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A menor maioria.

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| Desfavor | | 39 comentários em A menor maioria.

+Apenas 24 horas após o plenário rejeitar a redução da maioridade para crimes graves, a Câmara dos Deputados colocou novamente o tema em votação e aprovou na madrugada desta quinta-feira (2) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

Não precisa nem pensar no tema, só olhe para a forma como ele foi tratado. Desfavor da semana.

SALLY

Primeiro alguns pingos nos “is”: a redução da maioridade penal não foi aprovada em definitivo, foi dado apenas um primeiro passo, com UMA aprovação na Câmara dos Deputado. Ela ainda deve ser votada novamente na própria Câmara e depois, votada em dois turnos no Senado também, em todos os casos, de uma forma muito rigorosa. Ou seja: NEM TÃO CEDO.

Outro ponto importante: defendendo ou não seu mérito (não vou entrar nele), ela é inconstitucional. Não se pode emendar a Constituição com algo que vá de encontro a ela e a seus princípios, por mais que a ideia seja boa e/ou necessária. São critérios legais. Por isso, passando ou não, ela dificilmente vai se integrar ao ordenamento jurídico, será declarada inconstitucional pelo STF e nunca terá aplicação.

Terceiro: todo mundo soltando os cachorros, esbravejando, para sim ou para não, seja sobre a eficácia da redução seja sobre forma como a votação foi feita, mas nem 1% das pessoas que abrem a boca tem a mais pálida noção do processo legislativo brasileiro: cláusulas pétreas, inconstitucionalidade, quórum, prazos, formalidades legislativas… NADA. Como sempre, todo mundo tem opinião formada, mas conhecimento que é bom, porra nenhuma. Poderia ser feita essa segunda votação? Não poderia? Só ouvi achismo sem embasamento.

Não vou entrar no mérito nem da segunda votação nem da redução da menoridade, sobre isso já tem gente demais falando e, vocês sabem, a proposta aqui é trazer sempre um novo ponto de vista. SE for aprovada eu explico exatamente no que isso implica, para bem e para mal. Mas enquanto não se integrar ao ordenamento jurídico, prefiro falar do desfavor que está acontecendo agora. Qualquer indicativo de que eu estou tomando partido de um dos lados está apenas na sua cabeça.

Apesar da causa do grande estresse ser, oficialmente, a birra de Cunha de colocar em votação algo que já havia sido rejeitado, isso esconde uma ferida aberta. Na votação “oficial”, aquela que estava prevista no cronograma, todo mundo votou conforme o posicionamento do Governo: contra a redução da maioridade penal. Curiosamente, as mesmas pessoas votaram de forma diferente ao ser colocado em pauta um projeto praticamente igual.

Isso me leva a pensar que o PT ainda trabalha na base do mensalão, que nossos parlamentares não votam de acordo com sua livre convicção, como deveria ser. Votam norteados por subornos, tráfico de influência, troca de favores e outras baixarias. Como teve acordão para a primeira votação, mas não para a segunda, que foi surpresa, os resultados saíram diferentes.

Na minha nunca humilde opinião, é aí, exatamente aí, que reside o desfavor da semana. Não é hora de debater os prós e contras da redução da menoridade penal, é hora de se perguntar por qual motivo os parlamentares votaram de formas tão diferentes, horas depois, um projeto semelhante, que, na essência, se mantinha o mesmo.

A primeira proposta, a que foi rejeitada, previa a redução da maioridade penal nos seguintes casos: 1) crimes cometidos com violência ou grave ameaça 2) crimes hediondos 3) homicídio doloso 4) lesão corporal grave ou seguida de morte, 5) tráfico de drogas ou 6) roubo qualificado. A segunda proposta que foi aprovada aceita reduzir a maioridade penal nos casos de 1) crimes hediondos 2) homicídio doloso e 3) lesão corporal seguida de morte.

Eu entendo quem acha que tem que reduzir a maioridade penal, mesmo não sendo a solução ideal, como forma de colocar algum freio, qualquer freio na barbárie que virou a nossa sociedade. Eu também entendo quem é contra por temer que bandidos recrutem crianças ainda mais jovens e que aqueles que sejam presos virem ainda mais bandidos. O que eu não entendo é o fato de alguém achar que tem que prender em caso de lesão corporal seguida de morte mas não tem que prender se for uma lesão corporal gravíssima, que deixe a pessoa em coma ou incapacitada para a vida toda. Sério mesmo, quais são os critérios?

Cheguei a cogitar que essas mentes brilhantes nem saibam no que estão votando. Isso no Brasil é sempre uma possibilidade. Se você não é contra o instituto da redução da maioridade penal, por qual motivo acha que o crime de tráfico, análogo a crime hediondo segundo o próprio Código Penal, não é motivo suficiente para prender alguém? É uma questão que só encontra análise lógica do ponto de vista global: ou se acha que prisão de menor melhora a sociedade, ou acha que prisão de menor piora a sociedade. Esse meio termo bizarro que eles encontraram selecionando alguns crimes dentre vários inaceitáveis não faz o menor sentido.

De dois um: ou não entenderam bem no que estavam votando, ou na segunda votação não estavam subornados. Talvez ambos. Em todos os casos, deprimentes. É assim que nossas leis são feitas, por idiotas sem compreensão subornados. Essa ideia transcende a discussão sobre prós e contras da redução da maioridade penal. Isso mostra que nunca nada dará certo no Brasil por nascer em um berço cagado.

Mas isso ninguém discutiu. As redes sociais ficaram polarizadas novamente em duas facções, a favor e contra, que em vez de discutir o mérito do assunto ficaram se agredindo, herança dos órfãos do futebol brasileiro que não sabem para onde canalizar a rivalidade. A imprensa parece ter pego uma única fonte base e publicar variações dessa mesma notícia, mais ou menos como se fazia no colégio quando se copiava uma redação: muda alguns detalhes para não parecer cópia, mas é tudo a mesma merda.

O grande problema ninguém discute. Atacam o sintoma, e não a doença. Tem algo muito maior, muito mais gritante, urgente e aviltante acontecendo, mas as pessoas estão muito en-tre-ti-das (é assim que se fala) polarizado, rivalizando, levantando bandeiras. O importante é “ganhar” a discussão, nem sequer provando que o “seu lado” está certo, mas jogando merda no lado contrário.

Assim vamos, com um Congresso que não vota direito, por um motivo ou por outro. Leis que nascem tortas, deformadas, mortas. Não há solução para este país enquanto as coisas continuarem assim. Não há “alto astral”, pensamento positivo nem esforço da população que solucione uma danação como essa. Hoje, no Brasil, a lei nasce para ser COMPRIDA. Parafraseando Rogerio Skylab: “a esperança não existe, a esperança é o caralho”.

Para dizer que nem vai divulgar o texto pois ninguém vai alcançar o que realmente estamos querendo dizer, para se conscientizar da necessidade de sair do país para uma existência digna ou ainda para informar que deixou de acompanhar política para não se deprimir: sally@desfavor.com

SOMIR

Claro que o tema votado importa, mas a forma como essa votação aconteceu soa errada mesmo se estivessem votando o aumento do salário mínimo. Escancara um sistema baseado em golpes, truques e negociatas onde nossos legisladores fazem tudo, menos o trabalho para o qual foram contratados.

Quem já leu sobre o assunto aqui sabe que temos nossa opinião, e é contrária à redução da maioridade penal. Que seja, opiniões todos podem ter; e é compreensível que a sociedade debruce-se sobre o assunto com maior interesse. Ainda mais num país extremamente inseguro como o Brasil. Se você acha que vai resolver ou não, sua prerrogativa. Agora, há de se entender a necessidade de procedimentos legais e um método racional e compreensível de tentar modificar os rumos desse país.

Tire isso e só temos gente berrando de todos os lados. Uma cacofonia de gostos e ideias ancoradas mais no aspecto emocional, trabalhando os instáveis humores de uma população pouco instruída em benefício próprio. Quando a Câmara dá um “jeitinho brasileiro” num processo com regras claras, está fazendo pouco não só da sua instituição (cagada) como do Estado que representam.

Vimos circo em todo o desenvolvimento da PEC (Proposta de Escaralhamento da Constituição), com os nobres deputados fazendo campanha antecipada ao oferecer ao povo o que o povo acha que quer, empurrando de forma panfletária o projeto e sendo derrotados por uma manobra da situação. Com o fim do voto secreto (eu avisei…) fica bem complicado votar em algo que julga humanitário, mas vai de encontro ao gosto por sangue de um povo brutalizado por… séculos… de descaso. Não dá pra convencer os deputados a votar contra a PEC, até porque eles tendem a perder sua chance de reeleição se ficarem marcados por serem “amigos dos bandidos”.

E se não dá pra fazer no convencimento, faz no truque. Deputados “sumiram” na hora H e a proposta não foi aprovada na primeira tentativa por falta de quórum. Algo que se propõe a disputar uma cláusula pétrea da Constituição não é aprovado de qualquer forma. Mas nada temam! Com um outro truque, a oposição fez seu milagre e ergueu dos mortos a PEC, dando-lhe uma nova chance. Dessa vez não dava mais para “fingir contusão” e todos tiveram que jogar.

Com a manobra, vitória da PEC, que segue agora para o Senado. A situação deu um golpe para pará-la, a oposição deu um melhor ainda para passá-la, e chegamos à conclusão que no final das contas, o tema é o que menos importa. O que vale nesse país é saber jogar o jogo e tirar vantagem de qualquer assunto que gere mídia. Eu até engulo que tenhamos uma maioria de imbecis no Legislativo, já que eles por definição são os representantes do povo. Querem tratar anemia com maquiagem? Tá bom, males do sistema democrático. Mas precisa ser uma palhaçada até mesmo no processo até lá?

Acabamos sempre batendo na mesma tecla: o Legislativo se afastou de sua função primária e agora se parece com bando de engravatados jogando num (caro) tabuleiro um jogo que só diz respeito a eles mesmos. Lutam por votos e status dentro de seu círculo, carregados por partidos mais interessados em dinheiro e poder do que realmente agir em benefício do país que os abriga. Sally sempre disse que é virtualmente impossível algo do tipo realmente ser posto em prática pelas nossas leis vigentes, mas no país do jeitinho tudo parece contornável se souberem pressionar e subornar as pessoas certas.

O sistema existe em benefício próprio, onde as leis existem como regras quebráveis de acordo com a necessidade momentânea. O sistema só precisa do povo de quatro em quatro anos, o resto se resolve por lá mesmo. Se a população não achasse tão bonito assim reduzir a maioridade penal, o assunto seria tratado com a mesma indiferença habitual. E mesmo achando, não é que acabou virando mais um braço-de-ferro entre uma situação enfraquecida e uma oposição oportunista?

Tudo o que aconteceu foi em benefício dos próprios deputados. É para isso que eles existem nessa conjuntura atual. Se a emenda vai reduzir a criminalidade, isso nem mesmo alguns dos defensores dela acreditam. Estão empurrando o argumento de maior punição, satisfazendo o desejo de quem está (justamente) puto com a falta de segurança do país e querendo QUALQUER coisa para pelo menos acreditar que tem solução.

Talvez muitos dos deputados sejam honestamente incapazes de enxergar a viabilidade da proposta na resolução do problema, mas mesmo assim, fazem o jogo e participam das negociatas porque tecnicamente, é isso o que eles acreditam estar fazendo ali: monetizando votos. Aparentemente ninguém acredita mais no processo devido. Nem os legisladores que jogam descaradamente com o futuro da nação, nem do povo que parece ter desistido da aplicação das leis vigentes e quer outras para pelo menos acreditar que essas serão cumpridas.

As ideias estão interligadas. O que aconteceu em Brasília está intimamente ligado com o que gerou a discussão sobre o assunto da maioridade penal: um sistema incapaz de fazer valer suas regras mais básicas e sempre em busca de soluções instantâneas para seus problemas mais enraizados.

Para dizer que pra quem não queria entrar no mérito eu entrei até demais, para dizer que acha que já leu esse texto antes, ou mesmo para dizer que em terra de cego quem enxerga só vê coisa feia: somir@desfavor.com


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