a pilha ficou tão alta e resistente que nem parece mais tão complicado assim equilibrá-la. Estamos tão confortáveis com a ideia de que a sociedade “pegou” que o trabalho histórico das mulheres começou a soar menos… trabalhoso.

E nos pegamos hoje em dia achando que soldar canos submarinos é mais valioso do que educar crianças. O risco da pedra rolar pilha abaixo ainda parece real, o da pilha desabar de uma vez não. Não estou advogando aqui que homem e mulher tem obrigação de escolher trabalhos mais parecidos com suas funções históricas, acho que essa fase já passou mesmo. Século XXI e tudo. Mas as profissões ainda tem esse ranço de valor ligado ao seu gênero. O foco em infraestrutura e tecnologia deixou a parte social de lado.

Elas sempre foram complementares. A mulher que solde o cano, o homem que cuide dos pequenos… não é isso que importa. São os conceitos de valor. Nenhum trabalho é necessariamente masculino ou feminino, a divisão de funções por sexo foi criada por nós. Até por isso eu nem acho ser mãe um trabalho como qualquer outro: é uma função básica da espécie que necessariamente só acontece no corpo feminino.

Eu talvez esteja soando meio confuso nesse momento. Permitam-me recapitular: estou dizendo que a diferença de pagamento entre homens e mulheres existe e é um jogo viciado contra elas. Mas estou dizendo também que a base disso não é a desvalorização do sexo feminino, e sim da função que elas assumiram no desenvolvimento da sociedade humana. Se você tentar a equiparação forçada com base em genitália, a tendência é arranjar mais problema ainda. Porque você cria mais um problema para a contratação de mulheres e mantém marginalizados vários empregos que deveriam ser mais importantes.

Querem brigar por pagamento igualitário por trabalho igualitário? Podem e devem, mas mesmo assim mulheres vão continuar recebendo menos em média. É o conceito de infraestrutura física e social. A social se desvalorizou. O trabalho de manter coesa a humanidade – o que desemboca em cobrar menos, escolher trabalhos menos perigosos e dar prioridade à família – é menos valorizado do que o de construir pontes! Ambos tem que ser valorizados, independentemente de qual seja o sexo de quem os faz. Uma política de valorização de empregos mais “sociais” atacaria no cerne do problema. E melhor, passaria debaixo dos radares dessa gentalha chata que fica enxergando perseguição em tudo, homens e mulheres.

Alguém precisa construir a ponte, alguém precisa ajudar as pessoas a não se jogar dela. Foda-se se é homem ou mulher, o importante é que tenha gente de capacidade cuidando de cada uma dessas funções.

Para dizer que só não me xinga porque não entendeu, para dizer que não entendeu e vai me xingar, ou mesmo para dizer que uma mulher receberia menos do que nada para escrever este texto: somir@desfavor.com


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