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Polêmica Que Pariu!

Polêmica Que Pariu!

| Desfavor | | 92 comentários em Polêmica Que Pariu!

+“Fui desafiada por uma amiga a postar três fotos que mostram como me sinto feliz e orgulhosa em ser mãe.” (…) A carioca Juliana Reis, 25, não só ousou rejeitar o desafio como admitiu que estava detestando ser mãe. (…) Logo, o post de Juliana teve milhares de curtidas e recebeu críticas, mas também mensagens de apoio. Em seguida, foi denunciado e bloqueado.

O blog onde reside o texto “O lado negro da gravidez” não poderia deixar esse tema passar batido. Desfavor da semana.

SALLY

Não havia a menor condição do Desfavor da Semana ser outro. Nem que o Pilha engolisse uma caixa de munição e saísse peidando bala pela Av. Paulista escrevendo “Sally eu te amo” com os buracos. Vamos falar de Juliana Reis, a mulher que foi trucidada no Facebook ao recriminar a idealização da maternidade.

Antes de ler o texto, leia aqui o exato depoimento de Juliana, para perceber que ela não é nenhum monstro nem falou nenhuma atrocidade. Ela apenas se recusou a participar de uma brincadeira que, no entendimento dela, idealizava a maternidade de tal forma que prestava um desserviço à sociedade e principalmente às mulheres. Foi o bastante. Mexeu com a sagrada instituição da maternidade, questionou certezas das quais as pessoas precisam para suportar esse calvário. Tirou o escudo da idealização que parece ser o último liame que une essas mulheres à sanidade mental. Fodeu a mariola! Partiram para cima dela, assim como partiram para cima de mim quando eu falei a mesma coisa.

No mesmo dia ela foi banida do Facebook, enquanto existem vídeos de assassinatos e coisas até piores correndo soltos por lá. Juliana não infringiu nenhuma regra, não cometeu crime, não desrespeitou ninguém. Sabemos que o Facebook não tem regras fixas como nós e tantos outros blogs têm, o banimento é feito de acordo com o incômodo que a postagem gera nos usuários: se muita gente denuncia alguma coisa, aquilo acaba banido. Logo, é correto afirmar que muitas mulheres em massa quiseram silenciar Juliana apenas por não concordar com ela. Mas elas foram além, silenciar não bastava.

Em sua postagem ela mostra o lado negro da gravidez e da maternidade. Sabemos bem o quanto isso desperta a ira. Nós, que éramos um bloguinho pequeno à época, recebemos cerca de dois mil comentários, a maioria nada educados. Imagina alguém em um ambiente muito mais exposto! O curioso é que, como sempre, a coisa foi em tom de ofensa pessoal: “Você só pode ser isso, você só pode ser aquilo”. Não se discutiu o fato (“tal coisa que você fez não foi legal por tal motivo”), se discutiu a pessoa de Juliana e ela foi exposta a todo tipo de agressão, xingamento e julgamento apenas por expressar uma opinião, sem ter infringido nenhuma regra.

Assim como eu, Juliana pensa que romantizar a maternidade é um desserviço para com as mulheres. Ela diz amar seu filho, mas faz questão de deixar claro que maternidade não é um mar de rosas como todos dizem. Pensando no bem das mulheres, suas semelhantes, ela tentou mostrar um outro lado, para que as pessoas tenham todas as informações na hora de se decidir e de se preparar para a maternidade. Curiosamente, ela foi trucidada justamente pelas mulheres, pelas pessoas que ela tentava ajudar e libertar do estigma de ter que achar tudo lindo e maravilhoso na maternidade, que em parte, é um dos grandes desencadeadores de depressão pós-parto.

As mulheres partiram para cima dela com ataques pessoais baixos, feios, com xingamentos. Xingar muito na internet? Por favor. Vamos querer evoluir nessa vida? Se te descontrolou a ponto de perder a compostura e sair xingando, apenas se afaste, vá embora, saia dessa rede social, pois você está dando importância demais ao Facebook e não tem preparo para lidar com aquilo. Não é saudável, de verdade.

O perfil de Juliana foi banido, mas ela não se deixou intimidar e usou o perfil de uma amiga para se explicar, após inúmeros ataques pessoais e xingamentos de baixo calão. Não gosto de gastar espaço aqui transcrevendo textos que vocês podem facilmente ler em outro lugar, mas um parágrafo de sua resposta sintetizou tão magnificamente bem a questão, que eu vou abrir essa exceção, pois eu não saberia escrever tão bem quanto ela o fez:

“(…) ser mãe requer entrega, sacrifício, doação total e amor. Ter filho muita gente tem. E é a mais pura verdade. Quando eu decidi ter esse bebê, eu decidi ser mãe. Só que quando eu me tornei mãe, a Juliana de antes morreu e eu ainda estou de luto por essa morte. Ainda sinto falta de mim, do que eu era antes, de como as coisas eram mais fáceis. Enfim, o fato de eu estar detestando essa fase não implica no meu amor pelo meu filho, ele é muito bem cuidado. E eu decidi ser mãe pq eu o amo tanto que estou disposta a fazer o que eu “detesto” pro que melhor é melhor pra ele. (…)”

O curioso é que muitas pessoas que agrediram (o termo está correto, agressão pode ser verbal conforme a lei criminal) Juliana o fizeram acusando-a de estar sob efeito de depressão pós-parto, como se apenas uma doença fosse capaz de fazer uma mulher pensar assim. Que tipo de pessoa escrota trucida desta forma, com ofensas e xingamentos, alguém que acredita estar passando por uma depressão pós parto? Como a própria Juliana pontua, ainda bem que ela não está com este problema, pois se estivesse, talvez já tivesse tentado se suicidar depois de ser trucidada desta forma. Faltar com o respeito de forma injusta parece ter virado mania nacional. Não se discutem mais ideias, se discutem pessoas.

Aí entramos na questão principal: por qual motivo dói tanto que alguém traga à tona o lado ruim da maternidade e da gestação? Que pacto perverso é esse que as mulheres fazem de se manter em silêncio e fingir que é tudo lindo? Seria para atrair mais gente para o buraco para não ficar na merda sozinha ou seria fruto de uma negação level máximo que as faz precisar enterrar fundo esses sentimentos a ponto de atacar quem tenta confrontá-los? Não sei e provavelmente nunca saberei, mães são criaturas estranhas e me são um completo mistério. Não serei eu a tirar esse escudo de quem precisa dele, pessoas ficam agressivas demais quando você remove o escudo.

A certeza que fica é que maternidade continua sendo tabu e mães continuam sendo Intocáveis. Esse tipo de intimidação com agressão pessoal e xingamentos desencoraja quem quer vir a público expor que maternidade não é um mar de rosas. Poucas pessoas tem estrutura para aguentar essa tsunami de merda de ser xingada, injustiçada e agredida sem merecer. Resultado: quem quer falar a verdade se cala para não se foder na mão dos linchadores e a mentira da maternidade perfeita continua sendo propagada.

Meu texto sobre o lado negro da maternidade foi postado em 2012. Anos se passaram e aparentemente a sociedade não evoluiu nada sobre o tema, talvez esteja até mais intolerante. Poucas vezes fui xingada e julgada como fui naquele texto, com aquele grau de descontrole, que denuncia o quanto pegou no nervo da pessoa. Já fui criticada sim, mas ofensas baixas, postagem nervosa, descontrole emocional? Esse texto bate recorde. O que me parece, acima de tudo um sintoma. Lamento muito por essas pessoas, que escolhem o caminho da escuridão, da agressividade, da raiva, do xingamento e do descontrole. Pior para elas, que acabam denunciando seus fantasmas interiores e um lado vulgar e baixo que carregam dentro delas. Atos sempre falarão mais do que discursos.

Não tem jeito, mulheres são e sempre serão desunidas enquanto vivermos nesta cultura escrota da agressão, da baixaria, do descontrole. Lamentável.

Para repudiar a baixaria e amanhã me xingar muito na internet, para repudiar a desunião das mulheres e amanhã me xingar muito na internet ou apenas para me xingar muito na internet: sally@desfavor.com

SOMIR

O texto da Sally sobre gravidez é o recordista absoluto de comentários no desfavor. A não ser que fiquemos muito famosos num golpe de azar, duvido que algum consiga bater. E é sempre fascinante ver a reação raivosa e descontrolada das mães que batem ponto por lá. É uma fúria difícil de explicar, porque se a pessoa tivesse lido e achado tudo errado, dificilmente teria a empolgação necessária para participar comentando.

Se eu escrevesse um texto do lado negro do toque de próstata e dissesse lá que o pior era quando o médico colocava o punho todo, seria motivo de piada. Ninguém ia dar bola, só se fosse para tirar sarro. Evidente, é uma informação completamente maluca que não tem fundamentação e situação pela qual ninguém (pelo menos espero) passou. Não teríamos mil comentários de homens furiosos pela desinformação. Quando você diz algo claramente estúpido e sem fundamentação, é bem mais difícil gerar a paixão necessária para polemizar.

Mas, se você efetivamente toca numa ferida, as coisas mudam de figura. Se a informação passa perigosamente perto de algo que a pessoa pensa, mas não gosta de admitir, prepare-se para lidar com reações negativas. E quando mais visível for a informação, mais e mais gente vai vestir a carapuça. O texto do lado negro da gravidez é tão polêmico porque pega na veia de muitas coisas que devem incomodar a maioria das grávidas, mas que convencionou-se desagradável demais para ser mencionado de forma pública.

Quando a moça diz algo que provavelmente deve passar pela cabeça de muita mulher depois de ter um filho, mas que esconde-se num pacto de auto-enganação, a raiva é tanta que querem porque querem silenciar. Por algum motivo, parece muito importante para essas mulheres manter as agruras, dúvidas e decepções da maternidade bem escondidas. Afinal, sem a presunção de felicidade plena e perfeita, ficam expostas a uma possível sensação de arrependimento.

O que deve parecer para elas como uma diminuição do amor que sentem pelas suas crias. Como se amor fosse uma questão de felicidade plena. A própria Juliana cita que apesar de todos os pesares, continua amando demais seu filho. A questão é que não tenta pagar de perfeita na rede social. Se mais pessoas tivessem esse desprendimento, acredito que até mesmo os justiceiros sociais que denunciam perfis (para compensar ou esquecer seus próprios problemas) teriam seus ranques diminuídos.

Não deixa de ser um círculo vicioso: poucas mulheres tem coragem de dizer que nem tudo são flores porque muitas mulheres dependem dessa ilusão de felicidade interminável para aguentar o processo de ser mãe. E essas muitas vão botando pressão nas que poderiam ser mais honestas, reduzindo a quantidade de relatos mais realistas sobre o “milagre da vida”. Precisa ser tudo perfeito? A vida virou uma foto de Instagram?

Aparentemente, precisa. Aparentemente, virou. O medo de lidar com a realização de que maternidade é algo complicado também é uma forma de se perdoar por não fazer o serviço bem feito. Explico: quando se tem a noção que existe um trabalho complicado na sua frente, com muitas possibilidade de falhas, é mais seguro acreditar que pode controlar pelo menos a visão de terceiros sobre o acontece. Ao invés de respirar fundo e ir pra luta, mais simples um acordo generalizado de só contar as vitórias, para todos parecerem vencedores, para parecer que é possível não errar.

Juliana escancara uma verdade inconveniente: a que muitas mulheres podem estar errando feio na criação de seus filhos por não se permitirem sentir o peso da tarefa que tem diante de si. Ao se juntarem contra a moça, estão inclusive tentando se convencer que ela é o elo fraco, para se sentirem superiores e menos inseguras sobre as besteiras que estão fazendo, tipo ficar denunciando perfil no Facebook ao invés de tomar conta de suas crianças.

O trabalho de cuidar de um ser humano para que ele possa conviver na sociedade é muito grande. A responsabilidade enorme, os riscos gigantescos. Deve cansar às vezes, deve desanimar e entristecer, como toda grande tarefa costuma fazer com seus responsáveis. Mas é claro que isso não significa um desastre inevitável. É como o ator que mesmo depois de décadas de teatro, ainda sente um frio na barriga ao entrar no palco. É natural sentir-se fraco diante de um desafio. É natural ter reservas. E isso não quer dizer que alguém é mais ou menos capaz de desempenhar seu papel.

Mas, quem vive de aparências vai enxergar os outros assim. Se aparenta não gostar de ser mãe (e tem que ter a profundidade de um pires para depreender isso do post), só pode ser péssima mãe. Só pode estar fazendo um desserviço para todas as outras. Como ousa sair da superficialidade? Como ousa ser humana? Isso é ruim para quem não gosta de enxergar nada além de uma imagem meticulosamente criada para ostentar felicidade. Se a felicidade é fruto de uma fraude, evidente que não vão gostar de quem a expõe.

E aí, a rede social, feita pra ser câmara de eco ou cacofonia raivosa, não consegue lidar com um desabafo humano. Algumas decidem calar a voz que incomoda, e o sistema não se furta de agradá-las. Perfis caem muitas vezes de forma automatizada. Se a rede é feita para as pessoas só verem o que querem, certeza que vai ter mecanismos para derrubar conteúdo sem interação humana. E sem ver problema nenhum nisso.

Antes tivesse postado as três fotos e seguido com o programa. A verdade não curtiu isso.

Para dizer que eu não entendo nada de ser mãe (e?), para dizer que teve um filho lendo isso, ou mesmo para dizer que vai denunciar o desfavor para o Facebook: somir@desfavor.com


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