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Escorraçada.

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| Desfavor | | 34 comentários em Escorraçada.

+Rachel Dolezal, líder ativista e presidente da filial de Spokane –no Estado americano de Washington– da associação NAACP, uma organização ligada aos direitos das minorias étnicas dos Estados Unidos, renunciou ao cargo nesta segunda-feira (15) após sofrer acusações de se fazer passar por afro-americana, apesar de ser branca.

Hã? De qualquer lado que se olhe, essa história soa como desfavor da semana.

SALLY

Que Desfavor, hein Dona Rachel Dolezal? Passando a ideia de que para defender negros de forma válida é necessário ser negra!

Poderia muito bem ter se mantido loirinha e ainda assim ter lutado pela causa negra, caso seu desejo final fosse combater a desigualdade racial, assim como eu combato homofobia com unhas de dentes desde sempre, mesmo sem ser gay (infelizmente). Mas não, ela se fez passar por uma negra, não apenas emulando uma aparência falsa como também mentindo descaradamente. Isso me leva a crer que o ativismo é apenas um pretexto para algum ganho secundário que ela tinha ao se dizer negra.

Rachel passou vergonha. Declarou que era filha de negro, mostrando inclusive uma foto do seu suposto pai. Mas mentira tem perna curta e a verdade veio à tona: seus pais são brancos e, quando confrontada sobre a verdade por um repórter, ela simplesmente fugiu, feito uma criança flagrada no erro. Os próprios pais da moça foram a público dizer que eles são brancos e que ela não apenas é branquinha, com nasceu loira, de cabelo liso e olhos claros.

Nas palavras da própria mãe, “Rachel está sendo desonesta”. Rachel diz ser um mal entendido e que tudo seria esclarecido em uma entrevista nesta semana, só que, adivinha, desmarcou a entrevista na última hora. A ONG acha bonito mentir e disse que está ao lado dela, pois “para defender o direito dos negros não é preciso ser negro”. PORRA, foi justamente a mensagem oposta que Rachel passou e, de mais a mais, o que se critica não é a defesa da igualdade racial e sim uma mentira deslavada.

Em uma declaração truncada, ela apelou para resposta SomirStyle, relativizou o irrelativizável e chamou o público de burro: “É complexo, muitos não entenderão. Todos viemos do continente africano”. Tá bom, Sua Linda! #SomosTodosNegros. Vou sair por aí dizendo que sou parente do Papa Francisco porque todos descendemos de Adão e Eva!

Não dá para acreditar nas boas intenções de alguém que mente dessa forma. Que consegue cargos ou empregos mostrando uma foto de um pai negro falso. Com esse status ela conseguiu virar professora de estudos africanos de uma universidade e a presidência de uma associação que luta por igualdade racial. Ela colhia frutos dessa mentira.

Acuada com as críticas, ela apelou: disse que se sente negra. Disse ainda que se identificava com o drama de Caitlyn Jenner, que recentemente mudou do sexo masculino para o feminino. Ela está se pintando como uma transgênero, na verdade, uma transraça. Nem duvido que isso exista, mas duvido dela, pela desonestidade como conduziu o processo.

Esse show todo expôs diversos desfavores: ninguém percebeu que uma ativista relativamente famosa se dizia negra e não era negra e, quando a verdade foi esfregada na cara das pessoas, muitas se comovem com um pretenso sofrimento e apagam o fato de que ela se beneficiou (e muito) dessa sua negritude adquirida. Nas palavras dela: “como mulher branca não teria tido a oportunidade de fazer as mesmas experiências”.

Quer ver que essa mulher vai sair por cima? Mentiu em benefício próprio e agora posa de vítima para não arcar com as consequências da sua mentira. Um mecanismo nojento, que dá cada vez mais certo. Quem planta merda colhe bosta e acho inadmissível que a pessoa seja poupada dessa bosta por se vitimizar. Passarinho que come pedra sabe o cu que tem! E assim seguimos nesse padrão social: a pessoa caga feio e na hora de pagar o preço da cagada que fez, demonstra sofrimento e a sociedade dá um desconto, afinal, “ela já está sofrendo”.

Continuem fabricando hordas de vítimas que, quando chamadas a pagar a conta, choram e acabam comendo de graça. Recompensem o estelionato, tá certo, tá certinho. Pelo visto o fato de ser ativista de qualquer merda faz pairar sobre a pessoa a presunção absoluta de caráter. Tem estelionatário em todos os lugares, inclusive infiltrados em instituições boas, emulando boas intenções, com o objetivo de obter benefícios pessoais. As pessoas parecem ter medo de jogar pedras em ativistas. Seriam os ativistas um novo grupo de Intocáveis?

Querem ouvir uma coisa engraçada? Ao longo dos anos, Rachel registrou várias queixas na polícia alegando intimidação e molestamento por motivação racial. Isso mesmo, uma branca travestida de negro mobilizando a polícia por crimes de racismo. Tem ou não tem um benefício próprio aí?

O problema de flagrar uma pessoa em uma mentira bizarra é que começamos (ou deveríamos a começar) a nos perguntar se TUDO que a pessoa diz não é mentira. O irmão biológico de Rachel responde a um processo iniciado por ela, com base no depoimento dela, onde é acusado de molestar sexualmente um irmão adotivo que… adivinha, é negro. Dá para confiar? Dá para acreditar? Olha quanta confusão no entorno dessa mulher. Gente envolvida em muita confusão é um sinal de alerta.

O que vemos é Rachel, de um lado, contando uma história fantasiosa, novelesca, porém mais agradável (“desde os cinco anos me desenhava com giz e cera marrom, eu sempre me vi negra” e “meus pai me puniam por causa da cor da minha pele”) e do outro uma história plausível mas desagradável, que além de expor a podridão humana expõe também nossa imbecilidade de acreditar se questionar (os pais com vários desenhos dela nas mãos, onde ela se retrata loirinha de olhos claros, dizendo que ela enganou todo mundo).

A sociedade reluta e busca encontrar uma explicação, uma justificativa, para o golpe de Rachel. Em um misto de despreparo e desamparo, tentamos negar que vivemos em um mundo de merda repleto de pessoas de merda. Em um misto de arrogância com negação nos apegamos a qualquer explicação que não faça de nós imbecis completos que se deixaram enganar feito crianças. A recusa em ver a verdade é violenta quando essa verdade faz de nós idiotas, só não percebemos que isso nos faz mais idiotas ainda. Passou da hora de admitir que, de tempos em tempos, somos trouxas, a recompensa é boa: conseguir ver tudo de um ângulo mais claro.

Para dizer que você se sente negro na hora do vestibular, para dizer que você se sente negro na hora do concurso público ou para dizer que você se sente negro sempre que for conveniente: sally@desfavor.com

SOMIR

Temas assim parecem pequenos numa primeira análise, mas quanto mais mexemos nele mais estranho fica. Sally foi primeiro porque no ponto que ela pegou, não tenho muito o que adicionar. Tem muito problema nessa história de criar um sistema que premia a vitimização acima de tudo, é bizarro o que essa mulher fez e um sintoma de um sistema confuso demais sobre sua sanha pelo politicamente correto. Mas, vamos pegar outro rumo, nem que seja pela argumentação:

O que importa a raça dela?

Num mundo ideal, ela poderia ter se tornado líder ativista e presidente de uma sociedade de defesa dos direitos dos negros mesmo sendo loira de olhos azuis. É a cor da pele que define a competência para lutar por algo assim? Eu sei que a mentira tem peso, mas dá para reduzir esse tema até o ponto onde ela não pode continuar no seu cargo por ter nascido com a cor errada. E isso também deveria ser absurdo!

E é aqui que começamos a notar as perigosas sutilezas da questão racial nesse mundo. De um lado o conceito justo de direitos iguais para todos por seres humanos, baseado na ideia de que somos todos iguais; de outro, a clara diferenciação estética e social entre seres humanos de acordo com sua procedência genética. Somos todos iguais, mas somos diferentes. Tudo ao mesmo tempo. Já deveríamos ter passado dessa complicação toda há muito tempo, mas a humanidade ainda precisa lamber muitas feridas.

Se somos iguais, a única coisa que importa é a qualidade do trabalho de Rachel. Podia ser verde com bolinhas amarelas e mesmo assim fazer muito pela causa dos direitos iguais e das possíveis reparações necessárias para compensar as barbáries do passado (e também do presente). Se a única raça é a raça humana, bastava lutar pelos direitos humanos e corrigir injustiças históricas, todos em uníssono. Nem seria necessária uma entidade como a NAACP, afinal, estaríamos juntos no mesmo ideal.

Se somos diferentes, aí sim faz muito sentido que cada um defenda sua própria causa e tente conquistar o máximo de vantagens possíveis para o grupo que representa. Nesse caso, pode-se desconfiar de alguém lutando por outro time. Com que objetivos? Talvez até pior do que desconfiar de sabotagem, a ideia de que alguém se fez passar por minoria por achar mais fácil agir feito vítima e exigir vantagens apropriando-se do sofrimento alheio. Nasceu branca, não merece ganhar nada em troca disso, afinal, estamos num mundo onde há claras vantagens para quem faz parte dessa “maioria” (não numérica, mas de poder).

Agora, se somos ambos, iguais e diferentes… onde se traça a linha de imutabilidade da própria raça? O conceito de identificação com outra raça soa bizarro, mas é um resultado da ideia de que existe o visível e existe o que é construído por preconceitos. Se a raça designada pela genética é uma prisão, como podemos alegar estarmos acima dela? O transracial é muito estranho, mas é um subproduto de uma mentalidade benéfica para a humanidade: a do reconhecimento das diferenças dentro de um grupo comum. O que importa não é ser humano? Então pode ser azul e dizer que é branquelo e mesmo assim não modificar a base na qual se merece respeito.

Mas ainda estamos presos num conceito mesquinho de embate racial, incentivado por todos os grupos envolvidos. Quem nega o preconceito e quem se esconde atrás dele faz muito pela manutenção do status quo. Talvez sejam apenas as dores típicas do crescimento, e tanto o racista quanto o ativista ainda precisem de mais terreno comum para começarem a encontrar uma solução duradoura. Nesse meio tempo, temos gente adotando uma luta dolorosa para conseguir vantagens pessoais, e temos gente derrubando o conceito de igualdade entre humanos ao recriminar uma pessoa só por não ter a cor… certa.

Provavelmente tudo pode se resumir ao ser humano tendo dificuldades de se unir ao redor de qualquer conceito que não signifique vantagens pessoais de curto prazo. Pensar pequeno é algo que não se enfraquece com o passar do tempo. Existem jeitos mais trabalhosos de servir uma causa do que se fingir parte dela. Acaba sendo mais fácil vestir uma fantasia e usar a presunção de compreensão inata dos sofrimentos alheios para fazer parte desse grupo. Rachel fez algo reprovável ao mentir, mas o sistema que permite e/ou incentiva algo assim também não está livre de críticas.

E é claro, há uma peculiaridade americana aqui: a facilidade com a qual se categoriza alguém pela sua raça. Brasileiro faz coisa feia ao inventar mil nomes diferentes para sua cor de pele por não querer se enxergar negro ou mestiço, mas pelo menos aqui ninguém tem pudores de olhar pra uma pessoa como Rachel e dizer que ela não era negra. Será que muita gente não percebeu antes que tinha algo de estranho nela e ficou sem coragem de confrontar? Talvez o medo de ser visto como intolerante tenha empurrado uma impostora óbvia anos a fio sem confrontação. Auto enganação tão poderosa que influencia a visão alheia.

Ainda não sabemos lidar com cores de pele diferentes. Por falta de respeito ou excesso de zelo, o exagero aparenta ser o principal culpado. Somos iguais, diferentes… ou nada disso?

Para dizer que adora texto que termina em pergunta, para dizer que agora não sabe mais quem é racista, ou mesmo para dizer que ela seria chamada de desbotada por essas bandas: somir@desfavor.com


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