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Vícios.

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| Sally | | 34 comentários em Vícios.

Hoje o Desfavor comemora o Dia dos Fracos. Em homenagem, hoje a Tia Sally explica para vocês direitinho o que são e como funcionam os vícios. A fascinante jornada de um ser humano rumo à dependência de uma substância ou mesmo de um comportamento. Se você é fraco ou lida com gente fraca, este texto pode te ajudar a pelo menos entender melhor como as coisas funcionam. Conhecimento é poder.

“Mas Sally, não é feio chamar viciados de fracos?” Feio é mentir. Feio é o Belo(?) chupando manga. Todo mundo tem suas fraquezas, e uma das maiores é não reconhecê-las. Eu não bebo, não fumo, não me drogo, não preciso de nada do tipo para me sentir bem comigo mesma. Acho uma fraqueza precisar, dá licença?

Vício, no sentido da palavra, é um hábito repetitivo que causa prejuízos ao viciado ou às pessoas ao seu redor. Não precisa ser só relacionado às drogas, hoje em dia há muito mais que se considera vício. Pode ser maconha, pode ser vício em jogo ou sexo. Atualmente, até a internet vicia! O que une tudo isso é que o vício sempre gera recompensas cada vez menores em troca de sacrifícios cada vez maiores. E isso tem raiz no funcionamento do cérebro.

O cérebro é baseado num sistema de recompensas planejado para nos incentivar a fazer coisas úteis como nos alimentar, socializar e reproduzir. Quando fazemos algo “bom”, nosso cérebro dispara uma substância chamada dopamina. Dopamina nos faz sentir prazer. Chocolate e sexo liberam dopamina, por exemplo. Seja o que for que consumirmos ou fizermos, se libera dopamina, tem uma grande chance de ser repetido futuramente. Muitas vezes contra nosso bom-senso.

B. F. Skinner foi um psicólogo que ficou famoso pelos seus estudos sobre comportamento e a ativação desses centros de prazer no cérebro. Um de seus maiores legados para o estudo nessa área foi a Caixa de Skinner, onde um animal fica preso, sendo obrigado a fazer repetidas escolhas com recompensas e punições, até que desenvolva um comportamento baseado nelas. Num desses estudos, ratos foram ligados a eletrodos que estimulavam o centro de prazer do cérebro. Mas eles tinham que fazer uma escolha: se escolhessem o prazer, não receberiam água ou comida. Resumo da ópera? Os ratos morreram de prazer, mesmo com seguidas oportunidades de escolher o sustento ao invés da recompensa cerebral.

Não somos tão diferentes. Os vícios sempre começam com alguma forma de prazer, e é esse prazer ou a busca por ele que levam aos comportamentos danosos com o passar do tempo. A primeira dose normalmente causa uma surpresa ao corpo, os efeitos são poderosos porque não há nenhuma defesa contra o estímulo. Mas o corpo começa a se adaptar, porque o corpo humano não gosta de surpresas. Na próxima dose, alguma adaptação já ocorreu, o cérebro não é mais uma vítima indefesa.

E assim por diante. O corpo não permite mais que tanta dopamina seja liberada por estímulo, e os estímulos precisam ficar cada vez maiores e/ou mais frequentes. Tudo em busca daquela sensação inicial, que… spoiler: não volta mais. E se não bastassem às recompensas diminuírem a cada dose, ainda geram dependência no corpo. O corpo se acostuma, e não quer nada menos do que está recebendo. Existem dois tipos de dependência: a física e a psicológica.

A dependência física é resultado do costume do corpo de ter aquela substância. É como se seu organismo acreditasse que aquela coisa fosse parte integrante de seu funcionamento. Uma das mais comuns é a da nicotina, presente no cigarro. A nicotina se aloja no cérebro e começa a trollar os neurônios dizendo que eles precisam dela para funcionar, na verdade, ela se disfarça de uma função essencial do cérebro e começa a participar do funcionamento habitual dele como se nada. Quando alguém para de fumar, os neurônios ficam desesperados, achando que estão com um problema sério. O corpo é levado ao engano que a substância do vício faz parte dele naturalmente.

A dependência psicológica é um problema à parte. Não tem como explicar um vício em jogo com uma substância sacana invadindo o funcionamento do cérebro. Nesses casos, a mente prega uma peça na pessoa, liberando dopamina só quando fazem alguma coisa bem específica. É a Caixa de Skinner: tem que puxar uma alavanca para sentir prazer, e eventualmente a pessoa só consegue enxergar a alavanca. E como a dopamina é um recurso instintivo de recompensa por ações “corretas”, acaba tudo misturado num mesmo pacote. Alimentação, socialização, reprodução e apostar as economias da família num jogo de cartas: todos essenciais.

Falemos de drogas. Primeiro as legalizadas… o álcool é a maior droga desse mundo (com trocadilho, por favor). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam que o ser humano consuma 6.2 litros de álcool por ano em média. Eu não bebo, então algum de vocês deve ter bebido 12! E da população mundial, algo em torno de 8% bebem muito e com frequência. Outros estudos sugerem que algo em torno de 10% da FUCKIN’ população mundial são dependentes psicológicos de álcool. Mas pelo menos o tabagismo está em declínio, não é mesmo? Não. As empresas do cigarro estão ganhando mais dinheiro do que nunca com a abertura dos mercados emergentes. Existem… se segura aí… um BILHÃO de fumantes no mundo. 80% em países pobres, ainda segundo a OMS.

E temos as ilegais, com mais dados da OMS: 3.8% da população mundial consome maconha. Mais 1% depende de derivados do ópio. E juntando cocaína, ecstasy e anfetaminas, são mais 1,5%. Mas as campanhas contra o uso de drogas estão funcionando, não? Nããããoooo… A ONU estima que o uso de drogas ilegais vai subir 25% até 2050. De novo põe na conta dos países emergentes. O ser humano é uma porcaria muito fraca mesmo. Escravo com orgulho!

“Mas Sally, qual a substância mais viciante de todas?” Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, esse título fica com a heroína. O cérebro já vem de fábrica com um monte de receptores preparados para receber a substância. As substâncias derivadas do ópio (que vem da Papoula) agem de forma muito parecida com as endorfinas, responsáveis por reduzir dores e gerar prazer. Logo depois vem o crack, uma versão bastarda da cocaína. Como o crack gera resultados mais rápidos e mais intensos, o cérebro fica maluco por mais muito mais rápido. Além de tudo é mais barato e mais fácil de ser consumido. A terceira de lista é a nicotina. Eu já falei sobre ela acima, mas só quero deixar um recado: neguinho tem que ser muito BURRO para consumir a fuckin’ terceira substância mais viciante do mundo, não tem? E a cafeína? Nesse estudo não a colocaram, mas estima-se que ela esteja pau a pau com a anfetamina, dentro da lista das 10 mais. Cafeína gera dependência física e apresenta todos os sintomas clássicos de ausência. Tava achando que café não era droga?

Mas nem só de substâncias vivem os vícios. A cada dia se reconhecem mais comportamentos que podem ser considerados vícios, mas uma lista segura contaria com vícios em sexo, jogos, comida, compras, trabalho, video games e internet. Todas coisas que normais de se fazer, mas que quando viram obsessão, viram a vida do cidadão de cabeça para baixo. É aquela coisa de começar a fazer parte do que o cérebro considera básico e obrigatório fazer. E também a questão de recompensas menores por sacrifícios maiores. Comprar um sapato a mais do que o cartão de crédito gostaria é uma coisa, comprar vinte porque você só se sente completa se consumir é outra coisa completamente diferente.

Não sou de fazer pouco dos problemas dos outros, até porque não gosto que diminuam os meus (“ela tem mais medo de você” o seu cu), vício é coisa séria e precisa de muito cuidado. Pessoas que ficam sem o alimento de seu vício podem apresentar sintomas físicos e psicológicos severos. Taquicardia, hipertensão, dores, irritabilidade, náuseas, insônia, ansiedade, depressão e vários outros. Esses problemas não são imaginários, o corpo reage com força quando sente a ausência de algo que considerava tão vital para seu funcionamento.

Tem um programa ruim/ótimo no TLC chamado chamado “Meu Vício Estranho”, é uma viagem antropológica pela fascinante mente humana: tem desde uma mulher viciada em cheirar fraldas sujas (eu quase tive um colapso assistindo) até um cidadão viciado em fazer sexo com carros (se bem que pensando bem nem é tão estranho, eles só faltam fazer isso mesmo normalmente). Pessoas viciam em uma enormidade de coisas diferentes, mas normalmente sempre pelos mesmos motivos: dopamina e falta de força de vontade e disciplina pessoal.

Como tratar vícios? Existem várias abordagens. Desde drogas que substituem o vício por outro, um mais fácil de controlar e com menos consequências para a vida social do viciado até mesmo o arriscado método de simplesmente parar. Métodos mais focados na parte química do controle do vício tem resultados melhores em média do que os baseados em pura força de vontade. Quanto mais disponível a droga ou o comportamento que desencadeia o vício, mais difícil é parar sem ajuda.

Muita gente faz ponto de honra em não utilizar as ferramentas disponíveis pela medicina para controlar seu vício. Eu fico impressionada com quem consegue parar com suas drogas ou comportamentos viciantes só pelo querer, mas ninguém é obrigado a sofrer por sofrer. Existem formas de se ajudar, é muito importante procurar ajuda especializada. Porque no final das contas o que vale mesmo é se livrar do vício.

Para dizer que seu vício é o desfavor, para dizer que esse Dia dos Fracos foi fraco, ou mesmo para me perguntar se eu não sou viciada em chocolate: sally@desfavor.com


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